Acórdão nº 01037/20.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:*No presente processo cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo são requerentes: R.
(viúva, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); A.
(divorciada, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…); P.
(maior, solteira, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); F.
(casado no regime de separação de bens, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); R.
(contribuinte nº (…), casado no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua (…)); G.
(viúva, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); J.
(solteiro, maior, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); G.
(solteira, maior, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); F.
(contribuinte nº (…), casado no regime de comunhão de adquiridos e residente na Rua (…)); F.
(contribuinte nº (…), casada no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua (…)) E requerido: Município de (...) (Praça (…)).
Interpõem recursos jurisdicionais, tendo em objecto três decisões: - duas decisões intercalares, que deferiram requeridas declarações de ineficácia de actos de execução indevida (de 09/09/2020 e de 26/10/2020); de cada uma o requerido recorre; - decisão final, que recusou concessão da providência conservatória requerida (de 26/10/2020); da qual os requerentes recorrem.
O Município conclui, quanto ao incidente decidido em 09/09/2020: I. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido em 09.09.2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que deferiu o incidente de execução indevida apresentado pelos aqui Recorridos e, em consequência, declarou a ineficácia dos seguintes atos: (i) aprovação da proposta de abertura de procedimento pré-contratual, de dia 15.06.2020, para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao ato suspendendo e (ii) o pedido de nomeação de perito e a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam.
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DA NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO II. No caso em apreço, afigura-se manifesto que o despacho recorrido padece de flagrante contradição, considerando que a factualidade considerada provada pelo julgador impunha, necessariamente, uma decisão final distinta da que veio a ser, efetivamente, proferida, pelo que, a decisão recorrida é, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nula.
III. Atente-se que, não obstante o Tribunal recorrido ter julgado provado que: “9) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização (…); 10) O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística”, considerou, em completa contradição, que a Resolução Fundamentada não se encontrava fundamentada, por, alegadamente, não se encontrar demonstrado que “o terreno está num estado de degradação/abandono tal que represente um foco de insalubridade, tratando-se de uma área propícia à proliferação de taos, ratazanas e cobras (…) abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais”.
IV. Significa isto que, como é bom de ver, se, num primeiro momento, o Tribunal reconhece que o prédio se encontra inculto, baldio, a ser utilizado abusivamente por particulares, reclamando uma intervenção urbanística – razões que estão na base da Resolução Fundamentada apresentada –, não pode, num segundo momento, concluir que a Resolução Fundamentada não se encontra devidamente fundamentada.
V. Assim, considerando o estado em que o prédio se encontra e o facto de reclamar uma intervenção urbanística – factos julgados assentes pelo Tribunal – por maioria de razão se encontra sustentada a necessidade de prosseguir com o procedimento expropriativo aqui em causa e, em consequência, a Resolução Fundamentada.
VI.
Afigura-se, pois, evidente que os fundamentos do despacho recorrido são manifestamente contrários ao sentido decisório que veio a ser vertido no despacho recorrido e, como tal, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, dúvidas não restam de que o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de nulidade, a qual expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
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DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO VII. O Despacho recorrido padece de claro erro na apreciação da matéria de facto, porquanto, tendo em conta a prova produzida, sempre teria o Tribunal a quo que considerar como provados os factos elencados em “A), B) e C)” da factualidade não provada.
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Assim, para efeitos de cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, cumpre, desde logo, referir que, no caso sub judice, o Tribunal recorrido não deveria ter considerado como não provados os seguintes factos:
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O prédio referido no ponto 1), propriedade do Requerentes, encontra-se abandonado e num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança. B) Trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada. C) O prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais.
IX. Isto porque foi considerado como provado que “9) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização – cfr. processo administrativo, fls. 91 e 93” e, bem assim, que “10) O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística”, isto é, por um lado, considerou o Tribunal recorrido que o terreno se encontrava inculto, baldio, era utilizado indevidamente para estacionamento sem qualquer e necessitava de uma intervenção urbanística, por outro – em completa contradição – considerou como não provado que o terreno se encontrava abandonado, num elevado estado de degradação e que era utilizado abusivamente por parte de alguns particulares.
X. Com efeito, a prova documental produzida por via de fls.
91 e 93 do PA ao permitir concluir, sem margem para dúvidas, que o terreno se encontra inculto, baldio e a ser utilizado como estacionamento permite, de igual modo, demonstrar que o terreno se encontra abandonado, degradado e abusivamente utilizado por particulares, sendo que, o mesmo é dizer que a referida prova sempre permitiria julgar como provados os já mencionados factos A, B e C, pelo que se encontra igualmente verificado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
XI. Tendo em conta o exposto e para efeitos de cumprimento do requisito ínsito na alínea c) do mencionado preceito, deverão ser julgados como provados os já citados factos A), B) e C) constantes da factualidade não provada.
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DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO XII. Conforme supra se referiu, o Tribunal a quo deferiu o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida e, em consequência, declarou a ineficácia dos supra referidos atos, perfilhando o entendimento de que a Resolução Fundamentada “(…) em parte, não foram elencadas e explicitadas devidamente, de forma clara, sucinta, congruente e contextual as razões de necessidade imperiosa de prosseguir com a execução do acto administrativo suspendendo a ponto de não ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar”, contudo, desde já se avança, que da simples leitura da resolução fundamentada resultam evidentes as razões de facto que impõem a intervenção do Município.
XIII. Ora, o escrutínio do Tribunal deve limitar-se a aferir se os fundamentos da Resolução existem e se são suficientemente claros para o homem médio os apreenda, ou seja, não cabe ao Tribunal realizar um juízo de mérito sobre a pertinência das razões expendidas pelo Município para sustentar a sua atuação administrativa, sob pena de violar o princípio da separação de poderes, antes deve, tão só, realizar um juízo de legalidade com vista a aferir o cumprimento das formalidades da Resolução Fundamentada.
XIV. Como é bom de ver, o reconhecimento de que a suspensão de eficácia de um determinado ato proveniente da atuação administrativa seria gravemente prejudicial para o interesse público compete à Administração, sendo que tal entendimento já foi perfilhado pelo presente Tribunal, por via de Acórdão de 20.02.2015, proferido no âmbito do processo n.º 01354/05.8BEBRG-A-A.
XV. Neste sentido, ao Tribunal a quo apenas se impunha a verificação dos requisitos do dever de fundamentação, previsto no artigo 153.º do CPA, em concreto, competia ao Tribunal recorrido verificar se a resolução fundamentada continha fundamentação expressa.
XVI. No caso em apreço, não só a fundamentação aduzida é suficientemente clara e percetível – tanto assim é que os Recorridos bem a apreenderam –, como do ponto de vista formal nenhum reparo merece a Resolução Fundamentada apresentada, sendo inegável o facto de o Tribunal ter dado como provado que na Resolução Fundamentada se encontram devidamente apresentados os graves prejuízos para a saúde e segurança públicas, encontrando-se a mesma “formalmente fundamentada”, pelo que, também por esta via se demonstra que o incidente aduzido pelos Recorridos não poderia merecer provimento.
XVII. Acresce que, ao contrário do que o Tribunal a quo perfilha, o reconhecimento nos factos assentes do despacho recorrido de que o terreno se encontra inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento/organização e de que carece de uma intervenção urbanística, permite justificar a urgência da atuação do Recorrente, de igual modo, considerar que o terreno se encontra em condições de abandono é admitir, ainda que indiretamente, que o mesmo se encontra propício à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, dispensando-se, por isso, qualquer prova adicional.
XVIII. Como é bom de ver, por via do n.º 2 do artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, o...
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