Acórdão nº 00576/14.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCeleste Oliveira
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no TAF de Viseu, que julgou procedente a oposição judicial intentada por Julieta de Jesus Costa, no âmbito do processo executivo nº 2720201001031554 e apensos, relativo a dívidas de IRS e IUC do ano de 2008, instaurado contra a sociedade “P., Lda.”, e contra si revertidas, vem apresentar recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões.

“Em conclusão: A. Incide o presente recurso sobre a sentença do TAF de Viseu, que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 2720201001031554 por entender que a Fazenda Pública não logrou demonstrar a gerência de facto da Oponente, pois “Pese embora a aparência de gerência de facto emergente da declaração de remunerações e da assinatura de declarações de compra / venda e de cheques, brota da prova produzida que tais atos não continham qualquer conteúdo decisório próprio e autónomo, mas eram apenas “atos de execução” da vontade do ex-marido da Oponente.”.

  1. Porém, a Fazenda Pública não se pode conformar com o assim decidido, por entender que o entendimento plasmado na decisão parte de uma errada valoração dos meios de prova e da matéria considerada provada, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto, tendo em conta toda a prova documental coligida pela AT que se revela suficiente a demonstrar o exercício efetivo da gerência pela Oponente.

  2. O Tribunal a quo reconhece que o facto da Oponente ter declarado remunerações ao Instituto da Segurança Social, I.P. como membro do órgão estatutário da devedora originária e de ter subscrito declarações de compra e de alienação de viaturas e de cheques constituem elementos probatórios incontroversos, mas insuficientes para demonstrar a gerência de facto, porque “da prova testemunhal resultou a convicção de que tais documentos foram assinados por ordem e de acordo com a vontade do seu ex-marido que era quem de facto comandava os destinos da sociedade, decidindo a quem eram feitos os pagamentos.”.

  3. Concluiu, então, o Tribunal a quo, partindo de tal prova testemunhal, que os atos praticados pela Oponente se limitaram a meros actos de execução, porque determinados, exclusivamente, pelo seu marido que era o único que comandava os destinos da sociedade, invocando, em suporte do assim decidido, o sumário do acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 01389/04.8BEPRT, em 25-05-2016.

  4. Ressalvando sempre o respeito por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido, uma vez que perscrutados todos os elementos e documentos juntos pela AT e confrontando-os com a prova testemunhal produzida nos autos e as regras da experiência comum (presunções judiciais), isto é, partindo da articulação e conjugação de toda a prova documental produzida pela AT em articulação com as referidas regras de experiência comum, não se pode deixar de inferir a gerência efetiva por parte da Oponente.

  5. Entende a Fazenda Pública que, a prova documental produzida pela AT permite concluir que a Oponente, enquanto gerente de direito da devedora originária exerceu de modo efetivo ou de facto a gerência da sociedade, não sendo de acolher a tese contrária alegada pelas testemunhas da Oponente e a consequente transposição para o presente caso da jurisprudência do aresto citado por não se verificar um circunstancialismo semelhante como a seguir se evidenciará.

  6. O douto acórdão em que o Tribunal a quo se suporta para fundamentar a sua sentença não tem aplicação ao caso vertente, desde logo, porque não existe um contexto de dependência entre a Oponente e o seu ex-marido, que torne plausível que esta quando actuou em representação da devedora originária o fez unicamente a “mando” do outro gerente e seu marido à época, sem se assegurar ou determinar, igualmente, as decisões e os destinos da sociedade de que era sócia e gerente.

  7. De acordo com a factualidade considerada provada, a Oponente detinha o certificado de capacidade profissional para o transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias, o qual constituía um requisito obrigatório de acesso e exercício à atividade da devedora originária, cf. art.4.º, n.º1 do Dec. Lei n.º257/2007, de 16-07.

    I. A emissão do certificado de capacidade profissional pressupõe a frequência de ações de formação e a aprovação em exame, sendo de destacar que as matérias sobre as quais incidia a formação profissional e sobre as quais a Oponente deveria ser capaz de interpretar, negociar ou avaliar, abrangia elementos de direito civil, elementos de direito comercial, elementos de direito fiscal, gestão comercial e financeira da empresa, normas técnicas e de exploração e segurança rodoviária (cf. anexo I do referido diploma legal).

