Acórdão nº 013991/07.3BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.

[doravante I.F.A.P.], com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por J.

, também com os sinais dos autos, contra o aqui Recorrente, que, em 10.07.2019, julgou a presente ação procedente, e, em consequência, (i) anulou o “(…) o despacho proferido pelo Réu a 03/07/2007, que rescindiu unilateralmente o contrato celebrado com o Autor, e que determinou o reembolso das quantias consideradas como indevidamente recebidas a título de ajuda, no montante de € 11.308,62 (…)” e (ii) condenou “(…) o Réu a repetir o procedimento devido, considerando a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato, não imputável ao Autor, bem como os demais pressupostos elencados no ponto E.2 das condições gerais (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 10/07/2019, através da qual foi julgada procedente a ação administrativa, e em consequência anula-se o despacho proferido pelo Réu a 03/07/2007, que deferiu a rescisão unilateralmente o contrato celebrado com o Autor, e que determinou o reembolso das quantias consideradas como indevidamente recebidas a título de ajuda, no montante de € 11.308,62; e condenou o Réu a repetir o procedimento devido, considerando a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato, não imputável ao Autor, bem como os demais pressupostos elencados no ponto E.2 das condições gerais.

  1. Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável.

  2. O Recorrido celebrou com o Recorrente o Contrato de Atribuição de Ajuda ao Abrigo do Vitis - Regime de Apoio à Reconversão e Reestruturação das Vinhas, (Cofinanciado pelo FEOGA - Garantia), o mencionado contrato respeitou ao projeto apresentado pelo Recorrido ao abrigo do Programa de Apoio à Reconversão e Reestruturação das Vinhas, projeto que recebeu no IFADAP o n. 2003.33.001169.7 (cfr. Cláusula 1ª).

  3. Tendo em vista a execução do referido projeto foram concedidas ao Recorrido as seguintes ajudas (Cláusula 2ª): Comparticipação financeira para os investimentos, sob a forma de subsídio não reembolsável, até ao montante de € 13.640,32 (treze mil seiscentos e quarenta euros e trinta e dois cêntimos); Compensação por perda de receita consistente em: Manutenção de vinha velha durante três campanhas subsequentes à da plantação da vinha nova; Compensação financeira no montante de € 1.171,75 (mil e cento e setenta e um euros e setenta e cinco cêntimos), paga após a Comunicação do arranque, até três prestações anuais, definidas em função do limite temporal de aplicação do regime de apoio - 30 de junho de 2005.

  4. Por carta n.° 1161/AA - Viseu/2006, de 04.04.2006, o Recorrente comunicou ao Recorrido que, na sequência da ação de verificação que se encontrava em curso, incidente sobre a candidatura, se constatara que apenas fora enxertada uma área de vinha de 0,3496 ha, o que se traduziu num desvio de 82,7%, relativamente a área aprovada (2,021 ha).

  5. Respondeu o Recorrido por carta de 19.04.2006 que face a uma alegada justa expectativa de aprovação do projeto, o Recorrido iniciou, na primavera de 2004, os trabalhos, tendo procedido a derrube da floresta, terraplanagens, movimentação e fertilização dos solos, tendo feito todo o plantio entre abril e maio de 2004; O ano de 2004 foi, no entender do Recorrido, particularmente seco, o que não permitiu o desenvolvimento normal dos bacelos, apesar das várias regas efetuadas, pelo que, só na primavera de 2006, seria possível enxertar mais que 50% da totalidade das videiras e só em 2007 seria possível terminar a enxertia. Requereu, por isso, o Recorrido ao Recorrente que o prazo de conclusão dos trabalhos fosse prorrogado até junho de 2007.

  6. O pedido do Recorrido de prorrogação do prazo de conclusão dos trabalhos até junho de 2007, não podia ser considerado, atendendo a que, conforme estipulado na Portaria n.° 457/2005, de 2 de maio, a data limite para a conclusão dos projetos ser o 31 de maio de 2005 e a mesma já ter expirado a aquando da resposta.

