Acórdão nº 1125/20.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A..., nacional da Guiné Bissau, vem interpor recurso da sentença datada de 14/08/2020, que negou provimento ao pedido de anulação do despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, que considerou o pedido de protecção internacional por si deduzido inadmissível e determinou a sua transferência para Itália.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu o pedido deduzido pelo Autor, aqui Recorrente, no sentido da revogação do despacho do Senhor Director Nacional Adjunto do SEF que havia considerado Itália como Estado responsável pela tomada a cargo do Recorrente.
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Como resulta da sentença ora recorrida, o Tribunal a quo concluiu que cabia ao Autor invocar factos que suscitassem dúvidas ao SEF acerca do cumprimento das obrigações que o Estado italiano está vinculado em matéria de protecção internacional.
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Na ausência de tal invocação não se impunha ao SEF a realização de quaisquer diligências investigatórias adicionais nesta matéria, bastando-se a tomada de decisão na sequência do cumprimento exclusivo dos procedimentos legalmente previstos.
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Esta posição do Tribunal a quo é sustentada na recente decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/06/2020, proferida no proc. n.º 1322/19.2BELSB.
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E, é com base no exposto, que o Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento da pretensão do Recorrente, alegando que “Não resultando dos autos, nem do procedimento administrativo, a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimentos dos requerentes de asilo em Itália (que nem sequer foram alegadas pelo Autor), que permitissem concluir pela probabilidade séria de o Autor, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4.º da CDFUE, outra não poderia ter sido a decisão da Entidade Demandada, senão a de considerar o pedido de protecção internacional inadmissível (…) e determinar a transferência do Autor para Itália, por ser este o Estado-Membro responsável pela respectiva análise (…)”.
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Ora, o Recorrente não se conforma com esta decisão que, não só não teve em devida conta os factos alegados pelo Recorrente e dados como provados pelo próprio Tribunal a quo, como desconsiderou a jurisprudência deste mesmo Tribunal que vem considerando que cabe ao Estado português - mais concretamente ao SEF - avaliar, em concreto, as condições de acolhimento no país responsável pela tomada a cargo do Recorrente, qualificando como ilegais e inadmissíveis decisões meramente administrativas e burocráticas, sem análise da situação de facto e das especificidades de cada caso, por violação dos princípios da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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Tal como referido supra, o Tribunal a quo considerou que o Recorrente não havia alegado factos que indiciassem qualquer risco de tratamento desumano ou degradante em Itália ou falha no sistema de acolhimento.
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Ora, resulta das declarações do Recorrente dadas como provadas e reproduzidas na alínea D) dos factos provados, que por falhas no sistema de registo do Recorrente no sistema da segurança social, o Recorrente não estava em condições de obter os apoios sociais a que teria direito por estar desempregado e os cuidados médicos de que precisava.
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De realçar que o Recorrente informou que “(…) agora que estou doente querem que arranje outro contrato de trabalho (…)” e que, “Mas eu estou doente não posso trabalhar e eles não emendam o erro do meu cartão”.
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Não obstante estas declarações, o SEF não efectuou qualquer diligência para apurar da veracidade do alegado pelo Recorrente, não procurou saber qual a doença do Recorrente, quais os tratamentos que seriam devidos e que tipo de acompanhamento médico é que o Recorrente teve em Itália.
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No entender do Recorrente o facto de estar doente e de não obter, no país responsável pelo acolhimento, os cuidados médicos de que carece será indício relevante para obrigar à avaliação e ao apuramento das efectivas condições de acolhimento no país em causa, à luz da CEDH e da CDFUE.
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Do exposto resulta demonstrado que, contrariamente ao que o Tribunal a quo concluiu, os factos que indiciariam risco no acolhimento em Itália foram efectivamente alegados pelo Recorrente nas suas declarações.
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Os serviços administrativos é que os terão ignorado, não tendo dado qualquer seguimento às queixas e denúncias feitas pela Recorrente.
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Em complemento ao exposto, e no que refere especificamente às falhas sistémicas do sistema de acolhimento em Itália, as mesmas são de conhecimento público e estão detalhadamente descritas no acórdão deste mesmo Tribunal de 22/08/2019, proc. n.º 1982/18.1BELSB, conforme transcrição supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual.
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É de realçar que, como foi entendimento deste mesmo Tribunal, as falhas do sistema de acolhimento em Itália são factos notórios, de conhecimento público, cujo desconhecimento o SEF não pode invocar, inclusivamente porquanto foi parte no dito processo que culminou com o acórdão ora invocado.
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E tanto são de conhecimento público e notório que o próprio Recorrente o alegou nas declarações dadas como provadas e reproduzidas na alínea G) dos factos provados, das quais se transcreve a seguinte parte: “(…) o objectivo do Estado italiano é terminar com a sua protecção humanitária. As políticas em Itália tornaram-se anti-imigração ao longo dos últimos anos, sendo o seu objectivo não permitir a integração dos beneficiários de protecção internacional em Itália”.
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Nessa medida, e em face do exposto, tendo o SEF directo conhecimento das falhas no sistema de acolhimento em Itália, como detalhadamente relatado nos diversos relatórios identificados e nas notícias amplamente difundidas pela comunicação social, competiria aos serviços efectuar uma análise mais aprofundada da actual situação naquele país por forma a avaliar da manutenção ou não das falhas identificadas.
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Só após essa análise, com eventual actualização de dados e informação, é que o SEF estaria em condições de tomar uma decisão devidamente fundamentada e não uma decisão meramente administrativa e burocrática, como se verificou.
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É por ter directo conhecimento do que se passa em Itália - que, como reconhecido por este Tribunal, resulta de factos públicos e notórios amplamente divulgados pela comunicação social - que o SEF deveria ter actuado de forma mais diligente e zelosa, procurando averiguar se a transferência do Recorrente para aquele país seria a decisão que melhor defenderia os interesses e direitos do Recorrente, dando pleno cumprimento aos princípios da CEDH e CDFUE.
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Nessa medida, improcede a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que o Recorrente não alegou factos que impusessem ao SEF a realização de outras diligências investigatórias.
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Improcede porque tal...
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