Acórdão nº 01028/20.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório C., J., J., e F.

, vieram apresentar contra o Município de (...), a presente Providência Cautelar, na qual requereram a suspensão de eficácia do ato de licenciamento da obra de edificação identificada nos autos, tendo como contrainteressadas a C., Ld.ª e D., Ld.ª.

Os Requerentes, inconformados com a Sentença proferida no TAF de Braga em 10 de novembro de 2020, que julgou “improcedente o presente processo cautelar, por inverificação do periculum in mora”, vieram em 23 de novembro de 2020, apresentar Recurso para esta instância, no qual concluíram: “I. Não se conformam os Recorrentes com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a providência cautelar interposta considerando não ter sido demonstrado o preenchimento do requisito do periculum in mora pelo que, consequentemente, absolveu o Município Recorrido.

  1. A ser reconhecida a ilegalidade do licenciamento em crise nos autos, a obra já erigida terá, potencialmente, de ser totalmente demolida, o que importa várias consequências para as construções adjacentes (muitas delas, antigas), ambientais e financeiras (quer para o erário público, quer para os próprios particulares que procederem à construção e os que venham a adquirir as frações autónomas).

  2. Os danos para o urbanismo, para o ambiente e para a comunidade em se manter a execução desta obra serão irreversíveis, não sendo possível o restabelecimento da situação que deveria existir se a final, na causa principal, como se crê, o ato impugnado seja considerado ilegal e nulo.

  3. A acrescer, sendo uma das condições do licenciamento a execução de obras de demolição, construção e ampliação e estando as mesmas em execução é certo que o edificado se alterará de modo irreparável.

  4. Somente com a suspensão de eficácia do ato impugnado até à decisão na ação principal é possível impedir a produção de prejuízos irreparáveis que ocorrerão bem antes de ser proferida decisão nos autos principais.

  5. Salvo diferente e melhor entendimento, ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, na medida em que considerou não verificada a existência de periculum in mora, e não provados os factos indicados, errando na aplicação da norma do art. 120º/1 do CPTA, VII. O erro de julgamento estende-se à matéria de facto pois Tribunal a quo, na elaboração da matéria de facto dada por provada não teve, desde logo, em consideração factos relevantes para a decisão da causa e documentos que os demonstram tais como: artigo 27º alegados no RI e demonstrados pelos docs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 juntos com o mesmo articulado e, ainda, doc. 5 junto com a oposição; artigo 38º demonstrado pelo próprio PA; artigo 40º demonstrado pelo próprio PA; artigo 56º demonstrado pelo próprio PA; artigo 67º demonstrado pelos documentos 6 e 7 juntos com o RI; artigo 74º demonstrado pelo próprio PA; Artigo 75º demonstrado pelo próprio PA; artigos 84º e 85º demonstrado pelo documento 15 junto com o RI; artigo 95º relativo à demolição como sendo, perfunctoriamente, a única medida de tutela urbanística possível, o que se presume dos factos provados 6 (índice de impermeabilização de 94,9%) e 7 (vistoria de demolição para – apenas – três dos cinco prédios) pois não se poderá manter na ordem jurídica este ato de licenciamento e é, inclusivamente, admitido pelo Julgador na motivação da decisão sub iudice; artigo 96º conquanto resulta dos documentos juntos aos autos e da própria oposição do Requerido e Contra- Interessados que o local da obra se situa no centro histórico da cidade de (...); Artigo 97º e 98º na medida em que os trabalhos de demolição no centro de uma cidade requerem trabalhos complexos e implicam impactos ambientais e nos edifícios contíguos.

  6. Vai, assim, à luz do disposto nos arts. 607º/4 e 640º/1 do CPC, impugnada a decisão sobre a matéria de facto nos termos concretamente indicados pugnando-se pela sua inclusão na referida matéria com interesse para a discussão dos autos.

  7. O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

  8. No caso sub iudice, o não decretamento da providência acarreta a constituição de uma situação de facto consumado, na medida em que a construção cujo licenciamento está em crise sendo terminada tornará muito difícil ou mesmo impossível a reconstituição da situação conforme à legalidade.

