Acórdão nº 1427/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Estado Português, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 14/02/2020, que no âmbito da ação administrativa intentada por J................

, M................

e A...............

, contra o Estado Português, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Réu ao pagamento de indemnização a cada um dos Autores no montante de € 5.750, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e atraso na realização de justiça.

Os Autores, vieram também interpor recurso jurisdicional contra a sentença.

* Formula o Réu, aqui Recorrente, Estado Português, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1 – Na presente acção foi o R. – Estado Português condenado a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 5.750 (cinco mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável.

2 – Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes, o que não é o caso dos autos.

3 – Até porque no normal desenrolar dos autos verificou-se um lançar mão de expedientes processuais por parte dos AA., que apesar de legalmente previstos, contribuíram na sua quase totalidade para a alegada morosidade, de que os mesmos se queixam – “venire contra factum proprium”.

4 – Inexistindo “in casu” atraso na administração da justiça, com relevância para a atribuição de qualquer “quantum” indemnizatório aos AA., como foi feito na, aliás douta, sentença.

5 - Nos termos do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

6 - Tal responsabilidade civil corresponde, no essencial, ao conceito de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos consagrado no Código Civil, pelo que, para que os AA. pudessem ver ressarcidos os prejuízos eventualmente sofridos, sempre teriam que se mostrar reunidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do citado código.

7 – De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poder judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.

8 – Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.

9 – Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.

10 – A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.

11 – Tendo esta acção demorado um prazo razoável para o seu termo, atendendo às circunstâncias concretas do mesmo, onde se inclui a quase total responsabilidade dos AA., atenta a sua litigiosidade, falece desde logo o requisito da ilicitude.

12 – Também a culpa terá que ser aferida segundo o que normalmente é exigível e perante as circunstâncias concretas do caso; e face a tais circunstâncias concretas, outra não poderia ser a conclusão da sua inexistência.

13 – Apenas constitui dano indemnizável – não patrimonial – aquele que, pela sua gravidade, justifique a tutela do direito.

14 – E não os “danos automáticos”, decorrentes da constatação de uma mera violação de um direito.

15 – Não se mostrando “in casu” ultrapassado o dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais, não estamos, no caso vertente, perante um quadro de sofrimento psíquico particularmente intenso, pelo que tal é insuficiente para qualificar os danos como graves, para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 496.º do Código Civil.

16 – Ora, faltando os requisitos supra referidos, necessariamente claudica a pretensão dos AA., na exacta medida em que a responsabilização do R. – Estado Português, a título de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, exige a verificação cumulativa dos respectivos pressupostos.

17 – O que não é, manifestamente, o caso.

18 – Foi, pois na, aliás douta, sentença feita uma indevida aplicação do direito aos factos, devendo a mesma ser substituída por outra que, não dando razão parcial aos AA., absolva o aqui R. – Estado Português “in totum” do pedido.”.

Pede o provimento ao recurso e a improcedência da ação, por não provada, absolvendo o Estado Português do pedido.

* Os Autores, ora Recorrentes, interpuseram recurso contra a sentença, para o que formularam as seguintes conclusões: “1ª.

A condenação e a absolvição parciais do réu no pedido ficaram a dever-se ao facto de na sentença se ter considerado que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado e a notificação da conta final de custas não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de atraso.

  1. Porém, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do TE que o artº. 6º.,§ 1º., da Convenção deve ser interpretado no sentido de o tempo decorrente entre o trânsito em julgado da decisão que julgou a causa e a notificação da conta final de custas também se conta para a determinação da duração total do processo.

  2. É igualmente entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência estrasburguesa que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser determinada com base no tempo de duração total do processo, e não só por cada ano considerado de atraso, à razão de uma quantia compreendida entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de pendência.

  3. Já se aceita em todos os quadrantes que é o TE que interpreta e determina o significado das normas da Convenção, densificando os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos não patrimoniais ressarcíveis e que a sua jurisprudência, como que interpretação autêntica, desempenha um papel de relevo, pelo que deve ser seguida pelos tribunais nacionais.

  4. Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais que os autores sofreram em consequência da violação do prazo razoável de decisão o tribunal, em vez de uma indemnização razoável, atribuiu uma quantia insuficiente, não tendo tido em conta os critérios constantemente seguidos pela jurisprudência estrasburguesa e pelos tribunais nacionais.

  5. Nomeadamente não teve em conta que o artº. 41º. da Convenção manda atribuir uma reparação razoável às vítimas da violação do prazo razoável e que o TE, seguido pelos tribunais nacionais, tem entendido que a indemnização deve ser fixada entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de duração do processo (e não só por cada ano de atraso).

  6. Na elaboração da sentença devia ter-se aplicado o citado artº. 41º. e interpretar-se os artºs. 494º. 496º., nºs. 1 e 3, ambos do CC, no sentido de afastar a aplicação do segundo normativo, simplesmente porque não se trata de uma situação em que a responsabilidade se funde em mera culpa para a indemnização poder ser reduzida.

  7. A sentença olvidou ou desconheceu a tendência jurisprudencial que se vem verificando, desde há vários anos, no sentido de se abandonar a atribuição de indemnizações insuficientes e não razoáveis, referindo-se em vários arestos que se trata de entendimento praticamente unânime.

  8. Cada um dos autores merece a atribuição de uma reparação razoável porque também é razoável o quantitativo que pediu, sobretudo se comparado com os que é habitual ver-se serem pedidos em processos idênticos a este, só podendo pecar por defeito, não por excesso.

  9. Além dos já citados, mostram-se violados os artºs. 2º., 20º., nº. 4, e 22º., todos da Constituição, 6º., § 1º., da Convenção, 2º., nº. 1, do CPC e 1º., nºs. 1e 2, 3º., 7º., nºs. 3 e 4, 9º., 10º., nº. 1, e 12º., todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo artº. 1º. da Lei nº. 67/07, de 31 de Dezembro, e 70º., nº. 1, 483º., nº. 1, 496º., nº. 1, e 563º. e segts., todos do CC.”.

* Notificado da interposição do recurso dos Autores, o Réu, Estado português veio contra-alegar, sem formular conclusões.

Dá por reproduzidos todos os considerandos, de facto e de direito, já expendidos no recurso apresentado, acrescentando que quando se referiu a fls. 04 das alegações de recurso que os autos com o nº 1473/18.0BELSB se encontravam pendentes para decisão, neste momento já foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e, absolvido o R. – Estado Português do pedido, decisão que ainda não transitou em julgado.

* Os Autores não contra-alegaram o recurso interposto pelo Réu, Estado português.

* O processo vai, com...

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