Acórdão nº 1825/17.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução21 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO R............. interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou prescrito o direito do A. a requerer uma indemnização no valor de €27.000,00, por responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente do mau funcionamento do sistema judiciário, por terem ocorrido deficiências, omissões ou ineficiências no inquérito em que se constituiu como assistente, assim como, que julgou improcedente o pedido de indemnização no valor de €3.000,00, por responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça relativamente ao P. n.º 14/12.8SRLSB, que, após inquérito, correu termos na secção criminal do Tribunal Judicial de Lisboa (TJL).

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1- “o Tribunal a quo ostracizou a Convenção Europeia e o transito em julgado do caso; em 23- -2-2012, o filho do A., G............., foi vitima de acidente mortal; a PSP de Benfica iniciou o Inquérito 14/12. 8 SRLSB - DIAP Lisboa; o A. solicitou diversas diligencias, entre várias, maxime a expedição de carta Rogatória dirigida às Autoridades da Polónia, que o DIAP e PSP nunca concretizaram; 2-em 4-12-2013 foi deduzida Acusação contra V............., condutor do autocarro que provocou a morte do inditoso G............., a qual só ocorreu porque, como consta dos autos, recebeu ordens da PSP para não parar nos semáforos vermelhos e conduzir os adeptos Polacos ao aeroporto o mais breve possível; 3-em 3-3-2015, 4-3-2015, 5-3-2015, 10-3-2015, 27-3-2015, 13-4-2015 e 23-4-2015 ocorreu o Julgamento do caso na Secção Criminal - Juiz 1-Instancia Local Criminal de Lisboa; em 19-5- 2015 ocorreu a leitura da Sentença; o condutor do autocarro foi absolvido porque os factos foram praticados em cumprimento de ordem legitima da autoridade policial - Sentença de 19- 5-2015-pag 44; da Sentença consta que “o arguido apenas desrespeitou tal sinalização por estar no cumprimento de uma ordem que anteriormente lhe fora dada por agente da Policia de Segurança Pública cuja identidade concreta se não apurou..” pag 42; 4-o Juiz Julgador deveria ter apurado em SEDE DE JULGAMENTO todos os factos atinentes a DESCOBRIR QUEM E COMO DEU ORDENS mas não a apurou; é facto incontornável que os 4 autocarros que transportavam os adeptos do Legia, do Rossio - Lisboa para o aeroporto de Lisboa, seguiam em “coluna”, seguindo à frente dos mesmos uma viatura policial e atrás mais três (3) viaturas policiais “em coluna”, comandada pelo Intendente L............., comandante e coordenador da “coluna”; 5-os 4 condutores dos autocarros deviam obedecer, como aliás obedeceram, ás ordens dos agentes policiais que lhes transmitiram, antes de iniciar a “coluna”, conforme consta no FACTO 19: “...os motoristas dos demais autocarros onde se inclui o arguido receberam ordens para seguirem o autocarro que lhes antecedia, manterem a colma de autocarros e não pararem até chegarem ao destino”- fls 6 da Sentença de 19-5-2015. Mais se provou que: FACTO 21- durante o trajecto em questão nenhum veiculo policial ou autocarro que compunha a referida coluna parou em qualquer sinal semafórico, quando o mesmo apresentava luz vermelha accionada para o seu sentido de marcha... "-Sentença- fls 6 6-em FACTOS 28 e 29 provados que “...o arguido imprimia ao veiculo por si conduzido- pesado de passageiros …………- velocidade não inferior a 55 Km/hora e não respeitou a sinalização semafórica que se encontrava vermelha... ” Sentença - pag 7 7-o ESTADO PORTUGUÊS através do seu órgão PSP foi o ÚNICO RESPONSÁVEL pela morte do inditoso G.............; em vez de proteger quem circulava nas artérias adjacentes ás avenidas da Liberdade e Fontes Pereira Melo, a PSP deu ordens para não parar nos semáforos vermelhos e avançar até ao aeroporto a velocidade superior ao limite legal.

8- “o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela Lei” - art° 2o da CEDH o que o réu Estado /PSP/ Orgão de Soberania violou frontalmente; aliás, o relatório Policial no proc 14/12 conclui pela responsabilização da PSP mas sem vontade de identificar o(s) autor(es): “....o direito à Vida impoe-se ao Estado e aos outros indivíduos e deve estar protegido pela Lei; isto é, as pessoas têm o direito de exigir ao Estado as medidas necessárias e adequadas para a protecção da sua Vida, incluindo a obrigação de incriminar os atentados á Vida e de perseguir os outros dos homicídios....”- Sr. Dr. Juiz Ireneu C. Barreto in a Convenção Europeia, Ed Coimbra, 3 ed. Pag 65.

9-a P.S.P. não podia nem devia ostracizar o seu dever de vigilância e de cuidado; o Estado Português devia respeitar a Vida dos seus cidadãos mas, in casu permitiu que o condutor do autocarro conduzisse a velocidade excessiva, sem parar nos semáforos vermelhos, causando a morte, sem respeito pelo art 24o- 1 da C.R.P. e art 2o da CEDH, por sua ordem!! 10-o modus faciendi do Inquérito, o tempo decorrido e um julgamento que conclui que agentes policiais (não identificados desde 24-2-2012 até hoje!) deram ordens ao condutor do autocarro para não parar nos semáforos, daí resultando a morte do jovem G............., traduz violação dos arts 2o e 6o- I da Convenção; 11-a ausência de inquérito efectivo para identificação dos elementos da PSP que deram a ordem para o autocarro circular a 55 Km/hora e não parar no semáforo representa violação da obrigação positiva do direito à vida; no Julgamento ocorrido em 7 sessões o Tribunal não apurou quem deu a ordem embora concluísse que foi a Policia....

