Acórdão nº 1398/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A..............

, nacional da Guiné, melhor identificado nos autos, de ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 30/09/2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de impugnação da decisão da Diretora Nacional do SEF, de 06/02/2020, que considera o pedido de proteção internacional inadmissível e que a mesma seja substituída por outra que permita a análise do pedido de proteção internacional que formulou pelo Estado Português.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “- Atento o exposto, o ato administrativo praticado pelo órgão decisor é nulo, uma vez que padece de: o Vício de forma, por falta de fundamentação de facto essencial à decisão de transferência, ou seja a decisão é impercetível e incognoscível por parte de Recorrente, que desconhece a linguagem utilizada pelo SEF.

o Novo vício de forma pelo facto de não estar redigido em língua que o Recorrente consiga compreender, sendo certo que apenas foi lida ao Recorrente o conteúdo da decisão e não as demais informações, onde constam os elementos essenciais que realmente fundamentam a decisão e que lhe permitiriam compreender o conteúdo da mesma.

o Bem como, incorre num terceiro vício de forma por não verificar todas as condições de aceitação do refugiado, nomeadamente a situação dos campos de refugiados Italianos, em decorrência da pandemia instalada por via do vírus SARS-COV2.

o Situação esta que o coloca em risco de expulsão e de incumprimento real dos mais elementares Direitos Humanos do refugiado, nomeadamente de condições de vida, acesso à saúde e ao bem-estar, nomeadamente os previstos no artigo artigos 2.º, 3.º, 6.º, 7.º, 8.º e 19.º n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

- Tudo em violação dos artigos 152.º nº 1 alínea a) e 153.º n.º 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo.”.

Pede que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que declare nula a decisão do diretor do SEF de 05/06/2020, que determinou a retoma do Recorrente para a Itália e substituída por outra que permita a análise do pedido de proteção internacional que formulou pelo Estado Português, de acordo com o previsto nos artigos 161.º n.º 1 e 2 alínea d) ex vi artigos 152.º nº 1 alínea a) e 153.º n.º 1 e 2, todos do Código de Procedimento Administrativo.

* O Recorrido, notificado, não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

* O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, com fundamento: 1.

Vício de forma, por falta de fundamentação de facto essencial à decisão de transferência; 2.

Vício de forma, por o ato não estar redigido em língua que o Recorrente consiga compreender e apenas ter sido lida ao Recorrente o conteúdo da decisão e não as demais informações; 3.

Vício de forma, por não verificar todas as condições de aceitação do refugiado e a situação dos campos de refugiados italianos, em decorrência da pandemia e existir o risco de expulsão e de incumprimento real dos direitos humanos relativos às condições de vida, acesso à saúde e ao bem-estar, previstos nos artigos 2.º, 3.º, 6.º, 7.º, 8.º e 19.º n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “a) O Autor, A.............., é nacional da Guiné (Lelouma Ndatari) – cfr. informações constantes do PA.

b) O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 12/12/2019, pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º 2170/19, tendo indicado no inquérito preliminar como motivo para a saída do país de origem: «problemas de racismo» – fls. 2, 4/5 e 14 do PA.

c) Foi consultado o sistema EURODAC e foi detetado um Hit positivo com os n.o de referência: I..............

, inserido pela Itália, em La Spezia, a 6/7/2017 – cfr. fls. 7 do PA.

d) A 16 de Janeiro de 2020, pelas 12h15m, o A. prestou declarações junto do SEF, em francês, por assim ter solicitado, na presença da inspectora do SEF P............. e do intérprete F............. – fls. 19 a 25 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

e) Durante a entrevista o Requerente foi perguntado, particularmente, sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinham sido encontrado um registo na base de dados de impressões digitais Eurodac recolhido em Itália; referiu, a esse propósito, como segue: «imagem no original» Ainda sobre o seu percurso até chegar a Itália e sobre o pedido de asilo que apresentou em Itália, foi-lhe perguntado e teve oportunidade de responder: Acrescentou ainda estar bem de saúde e que havia deixado o seu país por motivos de racismo, por ser peul e ter sido ameaçado pela minoria malinké que vivia na sua aldeia.

cfr. “Entrevista/Transcrição” a fls. 19 a 25 do PA, que se dá por integralmente reproduzida.

f) Foi elaborado em seguida, e no mesmo auto, um documento nominado “Relatório” (a fls. 26 a 28 do PA) do qual consta (…) Foram ainda lidas as declarações ao Requerente em língua francesa para que este as assinasse.

– cfr. fls. 25 a 28 do PA.

g) Foi organizado o processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional – que recebeu o n.º 02560/19PT – e a 20 de Janeiro de 2020 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades italianas, invocando o art.º 18.°/1/d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho – cfr. fls. 29 a 34 do PA.

h) A 6 de Fevereiro, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que consideravam que o pedido de retoma a cargo do Requerente havia sido tacitamente aceite – cfr. fls. 37 do PA.

i) A 6 de Fevereiro de 2020, foi elaborada proposta de decisão (informação n.º 0309/GAR/2020), com base na qual foi proferida, nesse mesmo dia, decisão do seguinte teor: «De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º - A e no n.º 2 do artigo 37.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 0435/GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A.............., nacional da Guiné, inadmissível Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de Maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho».

fls. 40-45do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

j) Tal Decisão foi transmitida ao Autor, a 5 de Junho de 2020, pela leitura da notificação da mesma em língua francesa «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referidas em i) ─ conforme auto de notificação a fls. 49 do PA ─ e a 8 de Junho de 2020 o Autor solicitou apoio judiciário ─ cfr. fls. 50 do PA.

k) A 01/06/2018, foi publicado na página oficial do Jornal Folha de S. Paulo na internet, no endereço https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/expulsar-imigrantes-sera-prioridade-diz-novo-ministro-do-interior-italiano.shtml, o artigo intitulado "Expulsar imigrantes será prioridade, diz novo ministro do Interior italiano" cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…)Além de aumentar as expulsões, o novo ministro disse nessa sexta (1º), após ser empossado, que pretende reduzir o número dos que chegam e os recursos gastos pelo país com refugiados e solicitantes de asilo».

l) A 28/08/2017 foi publicada, na página oficial do Jornal Expresso, notícia sob o título “PM italiano debate migrações com parceiros da EU e África perante grande protesto de apoio a refugiados”, [disponível em https://expresso.pt/internacional/2017-08-28-PM-italiano-debate-migracoes-com-parceiros-da-UE-e-Africa-perante-grande-protesto-de-apoio-a-refugiados], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…) Entre janeiro e junho deste ano, quase 100 mil requerentes de asilo desambarcaram na costa italiana e as autoridades continuam sem conseguir garantir o acolhimento e integração destas pessoas.// (…) No sábado, milhares de requerentes de asilo e italianos que saíram em sua defesa marcharam pela capital com cartazes onde se lia "Os refugiados não são terroristas", exigindo o fim dos despejos e garantias de habitação adequada aos requerentes de asilo – depois de, na véspera, o conselho municipal de Roma, cuja câmara é liderada pelo movimento populista Cinco Estrelas, ter chegado a um acordo com a empresa que detém o edifício em causa para que 40 refugiados idosos, doentes e...

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