  8. Decorre do exposto ter a Oponente todos os conhecimentos e a aptidão técnica que lhe permitiam acompanhar, administrar, delinear e assumir conscientemente e participar na vontade da sociedade devedora representando-a perante terceiros como sucedeu, no caso, ao assinar e avalizar conjuntamente com o outro sócio gerente e marido à data, os documentos necessários à atividade da sociedade.

  9. Ao contrário da jurisprudência citada na sentença, no caso, o marido da Oponente não estava impedido de exercer a atividade, apenas necessitava de obter a capacidade profissional nos termos do Dec. Lei n.º 257/2007, de 16-07, e por não ter a disponibilidade para frequentar a acção de formação que lhe permitiria obter o certificado correspondente, foi a Oponente, igualmente, sócia da devedora originária, que acabou por obter tal capacitação, a qual pressupõe o acervo de conhecimentos exigidos pelo legislador para exercer a atividade da devedora originária.

    L. Assim, não se verifica, nos presentes autos, a relação de dependência que brota da factualidade subjacente aos arestos citados pelo Tribunal a quo. Por exemplo, não podemos considerar que estamos numa situação equivalente a uma gerência nominal por parte de filhos estudantes, sem autonomia financeira e sem qualquer conhecimento específico que os habilite a gerir e representar a sociedade e que apenas assumiram tal posição jurídica por o pai não poder assumir tais funções.

  10. Os únicos sócios da devedora originária eram a Oponente e o seu ex-marido e a forma de obrigar a sociedade exigia a assinatura de ambos, cf. certidão de matrícula junta aos autos, não se divisando coerente com o alegado distanciamento dos destinos da sociedade, o facto da Oponente alterar o pacto social, cf. escritura realizada em 31-12-2008, passando o capital social de € 49.879,79 para € 125.000,00 e o valor nominal das suas quotas a ser igual ao do seu ex-marido (€ 62.500,00) - cfr. docs. probatórios constantes aos autos.

  11. De realçar que a Oponente realizou actos que atestam o exercício efetivo da gerência da devedora originária, conforme prova documental carreada pela AT e demais factualidade considerada provada nos autos – prova documental que tem de ser devidamente valorada até por aplicação do disposto no art.393.º, n.º2 do Código Civil.

  12. Apesar de não existir uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente, que ela se possa presumir da gerência de direito, o Tribunal com base numa presunção judicial pode e deve concluir que, nas circunstâncias do caso, considerando os argumentos e a prova produzida pela Fazenda Pública há uma forte probabilidade (certeza jurídica) de essa ocorrência ter sucedido.

  13. Concretizando, o pleno conhecimento e o controlo dos destinos da sociedade devedora por parte da Oponente resulta incontroverso da documentação que suportou o despacho de reversão, junta aos autos, desde logo, do extrato de remunerações da Segurança Social onde consta que a Oponente recebeu vencimentos, de 2006/01 a 2008/11, como Membro de Órgão Estatutário da sociedade devedora P., Lda. e, bem assim, da sua Declaração Mod. 3, do ano de 2008, onde declarou além de rendimentos da categoria A, provenientes da escola onde lecionou, rendimentos da sociedade devedora – rendimentos sobre os quais incidiu o correspondente imposto, que não reclamou.

  14. Neste ponto, importa referir que, além da força probatória plena que se reconhece às declarações documentadas, não se pode deixar de valorar o facto das mesmas implicarem, no caso, uma efetiva tributação direta dos rendimentos declarados, o que permite firmar, com uma razoável probabilidade, que os factos neles indicados correspondem à realidade material.

  15. O exercício efetivo da gerência pela Oponente resulta, também, comprovado do facto desta assinar meios de pagamento (cheques) relativamente a contas da sociedade, não sendo credível o alegado pelas testemunhas da Oponente (sobrinha e ex-marido) de que esta se limitava apenas a assinar cheques em branco, nos termos solicitados pelo marido, pois as habilitações académicas e formação técnica da Oponente tornam improvável que esta, conhecendo todas as implicações legais dos seus actos se limitasse a assinar cheques em branco sem aferir do seu destino e valor.

  16. No sentido de comprovar a participação ativa no rumo e decisões da sociedade devedora por parte da Oponente, a AT juntou, ainda, o registo de propriedade da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, relativo à aquisição dos veículos com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX e o registo de propriedade da...

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