12-um dever essencial dos Estados membros da União é o de criminalizar violações graves dos direitos humanos sob a obrigação de erradicar a impunidade desses crimes; os Estados devem assegurar o direito à vida mediante a criação de disposições de direito penal eficazes para dissuadir a prática de infracções contra as pessoas, apoiadas por mecanismos de aplicação da Lei afim de prevenir, eliminar e punir as violações dessas normas conforme têm decidido os Senhores Juizes de Estrasburgo: Osman contra Reino Unido, proc. 23452/94 de 28/10/1998, n°115 Menson contra Reino Unido, proc. 479/16/99 de 6-5-2003, nº1 Y e X contra Paises Baixos, Proc. 8978/80 de 26-3-1985; 13-a fim de permitir a protecção dos direitos à Vida, á integridade e dignidade pessoal, os Estados devem assegurar que é feita uma investigação efectiva a qualquer violação dos artigos 2o e 3o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Gáfgen contra Alemanha, proc 22978/05 de 1-6-2010, n° 117 Cadiroglu contra Turquia, proc. 15762/10, de 3-9-2013; 14-a INÉRCIA, o DESPREZO e a ARROGANCIA das Autoridades em seguir uma linha de investigação óbvia no sentido de apurar, incriminar e punir os responsáveis pela operação de transporte dos adeptos Polacos, ordenando a passagem de todos os semáforos vermelhos, a elevada velocidade, traduziu DEFICIÊNCIA na INVESTIGAÇÃO; 15-ab initio a PSP a investigar os próprios elementos da PSP comprometeu a capacidade de identificar os agressores; acresce que não impediu o transito co-lateral à via por onde circulou o autocarro assassino, isto é, não adoptou medidas razoáveis para evitar o RISCO DE VIDA imediato e concreto, o que viola ostensivamente o art° 2o da CEDH, neste sentido: “ Affaire Ramsahai contra Países Baixos,proc. 52391/99 de 15-5-2007, n° 324.

16-as Autoridades usaram a força, criaram riscos não razoáveis a um cidadão, que perdeu a Vida e não investigaram nem quiseram saber quem deu a ordem; o Tribunal Europeu decidiu há muito que o Estado deve fornecer protecção e salvaguardar as vidas daqueles que estão sob a sua protecção com vista a não ostracizar o art. 2° da Convenção conforme os Acórdãos do TEDH:“ YASA c. Turquia’’ de 2-9-1998, “ MAKARATZIS c. Grécia” de 20-12-2004 “ L.C.B. c. Reino Unido -9-6-1998....- in http://hudoc.echr.coe.int/ “CASE OF FERNANDES DE OLIVEIRA v. PORTUGAL - (Application no. 78103/14) 17-o Tribunal Europeu há muito que decidiu que o artigo 2o da Convenção Europeia não visa unicamente o homicidio intencional; abrange também as situações e que é possível haver recurso à força que pode conduzir á morte de modo involuntário e a tomar as medidas necessárias à protecção da Vida das pessoas sob a sua jurisdição.

18-em 10-11 2015 foi decidido no “Affaire Hakim Ipek c. Turquia” que “ é necessário lembrar que, logo que se trata de obrigações positivas do Estado quanto à protecção do direito à vida, pode-se tratar quer do recurso á força mortal pelas forças da ordem e da falta das autoridades a tomar as medidas de protecção para travar um perigo eventual proveniente de terceiros (ver, por exemplo Osman c. Reino Unido, outubro 1998..) 19-a natureza da protecção conferida pelo artigo 2.° impõe ao Tribunal a realização de um controlo rigoroso dos actos das autoridades de que resulte a perda de uma vida, para o que tomará em consideração não apenas as acções dos agentes do Estado em causa, mas também todas as circunstâncias envolventes.

20-na medida em que os factos que são do exclusivo conhecimento das autoridades, como sucede nos casos de pessoas sob controlo ou vigilância das autoridades, existem fortes suspeitas ou presunções quando, nessas circunstâncias, ocorram ofensas à integridade física ou mesmo a morte; o ónus da prova recai nestas circunstâncias sobre as autoridades, que terão o dever de fornecer uma explicação convincente e suficiente para os factos: in casu a PSP não só não quis investigar quem deu a ordem, “ como os seus elementos em Julgamento não mereceram credibilidade porque depuseram de modo claramente comprometido ...” Sentença -pag. 23 21-“ a investigação efectiva e objectiva ...deve ser levada a cabo por entidade independente dos agentes implicados nos eventos.. ” Case HUGH JORDAN contra Reino Unido, de 4-5-2001 ( por solidariedade institucional, quiçá de eventuais represálias, inexistiria sempre inquérito imparcial, independente pela Divisão da PSP para descobrir o responsável pela ordem de não parar nos semáforos, o que levou o Tribunal a concluir...

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