Acórdão nº 00407/13.3BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO P., residente em Avenue (…), Bélgica, titular do NIF (…)’, instaurou ação administrativa especial contra o Município de (...), com sede na Praça (…), na sequência do despacho de 24/05/2013 do vereador do ambiente e urbanismo da Câmara Municipal de (...), que determinou a remoção de “marcos de delimitação” dos limites da sua propriedade, formulando os seguintes pedidos: Nestes termos, e nos melhores de direito que suprirá, requer se digne: A) Anular o acto administrativo praticado a 24 de maio de 2013 pela Câmara Municipal de (...), de ordem de retirada de marcos de delimitação da propriedade da Autora; B) Reconhecer à Autora o direito a livremente delimitar a sua propriedade, mesmo tratando-se, o que não se concede, de uma zona non aedificandi segundo a CM (...); C) Reconhecer o direito da Autora, de numa parte do seu terreno com 30 metros que confronta com um leito de terra batida e que se limita a dar acesso a uma propriedade privada, de construir um muro de vedação no limite da propriedade, uma vez que não se trata de uma zona non aedificandi e segundo a Câmara Municipal de (...) não existir interesse público; D) Reconhecer o direito da Autora de na parcela de terreno com 70 metros, que confronta com um caminho municipal, de construir um muro de vedação em pedra no limite da sua propriedade, uma vez que a Ré tem permitido a edificação de muros em betão por todo o concelho, estribada no artº 60º nº 2 da Lei 2110 de 19/08/1961 (Princípio da igualdade de tratamento) e tal edificação não causar qualquer embaraço ao trânsito automóvel naquela artéria municipal; E) Condenar a Ré a Indemnizar a Autora pelos gastos que a mesma suportou com a edificação do muro de vedação, bem como com os prejuízos e outros encargos que desembolsou com todo o processo administrativo que melhor se quantificarão em liquidação de sentença; F) Condenar a Ré em custas judiciais e procuradoria condigna.

Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi decidido assim: a) Julgo improcedente o pedido de anulação do despacho de 24/05/2013, que ordenou a retirada, por parte da Autora, dos marcos por si colocados; b) Julgo procedente o pedido formulado pela Autora sob a alínea C), reconhecendo-lhe o direito a construir um muro de vedação no limite da sua propriedade, na parte em que esta confronta com um caminho a Leste; c) Julgo improcedentes todos os restantes pedidos formulados pela Autora, absolvendo nomeadamente o Município da indemnização peticionada em E) do petitório.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto, pela Autora P., da sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo, que: (a) julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de 24.05.2013, que ordenou a retirada, por parte da autora, dos marcos por si colocados; (b) julgou procedente o pedido formulado pela autora sob a alínea C), reconhecendo-lhe o direito a construir um muro de vedação no limite da sua propriedade, na parte em que esta confronta com um caminho a leste; (c) julgou improcedentes todos os restantes pedidos formulados pela autora, absolvendo nomeadamente o Município da indemnização peticionada em E) do petitório.

  1. A decisão do Mmo. Juiz a quo, aqui posta em causa, não foi acertada, nem bem fundada, quer no tocante à apreensão, valoração e decisão da matéria de facto que deve ter-se como provada e como não provada, e cuja reapreciação, nomeadamente da prova gravada, se pretende obter por via do presente recurso, quer, também, no que respeita a várias questões de direito suscitadas nos autos.

  2. Entende a aqui Recorrente que, a ser feita uma análise/exame crítico do conjunto da prova produzida e apreciada esta de acordo com as regras da experiência e decididas, devidamente, as questões de direito em apreciação nos autos, se impunha/se impõe, com o devido respeito, que a presente acção seja julgada procedente, por provada, devendo o réu Município ser condenado em todos os pedidos contra ele formulados, excepto o pedido E) [alínea c) das "Questões a Decidir" da sentença a quo].

  3. O Mmo. Juiz a quo cometeu um erro de apreensão, apreciação e decisão do conjunto da prova produzida, tendo dado como provada a matéria referida nos números 6° e 10° dos "Factos provados", matéria que, em função da confissão do Réu reconhecendo a implantação dos marcos de delimitação da Autora Recorrente dentro da sua propriedade, da prova documental (processo instrutor e documentos juntos com a PI) e testemunhal produzida, deveria ter sido dado como não provada.

