Acórdão nº 00343/11.8BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE (...) autor na ação administrativa comum que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS – na qual peticionou a) que seja reconhecido que o A. tem direito à posse dos terrenos que hoje integram o prédio rústico denominado “Quinta da (...)” ou “Posto Experimental”, b) que seja reconhecido que o A. tem direito à posse das edificações construídas no referido prédio; c) que seja reconhecido o direito do A. a fazer integrar tais prédios no seu domínio privado; d) que seja condenado o R. a conhecer aqueles direitos do A.; e) que seja o réu condenado a entregar ao A. a posse de tais de tais prédios – inconformado com o despacho datado de 05/05/2020 (fls. 337 SITAF dos autos) da Mmª Juíza do Tribunal a quo pelo qual foi rejeitado o articulado superveniente por ele apresentado em 10/02/2020 (fls. 251 SITAF dos autos), dele interpôs o presente recurso (apelação autónoma), com subida imediata e em separado, ao abrigo do disposto nos artigos 142º nº 5 do CPTA e 644º nº 2 alínea d) e 645º nº 2 do CPC, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: A. Já após os articulados, foi publicada a Lei n.º 50/2018, de 16 de Agosto, cujo artigo 16.º estabelece que passa a ser da competência dos órgãos municipais gerir património imobiliário público sem utilização afecto à administração directa e indirecta do Estado, incluindo partes de edifícios.
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Em causa nesta acção está a reivindicação pelo Recorrente da posse dos imóveis da Quinta da (...), entendendo-se o termo posse no seu sentido comum relativo ao exercício dos poderes materiais de uso e fruição dos bens.
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Existe, assim, um facto novo constitutivo, ou pelo menos modificativo, do direito a que se arroga o Recorrente, o qual tem a ver com o pedido de que lhe seja atribuída a posse dos imóveis em apreço, isto é, a gestão do respectivo uso e fruição.
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Foi neste contexto que, ao abrigo do artigo 86.º do CPTA, foi apresentado, em 10.02.2020, ainda antes do início da audiência de julgamento marcada para esse dia, o articulado superveniente ora em causa, através do qual se invocou tal novo facto constitutivo, ou pelo menos modificativo, do direito a que o Recorrente se arroga, o qual se inscreve no âmbito dos pedidos formulados na acção sob as alíneas a) e b).
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Porém, o Tribunal, através do despacho ora recorrido rejeitou tal articulado superveniente, por duas razões: a) Por um lado, porque tal articulado teria sido apresentado fora de tempo, uma vez que à situação dos autos não se aplicaria o artigo 86.º do CPTA, mas o regime do artigo 588.º do CPC, o qual imporia a sua apresentação no prazo de dez dias posteriores à notificação da data designada para a audiência final; b) Por outro lado, porque, através do articulado superveniente, se estaria a alterar a causa de pedir, o que não seria admissível por falta de acordo do ora Recorrido, o que resultaria do artigo 265.º, n.º 1 do CPC.
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Relativamente à questão da tempestividade, não vislumbramos a razão pela qual o Tribunal entendeu que não se aplicaria à situação dos autos o artigo 86.º do CPTA, com o fundamento de que se deveria considerar o regime anterior à reforma de 2015, o que implicaria a aplicação das regras do processo civil.
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É que tal artigo 86.º do CPTA não sofreu qualquer alteração relevante com a reforma de 2015.
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A redacção anterior é precisamente igual à actual, apenas com a diferença de que no n.º 1, onde actualmente se lê “até ao encerramento da discussão”, se lia “até à fase das alegações”.
I. À luz de qualquer uma das redacções, o regime de apresentação do articulado superveniente é idêntico, podendo tal articulado ser apresentado até ao encerramento da discussão, e considerando-se supervenientes os factos ocorridos após a réplica e a tréplica, como acontece no caso dos autos, não tendo de ser convocadas as regras do processo civil.
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In casu, o novo facto constitutivo invocado decorre do regime legal constante da Lei n.º 50/2018, o qual teve lugar muito depois da apresentação dos articulados, como resulta da réplica do Recorrente ter sido apresentada em 21.11.2011 e não ter havido tréplica.
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É, assim, manifestamente tempestiva a apresentação do articulado superveniente em apreço.
L. Quanto ao argumento de que se estaria a alterar a causa de pedir sem o acordo da outra parte, como exigiria o artigo 265.º do CPC, também não tem razão o despacho recorrido.