  9. “Na verdade, se a obra prosseguir conforme o projeto aprovado, vindo a declarar-se a nulidade do correspondente licenciamento, a reposição da legalidade tornar-se-á um facto muito mais oneroso para todos os intervenientes no litígio. Para os requerentes da providência, a execução do projeto com a construção do edificado em desconformidade com os preceitos legais pode constituir um facto consumado. Por seu turno, para o requerido particular, o promotor da obra, a prossecução do projeto irá seguramente implicar o dispêndio do dinheiro inerente à respetiva construção. Por conseguinte, vindo a declarar-se a nulidade do licenciamento, se daí resultar a obrigação de demolir – parcial ou totalmente – o edifício construído, essa mesma circunstância irá provocar-lhe danos acrescidos e relevantes. Por último, a prossecução da obra conforme o projeto aprovado poderá implicar para o Município (...) os danos necessariamente decorrentes da violação de um interesse público de garantia da legalidade urbanística, para além de poder agravar os deveres indemnizatórios que lhe possam ser assacados a título de responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos. Em conclusão, se a obra vier a prosseguir conforme o projeto aprovado, vindo a declarar-se no processo principal a nulidade do ato de licenciamento, ocorrerão certamente prejuízos relevantes e de difícil reparação para os interesses de todos os intervenientes neste litígio. Ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, verifica-se, igualmente, que a suspensão de eficácia do ato de licenciamento trará, para todos esses interesses, danos inferiores àqueles que podem resultar da não adoção da providência.” in o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24/01/2019.

  10. O Tribunal recorrido, quando considerou a existência de um “eventual prejuízo/dano para o interesse público” mas, ao mesmo tempo, não vislumbrou um custo/prejuízo direto dos Recorrentes parece ter olvidado que estes agem, neste autos, na qualidade de Autores populares, logo em defesa do interesse público, in casu, do ordenamento do território e do urbanismo, pelo que, o interesse a ponderar é o interesse público popular e não um qualquer interesse privado.

  11. Ao considerar a existência de prejuízo para o interesse público (desde logo, financeiro) o tribunal a quo, mais uma vez, admite uma situação de facto consumado pelo que sempre teria de ter julgado procedente a providência requerida, o que se invoca.

  12. O Tribunal recorrido incorreu, ao longo da motivação e no dispositivo, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma do art. 118º do CPTA, 20º da CRP e 5º, 6º e 411º do CPC.

  13. O impacto da impermeabilização dos solos constitui matéria que releva para a vida em comunidade, logo, para o ordenamento do território e urbanismo, sendo que, no caso sub iudice, uma das ilegalidades invocadas reporta-se, exatamente, à violação do índice de impermeabilização do solo regulado no PDM; XVI. Em 2012, a Comissão Europeia publicou, a título informativo, um documento de trabalho, que denominou “Orientações sobre as melhores práticas para limitar, atenuar ou compensar a impermeabilização dos solos”, o qual, embora não constitua uma vinculação legal, compila uma análise relevante no que concerne à relação entre a água (recurso escasso e indispensável à vida) e a ocupação urbana pelo Homem, e os riscos decorrentes da segunda para a primeira.

  14. Segundo a noção de impermeabilização apresentada nesse estudo: “impermeabilização dos solos é a cobertura permanente de uma dada superfície de terreno e do seu solo com materiais artificiais impermeáveis, como o asfalto e o cimento. Na Estratégia Temática para os Solos (COM(2006) 231) da Comissão Europeia e no último relatório da Agência Europeia do Ambiente acerca do estado do ambiente europeu (EEE, 2010b), este e considerado um dos principais processos de degradação do solo”.

  15. Adiantando que o processo de urbanização implica o seguinte: “É prática corrente remover o solo superficial, que fornece a maior parte dos serviços ecossistémicos do solo, e instalar fundações solidas no subsolo e/ou na rocha subjacente, para apoiar a construção ou as infraestruturas, antes de passar a fase da construção. Em geral, esta pratica tem por efeito isolar o solo da atmosfera, impedindo a infiltração das águas pluviais e as trocas de gases entre o solo e o ar. Assim, a impermeabilização resulta literalmente em consumo do solo (a menos que o solo seja reutilizado adequadamente noutro lugar). E um motivo de grande preocupação, uma vez que a formação do solo e um processo muito lento, sendo necessários séculos para formar um centímetro.” XIX. O solo, uma vez escavado e retirado para construir fundações, como ocorreu já no caso dos autos, implica que aquela porção de território fique isolada da atmosfera, impedindo a infiltração das águas pluviais e as trocas de gases entre o solo e o ar.

  16. A impermeabilização do solo decorrente da ocupação urbana altera o ciclo hidrológico e importa efeitos nocivos no solo, no ordenamento do território, na sustentabilidade, no urbanismo, nas pessoas.

  17. In casu, o índice de impermeabilização aprovado por este licenciamento é de 94,9% (vide...

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