Acórdão nº 272/15.6BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO C…… – Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis (doravante C.....) vem, nos termos do art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, reclamar para a Conferência da decisão proferida pela Relatora que procedeu ao saneamento do presente processo e (i) julgou improcedente a excepção de ineptidão da PI, invocada por nela estarem feitos pedidos de objecto impossível e substancialmente incompatíveis; (ii) que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo quando através deste se pretenda efectivar uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Governo da Região Autónoma da Madeira (RAM), por acto ilícito e culposo e determinou o prosseguimento dos autos apenas para aferir do direito do Exequente a ver efectivado o julgado anulatório por via da reconstituição natural ou, sendo tal impossível, a ser indemnizado, a título de tutela repristinatória, pelos danos decorrentes da expropriação do direito à execução do julgado; (iii) que julgou sanada a irregularidade da PI inicial, considerando o teor da nova PI aperfeiçoada e que julgou não verificada a excepção de preterição do litisconsórcio passivo; (iv) assim como, que julgou procedente a existência de causa legítima de inexecução e determinou a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.

O Exequente não indica restringir a reclamação para a Conferência a alguns dos segmentos da decisão proferida pela Relatora. Assim, há que entender que reclama relativamente a todo o conteúdo daquela decisão.

Na reclamação para a Conferência o Exequente suscita a questão de o processo ter sido iniciado como uma execução para pagamento de quantia certa e só mais tarde ter sido corrigida para a forma de processo, para execução de sentença anulatória e tal circunstância não ter sido considerada na apreciação do erro na forma do processo. Mais invoca o Exequente, a nulidade decisória por se ter conhecido oficiosamente, de imediato, sem previamente abrir lugar a diligências instrutórias, da existência de causa legitima de inexecução, que diz que inexiste.

Estas questões, suscitadas pelo Exequente na reclamação para a Conferência, que constituem a alegação de nulidade decisória, por omissão de pronúncia, serão conhecidas a propósito da excepção de erro na forma do processo e do conhecimento da existência de causa legitima de inexecução.

Na resposta à reclamação para a Conferência, a M…… – I........., SA, suscita a questão da desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória, que diz formulada pelo Exequente no artigo 181.º da réplica, que alega ter sido uma questão omitida na decisão reclamada. Mais requer, que tal desistência seja reconhecida e homologada. A M.......... requer, igualmente, que se assim não for considerado, seja liminarmente rejeitada a reclamação para a Conferência no segmento referente ao reconhecimento de causa legítima de inexecução, por evidenciar uma conduta processual contraditória do Exequente e consubstanciar um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

A M.......... requer, também, que seja indeferida, por ilegal e intempestiva, a alteração do pedido feita na reclamação para a Conferência para se “revogar a concessão efetuada e, consequentemente encerrar o centro de inspeções automóveis indevidamente autorizado a funcionar”, para se determinar a “cessação da atividade do operador e o encerramento dos centros onde essa atividade se desenrola” e a “atribuição à ora Exequente de um título para o exercício da sua atividade”.

Como melhor veremos a seguir, no que concerne à invocação da M.......... para que seja liminarmente rejeitada a reclamação para a conferência relativamente ao segmento da decisão referente ao reconhecimento de causa legítima de inexecução, por evidenciar uma conduta processual contraditória do Exequente e consubstanciar um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não procede, pois o que se retira das peças processuais apresentadas pelo Exequente é que o mesmo considera que ocorre uma impossibilidade factual e jurídica relativamente ao tempo já passado, em que não pôde explorar um centro de inspecção de veículos - pelo que requer uma indemnização por danos - mas que ainda existe a possibilidade de executar a sentença anulatória para um tempo futuro, revogando-se agora, e para futuro, a autorização que foi concedida à M.......... em 26/07/1997, encerrando-se o centro que o Contra-interessado se mantém a explorar ao abrigo de um contrato posteriormente celebrado e concedendo-se ao Exequente a autorização em questão, para que seja ele, para futuro, quem pode passar a explorar aquela actividade.

Assim sendo, a conduta do Exequente não constitui verdadeiramente um venire contra factum proprium, mas corresponde, apenas, ao desenvolvimento de um raciocínio ou de uma argumentação que visa o alcançar de uma indemnização que cubra os vários danos que se invocam, ou seja, os danos decorrentes da inexecução da sentença anulatória e os que se invocam como consequentes do acto ilícito, passados, futuros, certos, incertos, eventuais ou possíveis. Pretende-se o ressarcimento pelos danos já ocorridos e que se invocam impossíveis de reparar pela via da reparação natural, assim como, pelos danos que se dizem que ainda se vão ter com o protelamento da execução do julgado anulatório e pelos danos que se invocam poderem serem reparáveis, para o futuro, por via da reparação natural.