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É que o regime do artigo 265.º do CPC não se aplica às situações decorrentes da apresentação de articulados supervenientes, sob pena de só poderem ser apresentados tais articulados com a autorização da outra parte, o que seria um contrassenso.
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Na verdade, e ao contrário do que resulta do despacho recorrido, faz parte da própria natureza do articulado superveniente a possibilidade de se invocarem novos factos constitutivos do direito invocado, o que, ipso facto, altera a causa de pedir, como acontece no caso dos autos.
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Pelo exposto, e salvo melhor opinião, não há fundamento legal para rejeitar a alteração da causa de pedir nos termos decorrentes do articulado superveniente apresentado, razão pela qual foi erroneamente invocado o artigo 265.º do CPC.
O recorrido MINISTÉRIO DAS FINANÇAS contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção do despacho recorrido, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos: A — A não admissibilidade ao Articulado superveniente: 1. Na Ação Administrativa Comum, intentada, em 28/09/2011, contra o Ministério das Finanças, o MUNICÍPIO DE (...), ora Recorrente, em síntese, invoca (e reivindica) o direito de posse sobre terrenos que integram o prédio rústico, de que o Estado é proprietário, denominado "Quinta da (...)" ou "Posto Experimental de (...)" (também conhecido por "Posto Zootécnico do (...)"), sito no concelho de (...) (Trás-os-Montes), e sobre as edificações nele construídas, formulando pedidos no sentido de que o Tribunal lhe reconheça tais direitos, bem como o direito de fazer integrar tais prédios no seu domínio privado e de condenação do Réu a reconhecer os mesmos direitos e de lhe entregar a posse dos prédios, Acção que foi contestada pelo ora Recorrido; 2. Em 14.10.2019, foram as partes a notificadas da data designada para a realização da audiência final; 3. Por requerimento de 10/02/2020, o Recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 86.º do CPTA, um Articulado superveniente, no qual invocou como «um facto novo constitutivo, ou pelo menos modificativo do direito a que se arroga», que qualifica de superveniente, facto ocorrido - e do qual o Autor teve ou deveria necessariamente ter tido conhecimento aquando da sua publicação - dezoito (18) meses antes: a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto - Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais - para, com base nele, ver satisfeita - formulando, na acção (novo) pedido nesse sentido - a sua pretensão de lhe ser atribuída a posse do imóvel objecto dos presentes autos.
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Pela Douta decisão sob recurso, o Articulado apresentado pelo ora Recorrente não foi admitido, com fundamento na sua apresentação fora de tempo, decisão que se afigura correcta, por estar em conformidade com os preceitos legais aplicáveis.
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No caso dos autos, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, não tem aplicação o disposto no art. 86.º do CPTA - que permite a apresentação do articulado «até ao encerramento da discussão» -, mas o disposto no referido art. 588.º do CPC.
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Conforme é referido na Douta decisão recorrida, «estamos perante uma ação administrativa comum à qual é aplicável o CPTA na redação anterior ao DL 214-G/2015, de 2 de outubro, e, nessa medida, por força do art. 42º, nº 1, do CPTA à sua tramitação não se aplica o disposto nos arts. 78.º e ss. do CPTA [reativa à acção administrativa especial], incluindo, pois, o art. 86.º, mas sim o regime previsto no CPC».
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Assim, nos termos do disposto no n.ºs 1 e 3, al. b), art. 588.º do CPC, «os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão», desde que o mesmo seja apresentado «[n]os 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia».
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E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.» 9. A notificação, às partes, da data da realização da audiência final ocorreu em 14/10/2019, tendo o Recorrente apresentado o seu articulado superveniente em 10/02/2020, por conseguinte, depois do prazo de 10 dias previsto na citada alínea b) do n.º 3 do art. 588.º do CPC, e, conforme se diz na Douta decisão recorrida, «notando-se que o A. nada alegou quanto a ter tido conhecimento do facto superveniente após os "10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final. Nessa medida, é manifesto que o articulado superveniente foi apresentado fora de tempo.» 10. Sempre se dirá que, tendo a Lei n.º 50/2018, 16 de agosto, sido publicada neste mesmo dia, não será razoável nem aceitável conceber-se - pois, salvo melhor opinião e o devido respeito, constituiria um insólito e inadmissível absurdo - que a mesma possa ser invocada, dezoito (18) meses após a sua publicação, como um facto superveniente, não quadrando a "alegada" (pelo Recorrente) superveniência ao que como tal é entendido e admitido nos termos das disposições legais acima citadas e transcritas.
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Acresce que o alegado "facto superveniente" invocado pelo...
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