  7. Foi o Recorrido quem pretendeu correr o risco de executar o plantio na primavera de 2004, quando só estava obrigado a fazê-lo em abril de 2005.”(…) aquando da visita de controlo realizada a 02/06/2005, verificaram os técnicos que, embora fosse preparado e instalado o Bacelo na totalidade da área prevista para o projeto, só tinham sido enxertados 0,3496 hectares, o que traduz um desvio de 82%, sendo assim irrelevantes as alegações relativas às condições climatéricas, tanto mais que o Recorrido não comunicou aos serviços do Recorrente quaisquer dificuldades sentidas, assim considerando que não cumpriu com as obrigações de informação constantes do contrato entre eles celebrado, o que só veio fazer a posteriori (…)”. E essa comunicação era essencial, até porque o Recorrido resolveu iniciar o plantio antes do tempo contratualizado.

    I. Dado que a situação nunca foi relata ao Recorrente, é axiomático que ao abrigo da letra da lei, o legislador pretendeu que recaísse sobre os beneficiários da ajuda, determinada “penalização” que previsse que os investimentos feitos ocorressem de facto e perdurassem, e só deste modo os beneficiários teriam direito às ajudas em questão, remetendo-se para os contratos os direitos e obrigações dai decorrentes.

  8. É compreensível a rescisão unilateral do contrato pelo incumprimento das clausulas contratuais que de forma livre e de boa fé foram contratualizadas entre o IFAP IP e o beneficiário, ora recorrido, sendo que de forma inequívoca o subsidio, na sua totalidade só será validado se a final o beneficiário tiver cumprido pontual e escrupulosamente todo os articulado do contrato que assinou com o IFAP IP.

  9. Daí recair sobre o beneficiário, ora recorrido, da ajuda, a obrigação de devolver todas as ajudas, no caso de não cumprimento dos requisitos. Que foi o que, tendo ficado provado, como se constata da sentença, aconteceu. Ou seja, no momento do controlo in loco, só tinham sido enxertados 0,3496 há, correspondendo a um desvio de 82%. Só que ao contrário do que o acórdão preconiza a devolução é na sua totalidade, sob pena da cláusula E.1 das condições gerais do contrato de atribuição de ajuda não fazer qualquer sentido.

    L. Ou seja, o legislador preconizou um regime, por muito chocante que seja, e injusto que possa parecer, o incumprimento obriga a devolução na sua íntegra. E nem mesmo a entidade administrativa, nem mesmo os Tribunais, ao abrigo dos princípios da adequação e da proporcionalidade, podem decidir em desconformidade com aquela que foi a intenção do legislador. Resultado da aplicação do princípio da legalidade, acima de qualquer outro.

  10. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar a ação procedente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P. (…)”.

    *Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…) i. Nenhuma razão (nem de forma nem de fundo) foi invocada para que devesse ser alterada a matéria de facto tida por provada; ii. Nenhuma razão justificaria que o contrato de auxílios públicos celebrado entre autor e réu não fosse interpretado à luz dos princípios gerais dos contratos, designadamente a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato, não imputável ao recorrido; iii. Face à matéria provada, bem terá andado a douta sentença recorrida ao anular o despacho do IFAP de 03 de julho de 2007 e condenar o réu a repetir o procedimento devido (…)”.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, no entendimento aqui sintetizado de que “(…) as objeções feitas no recurso à decisão recorrida não têm consistência suficiente para afetar a sua correção e validade (…)”.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.

    * *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

  11. A 09/05/2003, o Autor apresentou junto do Réu uma candidatura no âmbito do Programa VITIS - Plano Nacional de Reestruturação da Vinha, solicitando ajuda no montante total de € 14.371,33, com a instrução dos documentos exigidos; B) Na referida candidatura, o Autor apresentou a seguinte calendarização dos trabalhos: a preparação dos terrenos, num total de 2 ha, com início em janeiro de 2004; a plantação de 3788 de porta-enxertos, ou bacelos, com início em fevereiro de 2004; e a realização da enxertia, na totalidade das plantas, até maio de 2005; C) À candidatura apresentada pelo Autor foi atribuído o número de projeto 2003.33.001169.7; D) A 23/12/2003, o Réu...

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