Acórdão nº 00714/19.1BECBR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 28 de setembro de 2020, promanado no âmbito da Ação Administrativa [registada sob o nº.

714/19.1BECBR] intentada por J.

e S.

, com os sinais dos autos, contra, de entre outro, o ESTADO PORTUGUÊS, que, em 28.09.2020, indeferiu o (i) pedido formulado pelo Recorrente de “(…) interpretação restritiva do artigo 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição (…)”; (ii) o pedido subsidiário de “(…) recusa de aplicação normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material (…)”; e (iii) ainda o pedido de “(…) declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1ª Nos presentes autos, vieram os AA. intentar a presente ação administrativa contra a Autoridade Nacional de Proteção Civil e contra o Estado Português, peticionando, a final, a condenação dos RR. a pagar-lhes um montante global não inferior a € 300.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, com todas as legais consequências.

  1. Foram remetidos ofícios de citação, datados de 10/02/2020 e de 18/02/2020, nos termos e para os efeitos dos art.ºs. 81.° e 82.° do CPTA, para o Centro de Competências Jurídicas do Estado e para a Autoridade Nacional de Proteção Civil, respetivamente (cfr. docs. de fls. 330 e 361 do suporte eletrónico do processo).

    Em 10/02/2020 foi igualmente entregue cópia da petição inicial ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.° 85.°, n.° 1, do CPTA.

  2. O Ministério Público veio à ação pedir que fosse seguida a interpretação restritiva do art. 25°, n° 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei; 4ª E, embora sem conceder, caso assim não fosse entendido, fosse recusada a aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.° 1 do art. 11.° e do n.° 4 do art. 25°, do CPTA, na redação da Lei n.° 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.° 1 do art. 219.° da Constituição e do n.° 2 desta mesma disposição.

  3. E, em qualquer dos casos, que fosse declarada a nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português [art.ºs 187.°, alínea b), e 188.°, n.° 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e art.ºs 219.°, n.° 1, da CRP, 51.° do ETAF e 4.°, n.° 1, alínea b), e 9.°, n.° 1, alínea a), do atual EMP], anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da Lei.

  4. O objeto do presente recurso visa insurgir-se com a decisão proferida pela Mma Juiz “a quo” que indeferiu todos os pedidos conforme despacho judicial que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais.

  5. Assim, o disposto no art.187°, n°1, b) do CPC, prevê a anulação do processado posterior à petição, salvando-se apenas esta quando não tenha sido citado, logo no início do processo, o Ministério Público, nos caso em que deva intervir como parte principal.

  6. Assim e, quando o Ministério Público em representação do Estado intervêm aqui como parte principal, (o que é o caso em análise) há que concluir que não foi seguida tal norma legal, que foi violada.

    Tal como se deve concluir que o ato de citação foi completamente omitido, pois que o Ministério Público, representante do Estado Português, não foi efetivamente citado, ao arrepio do a) do n°1 do art.188° do CPC, já que apenas lhe foi entregue uma cópia da petição inicial.

  7. Razão pela qual e, conforme pugnamos houve violação de tais normas legais subsidiariamente aplicáveis e, ao disposto nos arts. 219°, 1 da CRP, 51° do ETAF, e finalmente do art.4°,1 b) e 9°,1 a) do EMP, devendo ter sido anulado o processado posterior à petição inicial nos termos da Constituição da República Portuguesa, e da Lei ordinária, pedindo-se a revogação de tal despacho, nesta parte, e a sua substituição que vá de encontro à Lei Fundamental e à Lei ordinária.

  8. No que diz respeito à inconstitucionalidade material das normas do art. 11°, 1 a final, e do n° 4 do art.25° do CPTA, (sublinhado nosso) na redação dada pela Lei n° 118/2019, por violação do n° 1 (primeira proposição) e n° 2 do art.219° da Constituição da República Portuguesa foi decidido no despacho judicial recorrido pela não ocorrência de tal inconstitucionalidade.

  9. Considera-se no despacho recorrido que não há qualquer inconstitucionalidade no teor do art. 11°, 1 do CPTA, dado pela nova redação da Lei acima mencionada, - posição que não acolhemos, - pois que nela vem acrescentado que as entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria de apoio jurídico, “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.

  10. O que quanto a nós, vai contra o estabelecido na primeira proposição do n° 1 do art. 219° da CRP, pois que o Ministério Público foi e é sempre visto e, em primeira linha, e, não esquecendo que a sua função essencial nos tribunais Administrativos é como legítimo representante do Estado Português, não podendo ser considerado, como se quer fazer crer e estabelecer ao arrepio da Lei Fundamental, uma mera possibilidade, entre outras, na representação do Estado.

  11. Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de “autonomia” (Constituição, art. 219.°/2), com a sua atuação sempre vinculada a “critérios de legalidade e objetividade” (EMP, art. 3.°/2) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial.

    Por isso, a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material.

  12. Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n.° 1 do art. 11.° do CPTA, na redação conferida pelo art. 6.° da Lei n.° 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade: A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo “possibilidade”, mas desse modo transforma a regra da "“representação do Estado pelo Ministério Público” em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como, o que pode não ser vez alguma.

  13. Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do n.° 1 do art.° 11.°: “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) com a acolhida no CPC (n.° 1 do art. 24.°: “O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio..”), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta.

  14. A nova redação conferida à parte final do n.° 1 do art. 11.° CPTA torna puramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, em oposição ao exarado na grande revisão do CPTA de 2015, operada pelo D.L. n.° 214-G/2015, onde o respetivo projeto previa a introdução, no art. 11.°, sobre “patrocínio judiciário e representação processual”, de uma redação que, à semelhança do CPC, acentuava a representação-regra do Estado pelo Ministério Público: “3 - Nas ações propostas contra o Estado em que o pedido principal tenha por objeto relações contratuais ou de responsabilidade, o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo da possibilidade de patrocínio por mandatário judicial próprio nos termos do número anterior, cessando a intervenção , principal do Ministério Público logo que aquele esteja constituído'’”.

  15. Por isso, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do n.° 1 do art. 219.° da Constituição, mesmo que se admita que o citado preceito constitucional não confere ao Ministério Público um monopólio ou exclusivo de representação do Estado em juízo, como se considerou no Parecer n.° 8/82 da Comissão Constitucional.

  16. Devendo a representação do Estado pelo Ministério Público constituir sempre a regra e não a exceção ou uma mera possibilidade.

  17. A desarmonia dessa norma com a Lei Fundamental torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do n.° 4 do art. 25.°, também aditado pela referida Lei n.° 118/2019.

    “Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.

  18. No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é...

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