  4. Ao contrário do que refere a sentença na sua motivação quanto aos factos provados 6° e 10°, o depoimento das testemunhas A., A., L. e J. não permite que se conclua: a. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo", tem pelo menos a largura de três metros, no seu ponto mais estreito (facto provado 6°); b. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo" é utilizado pelos donos das propriedades que o ladeiam e pelo público em geral, desde tempos imemoriais (facto provado 10°); 6. Aquilo que se retira dos depoimentos em causa e dos quais se socorre a sentença a quo para dar como provados os factos 6° e 10° é que o dito "Caminho do Seixo" surgiu aquando da construção do actual caminho municipal (este caminho é o que liga a Estrada Nacional 221 e a Estrada Nacional 108 - cfr. facto provado 4 - estabelecendo a confrontação Norte (70m) da "parcela pequena" - cf. Facto provado 2 - da Autora/Recorrente), pelo que é um caminho relativamente recente (não existe desde tempos imemoriais), que já existiu outro caminho de acesso às casas e propriedades ali existentes, que o "Caminho do Seixo" é uma consequência da construção/surgimento do actual caminho municipal e que as suas dimensões e largura não são as indicadas no facto provado 10°.

  5. Vejamos, agora, a questão do erro de julgamento 8. Como bem resume a sentença, a Autora/Recorrente pretende, em primeiro lugar, a anulação do despacho de 24 de Maio de 2013, que ordenou a retirada dos marcos de delimitação da sua propriedade. Além disso, a Autora/ Recorrente pretende, também, que o tribunal lhe reconheça o direito de delimitar livremente a sua propriedade, mesmo tratando-se de uma zona non aedificandi, bem como o direito de, na parte do seu terreno que confronta com um leito de terra batida e se limita a dar acesso a uma propriedade privada, construir um muro de vedação, por não se tratar de uma zona non aedificandi. A autora pede ainda, com relevância para o presente recurso, que o tribunal lhe reconheça o direito a construir um muro em pedra no limite da sua propriedade.

  6. Os fundamentos jurídicos invocados pela Autora/ Recorrente para as suas pretensões não deveriam limitar a averiguação e concreta subsunção jurídica a efectuar por parte do tribunal a quo.

  7. A interpretação jurídica dada pelo Réu às regras relativas à servidão non aedificandi e à vedação de propriedades confinantes com vias municipais, constantes da Lei n.° 2110, de 19/08/1961, que foi sufragada na sentença a quo, levaria à criação das condições para a apropriação, pelo decurso do tempo, de tais faixas de terreno, sem qualquer indemnização, algo evidentemente inconstitucional.

  8. Uma solução jurídica que não permita a vedação, qualquer tipo de vedação, mais ou menos sólido (não se diz permanente, pois este conceito tem que ver com a finalidade da construção e não com a sua solidez), de um terreno confinante com a via pública junto a tal limite é uma solução que conduzirá, com o tempo, à perda dessa faixa de terreno a favor do domínio público e sem qualquer indemnização para o proprietário.

  9. Esta solução jurídica é inconstitucional por violação do disposto no art. 62°, n° 2 da CRP, que impõe indemnização a todo o acto ablativo de propriedade, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos.

  10. O Tribunal a quo identifica, correctamente, quais os concretos artigos daquela Lei aplicáveis ao caso: os arts. 43° e segs. e sobretudo artigos 58° e 60° daquela Lei n.° 2110, de 19.08.1961.

  11. O que o Tribunal a quo faz, todavia, uma incorrecta interpretação dos artigos em causa, dos princípios a eles subjacentes.

  12. Não está em causa na presente acção, nem nunca esteve, quais sejam os limites da propriedade da Autora/Recorrente, até porque, em momento algum, o Réu/Recorrido impugna ou põe em causa esses limites, tal como definidos pelos marcos de delimitação ali implantados, quer seja no limite a Norte, com cerca de 70 metros, quer seja no seu limite Leste, com cerca de 30 metros, confrontante com o caminho conhecido por "Caminho do Seixo" (e a propósito do qual a douta sentença a quo faz a observação que aqui se transcreveu).

  13. Confissão constante da contestação do Réu/Recorrido, sob os artigos 12° e 27° e ponto 3 do Ofício com a Ref. 3534/2013, de 23.05.2013, contendo parecer jurídico relativo à exposição da Autora datada de 25.03.2013, e que aqui expressamente se aceita para não mais ser retirado.

  14. Começamos pelo julgamento feito na sentença a quo quanto aos pedido D) e B) da Autora/ Recorrente, julgados improcedentes, porque a argumentação ali seguida quanto ao sentido do disposto no artigo 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19.48.1961, sendo errada, está na base daquilo que foi, também, a errada abordagem jurídica feita quanto aos demais pedidos também eles julgados improcedentes.

  15. uma correcta interpretação do disposto no artigo 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19.08.1961, conjugado com o princípio da proporcionalidade, levará necessariamente a uma decisão diferente quanto a alguns dos pedidos julgados improcedentes.

  16. QUANTO AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À DELIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE E À CONSTRUÇÃO DE MUROS DE VEDAÇÃO NO LIMITE DA PROPRIEDADE [questão a decidir b)].

  17. Pedido D): O pedido para reconhecer o direito da Autora de na parcela de terreno com 70 metros, que confronta com um caminho municipal, de construir um...

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