Acórdão nº 00895/20.1BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 09 de julho de 2020, promanado no âmbito da Ação Administrativa [registada sob o nº. 895/20BEPRT] intentada por J., de entre outra, contra o ESTADO PORTUGUÊS - representado pelo Digno Magistrado do M.P. junto do T.A.F. do Porto -, que indeferiu a arguição de nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a determinação da citação do Estado no Ministério Público, não atendendo, assim, à invocação de inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1- a presente acção foi intentada por J. instaurou acção administrativa contra o “estado português, (...) E a ordem dos advogados”, tendo, nos termos do disposto no artigo 25.°, n.° 4 do código de processo nos tribunais administrativos (cpta), a citação do réu estado português sido dirigida unicamente para o centro de competências jurídicas do estado; 2- a lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor no dia 16-11-2019, introduziu no cpta nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o estado já não é citado o ministério público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o centro de competências jurídicas do estado, designado por jurisapp, que é um serviço central da administração directa do estado, integrado na presidência do conselho de ministros; 3- sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar - o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo -, trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do n.° 1 do artigo 11.° do cpta, na redacção igualmente conferida pela mesma lei n.° 118/2019; 4 - com efeito, onde na anterior redacção desta norma se previa -”(...) Sem prejuízo da representação do estado pelo ministério público” passou, com a referida alteração, a prever-se -”(...) Sem prejuízo da possibilidade de representação do estado pelo ministério público”, o que transformou numa excepção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o ministério público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do n.° 1 do artigo 219.° da crp; 5 - pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do ministério público nos tribunais administrativos, enquanto representante do estado-administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do n.° 1 do artigo 219.° da crp; 6- a norma do artigo 219.°, n.° 1 da crp configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao ministério público para representar o estado; 7- em 1 de janeiro de 2020 entrou em vigor o novo estatuto do ministério público, aprovado pela lei n.° 68/2019, de 27 de agosto — i.e, menos de um mês antes da publicação da lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do estado ao ministério público (artigo 4.°, n.° 1, al. B)) e a prever a existência de um departamento central de contencioso do estado e interesses colectivos e difusos da procuradoria-geral da repúblicaw, o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61.°, n.° 1 e 2); 8- a lei n.° 114/2019, de 12 de setembro, que procedeu à 12.a alteração no etaf/2002, - i.e., menos de uma semana antes da edição da lei n.° 118/2019, a que pertencem as normas aqui questionadas -, não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51.°; 9 - a representação do estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao ministério público (com a única excepção da hipótese residual contemplada na parte final do n.° 1 do artigo 24.° do vigente cpc), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário; 10 - a norma do n.° 1 do artigo 219.° da crp, que confia ao ministério público a representação judiciária do estado-administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país; 11 - tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do ministério público como magistratura dotada de —autonomia (artigo 219.°, n.° 2 da crp), com a sua actuação sempre vinculada a — critérios de legalidade e objectividade (artigo 3.°, n.° 2 do emp) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do estado nos tribunais por parte do ministério público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material; 12 - porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n.° 1 do artigo 11.° do cpta, na redacção conferida pelo artigo 6.° da lei n.° 118/2019, vem reduzir a representação do estado por parte do ministério público a uma pura eventualidade; 13 - a nova redacção limita-se a acrescentar o substantivo possibilidade, mas desse modo transforma a regra da representação do estado pelo ministério público em excepção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51.° do etaf.

14 - do confronto da fórmula usada no cpta (parte final do n.° 1 do artigo 11.° - sem prejuízo da possibilidade de representação do estado pelo ministério púbucow) com a acolhida no cpc (artigo 24.°, n.° 1: - o estado é representado pelo ministério público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio...), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do estado por parte do ministério público tem carácter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta; 15- a nova redacção do artigo 11. °, n.° 1, in fine, do cpta torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do ministério público como representante do estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do estado nos tribunais através do ministério público, imposta pelo primeiro segmento do n.° 1 do artigo 219. ° da crp; 16- a desarmonia dessa norma com a lex fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do n.° 4 do artigo 25. °, também aditado pela referida lei n.° 118/20, que estabelece que quando seja demandado o estado a citação é dirigida unicamente ao centro de competências jurídicas do estado; 17- no que se reporta ao estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu estado-administração é unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal); 18- por outro lado, nos termos do artigo 223.°, n.° 1 do cpc, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas colectivas - como é o caso indiscutível do estado-administração - realiza-se na pessoa dos seus legais representantes; 19 - o único representante do estado em juízo, pelo menos enquanto o estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), é o seu representante natural, o ministério público, em quem deve ser realizada a citação; 20 - o mecanismo implementado pelo n.° 4 do artigo 25. °, conjugado com a parte final do n.° 1 do artigo 11.° do cpta, ambos na redacção da lei n° 118/2019, conduz em linha recta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do ministério público como representante do estado no processo administrativo; 21 - acresce que a norma do n.° 4 do art.° 25. ° cpta, na redacção da lei n.° 118/2019, vem atribuir ao centro de competências jurídicas do estado a competência para coordenar os termos da (...) Intervenção em juízo dos serviços a quem aquele entenda transmitir a citação, que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao ministério público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o estado; 22 - só um construtivismo artificial e pré-ordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a assembleia da república definir a competência do ministério público (cfr. Artigo 165. °, n.° 1, al. P) da crp), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade; 23 - apesar da sua falta de clareza [que o despacho em...

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