Acórdão nº 433/11.7BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA VASCONCELOS
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – Relatório: O Município de Angra do Heroísmo intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, a presente ação administrativa comum sob a forma ordinária contra o Ministério das Finanças pedindo que este seja condenado a pagar-lhe as quantias de €1 774 028,50 (correspondente às verbas em falta, a título de participação no IRS, relativas aos meses de março a dezembro de 2009, dezembro de 2010 e janeiro a setembro de 2011) e de €271 813,50 (correspondente às verbas vincendas relativas aos meses de outubro a dezembro de 2011), acrescidas de juros de mora.

Por sentença de 20 de julho de 2012 foi a ação julgada procedente tendo sido o R. condenado a pagar ao A. a quantia de €2 045 842,00.

O R., inconformado, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões: I. Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o Ministério das Finanças a pagar ao A./Recorrido Município de Angra do Heroísmo, inserido na Região Autónoma dos Açores, o montante de € 2.045.842,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data em que deveria ter ocorrido cada uma das transferências parcelares, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010, e Janeiro a Dezembro de 2011 (último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento) até integral pagamento.

  1. Verba essa alegadamente devida ao Recorrido nos termos dos mapas XIX anexos às LOE’s para 2009, 2010 e 2011, a título de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial.

  2. Posteriormente à apresentação de contestação pelo M, foi publicada a Lei nº 60-A/2011, de 30 de Novembro, a qual aditou o art. 185ºA à LOE 2011, com vigência entre 01.01.2011 e 31.12.2011.

  3. Nesse art. 185ºA da LOE 2011, determina-se que, para efeitos do art. 19º, nº 1, al. c) da LFL, a participação variável de 5% no IRS a favor dos municípios das Regiões Autónomas é deduzida à receita do IRS cobrada na respetiva região autónoma, devendo o Estado proceder diretamente à sua entrega aos municípios.

  4. Em cumprimento dessa determinação legal, que iniciou vigência em 01.12.2011, o MF transferiu para a Direção Geral das Autarquias Locais, em 16.12.2011, o montante de € 13,446.870,00, correspondente à soma da participação variável dos municípios sedeados nas RA dos Açores e da Madeira, conforme Mapa XIX, anexo à LOE 2011.

  5. Nesse montante, incluía-se o valor de € 1.087.254,00, correspondente à participação variável no IRS do MAH, relativo ao ano de 2011 (Mapa XIX anexo à LOE 2011).

  6. A DGAL transferiu em 16.12.2011 para o Município de Angra do Heroísmo, via Secretaria Regional das Finanças e Planeamento, a quantia referida na alínea anterior.

  7. Assim, relativamente à participação de IRS do referido município referente ao ano de 2011, o MF nada tem a pagar.

  8. O MF somente pode efetuar a entrega de tal verba ao Recorrido mercê da alteração legislativa introduzida pelo aditamento do art. 185ºA à LOE 2011.

  9. Relativamente aos anos de 2009 e 2010, o MF está impedido de proceder de forma idêntica, por carência de norma legal que o permita e uma vez que se esgotou a vigência das LOE’s de 2009 e 2010, estando, igualmente, encerrados os respetivos anos contabilísticos-orçamentais.

  10. Deste modo, tendo em consideração o ordenamento legal vigente relativamente aos anos de 2009 e 2010, e sendo certo que relativamente às LOE’s 2009 e 2010, inexistiram normas de conteúdo idêntico às contidas no art. 185ºA da LOE 2011 e no art. 212º da LOE 2012, igualmente se concluirá que a Tribunal a quo não procedeu à correta interpretação e aplicação do Direito ao decidir condenar o R./Recorrente no peticionado pelo MPD.

  11. Com efeito, salienta-se que o Recorrido Município de Angra do Heroísmo insere-se na Região Autónoma dos Açores, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS, previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias Locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19º, nº 1, al. c) e 20º da Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro).