Portanto, se é verdade que o Exequente, nos art.ºs. 48.º, 54.º, 67.º, 68.º, 72.º a 74.º, 134.º, 135.º e 181.º da Réplica apresentada em 10/12/2015 invoca a existência de uma impossibilidade factual e jurídica de executar o julgado anulatório, é também evidente que essa invocação é feita relativamente aos danos passados e presentes, que se dizem já impossíveis de reparar, pela via da reparação natural e não em relação aos demais danos que se peticionam.

Mais se indique, que a conduta do Exequente ao apresentar a reclamação para a conferência relativamente ao segmento da decisão que julgou verificada a existência de causa legítima de inexecução, ainda que seja um tanto contraditória face aos argumentos e afirmações antes invocados, designadamente considerando que o próprio invocou a impossibilidade factual e jurídica – parcial, como dissemos - de executar o julgado anulatório, também não ofende forma clamorosa as expectativas que gerou na parte contrária com tais afirmações. Ou seja, dessas afirmações a parte contrária não pode ter entendido que o Exequente deixaria de exercer o seu direito a opor-se a uma decisão que julgasse verificada a existência de causa legítima de inexecução. Não houve aqui, portanto, uma quebra de confiança que consubstancie um abuso de direito em termos processuais.

Em suma, o que a M.......... alega ser uma invocação que corresponde a um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, corresponde efectivamente ao mero exercício do direito de acção do Exequente e à mera invocação de fundamentos que são contraditórios nos seus próprios termos, por o Exequente visar com esta acção o ressarcimento de danos que só poderá ter lugar através de uma acção de indemnização por acto ilícito. Esta última circunstância será apreciada a propósito do erro na forma do processo e em sede de apreciação da existência de causa legítima de inexecução. Mas não ocorre aqui uma situação de abuso de direito.

Logo, há que admitir a reclamação para a Conferência com toda a sua abrangência.

Quanto à invocada alteração parcial dos pedidos feita pelo Exequente através da reclamação para a Conferência, tal não deriva do referido articulado como pretende a M...........

Na verdade, os que pedidos que se dizem alterados correspondem aos que já haviam sido feitos na PI, acima identificados, sendo uma mera especificação, clarificação, ou explicação dos mesmos.

Aliás, em ponto algum daquela reclamação o Exequente aduz de forma expressa ou clara que quer proceder a uma alteração dos pedidos, mas apenas invoca diversos argumentos para se opor à decisão tomada.

Em suma, a indicada alegação da M.......... não tem fundamento face ao articulado apresentado.

Por último, a invocada desistência dos pedidos de natureza não indemnizatória formulados pelo Exequente no artigo 181.º da réplica, será uma questão que se apreciará em simultâneo com a excepção de erro na forma de processo, pois correlaciona-se com tal excepção.

Cumpre, assim, reapreciar o decidido, agora em conferência.

A C…… veio apresentar no TAF do Funchal a presente execução de sentença contra o Conselho do Governo Regional da Madeira (C..........), requerendo a execução do Ac. proferido pelo TCAS, em 08/05/2008, confirmado pelo Ac. do STA em 21/11/2013, que anulou a Resolução n.º 855/07, de 26/06/1997, que na sequência de um concurso público atribuiu ao concorrente A.......... uma autorização para a realização de inspecções periódicas obrigatórias a veículos na Região Autónoma da Madeira (RAM), por se julgar que tal Resolução padecia do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por se ter erigido um critério de desempate ilegal e por se ter aplicado erradamente tal critério, atendendo à realidade sobre a qual deveria versar.

Invocando que por força do julgado anulatório teria que ser colocado no 1.º lugar do concurso, o Exequente pede, a final, em execução do acórdão proferido, o seguinte: - para ser revogada a concessão efectuada a favor da I……….., SA, M.........., encerrando-se o centro de inspecções automóveis por aquela explorado; - para ser paga pela RAM a quantia total de €19.568.000,00, pelos ganhos líquidos que o Exequente deixou de auferir de Setembro de 1997 a 31/12/2014, equivalentes aos lucros que a M.......... obteve nesse período; - para ser paga pela RAM da quantia de €6.661.000,00, correspondente aos ganhos que a M.......... virá a auferir...

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