  12. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

  13. Nos termos do art. 5º, nº 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia.

  14. Para além das receitas previstas nos arts. 10º e 14º da LFL, as Autarquias Locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respectivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no art. 19º, nº 1 da LFL.

  15. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, prevista na al. c) do nº 1 do art. 19º e regulada no art. 20º da LFL.

  16. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

  17. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tornar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

  18. Essa adaptação é efectuada nos termos do art. 63º da LFL, que preceitua que a “transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto-legislativo da respectiva assembleia legislativa.” (nº 2 do citado artigo).

  19. Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respectivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais (art. 63º, nº 4).

  20. Com esse objetivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 19º e no art. 20º da LFL às Regiões Autónomas se efectua mediante decreto-legislativo regional (art. 63º, nº 3).

  21. A Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro (LFRA) visa, entre outros aspectos, a regulação das relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais nelas sedeadas (art. 2º).

  22. O Estado e as Regiões Autónomas estão vinculados ao princípio da solidariedade nacional (art. 7º), segundo o qual as últimas devem contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país e para o cumprimento dos objectivos de política económica a que o primeiro esteja adstrito, e o Estado, por seu turno, deve, designadamente, assegurar as transferências do Orçamento de Estado previstas nos arts. 37º e 38º da LFRA.

  23. As receitas do IRS devido ou retido nos termos do disposto no art. 16º da LFRA, constituem receita de cada Região Autónoma.

  24. Ao abrigo do regime da autonomia político-financeira, cabe às Regiões Autónomas afectar as respectivas receitas às suas despesas (art. 227º, nº 1, al. j) da CRP).

  25. Aplicando literalmente e sem qualquer preocupação de coordenação os preceitos contidos na LFL e na LFRA, no que concerne às receitas do IRS devido/retido, o Estado acabaria por transferir para cada Região a totalidade do IRS nela cobrado (art. 16º da LFRA) e uma participação variável de 5% no IRS cobrado na mesma Região (arts. 19º, nº 1, al. c) e 20º da LFL), o que se traduziria numa transferência total de 105%, relativamente ao IRS.

  26. Em comparação, aos municípios sedeados no Continente caberia apenas o direito a uma participação variável de (até) 5% no IRS cobrado na respectiva circunscrição autárquica.

  27. Com a necessária diminuição do montante global (nacional) das receitas do IRS a que o Estado tem direito, sem qualquer correspondência com a área territorial onde o imposto é gerado, ou seja, de forma manifestamente contrária à prevista na LFL.

  28. O que, ao invés de assegurar o equilíbrio (a igualdade e a solidariedade) entre todas as partes, geraria um desequilíbrio a favor das RA e dos seus municípios e em desfavor do Estado e dos municípios do Continente.

  29. Tal traduz-se numa situação de desigualdade injustificada/injustificável entre os municípios integrados num todo nacional.

  30. Consubstanciando, uma manifesta violação do princípio da igualdade, na sua vertente territorial (art. 13º, nº 2 da CRP).

  31. Apesar de o regime das finanças locais dever contribuir, designadamente, para a promoção do desenvolvimento económico e para o bem-estar social das populações respectivas (art. 6º, nº 1 da LFL), e para a necessária correcção das desigualdades entre autarquias do mesmo grau, resultantes, v. g., de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa (arts. 238º, nº 2 da CRP e 7º, nº 3 da LFL), tal não justifica que os municípios sitos na Região Autónoma dos Açores (tal como os sitos na Região Autónoma da Madeira) possam ser beneficiados extraordinariamente relativamente aos municípios do Continente, sendo-lhes entregue 100% de todo o IRS pago pelos residentes na região e, ainda, mais 5% do IRS cobrado na mesma.

  32. Tal situação implica um tratamento desigual relativamente aos municípios sitos no Continente, desproporcionalmente desfavorável para os residentes/domiciliados fiscais respectivos e, em contrapartida, traduzindo-se num benefício desproporcional para os residentes/domiciliados nos municípios sitos na RA dos Açores, sem que...

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