Acórdão nº 00196/07.0BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M., residente na Rua (…), instaurou ação executiva contra o Município de (...), com sede na Praça (…), tendo indicado, como Contrainteressada, M., residente na Rua (…), formulando os seguintes pedidos: i. que o Executado seja condenado a “ordenar a demolição à contrainteressada, a ser executada no prazo de 60 dias, da obra que foi ilegalmente edificada no prédio contíguo (propriedade da contrainteressada), quer seja obra edificada sem licenciamento, quer seja obra construída ao abrigo do ato de licenciamento anulado e que impeça o cumprimento e respeito do disposto no art.º 58.º do RGEU relativamente ao prédio da exequente, nos termos melhor referidos supra no corpo da petição”; ii. que o Executado seja condenado, “em caso de incumprimento dessa ordem pela contrainteressada, nos termos dos poderes conferidos pelos artsºs 106.º e ss. do RJUE, a tomar (…) imediatamente posse administrativa do prédio da contrainteressada e a repor a situação existente (anterior ao despacho autárquico anulado), por forma a que com a obra no referido prédio da contrainteressada fique assegurado o arejamento, iluminação natural e a exposição prolongada à ação direta dos raios solares do prédio da exequente, pelo menos, nas condições existentes anteriores à data da ilegal construção”; iii. que o Executado seja condenado “a pagar à Exequente a quantia já liquidada de € 8.593,59 a título de indemnização por honorários de advogado, acrescida de quantia ainda a liquidar pela tramitação da presente ação executiva, bem como juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais”.

Em sede de réplica a Exequente pediu a condenação do Executado no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 169.º do CPTA, adiantando que o montante diário não deve ser inferior a 8% do atual salário mínimo nacional por cada dia de atraso na execução, com todas as legais consequências.

Posteriormente pediu a condenação da Contrainteressada como litigante de má fé.

Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada a execução parcialmente procedente e: a. Condenado o Executado a praticar os atos e operações necessários à continuação e conclusão do procedimento de legalização da obra em causa nos autos, através do qual o Executado deverá ponderar, com base nos elementos que para tanto vierem a ser fornecidos pela contrainteressada no âmbito do referido procedimento, as possibilidades da sua conformação com os cânones da legalidade urbanística, sem reincidir na ilegalidade que foi causa de invalidade do ato de licenciamento anulado, após o qual determinará se a obra será de demolir na totalidade, caso conclua pela inviabilidade da sua legalização por não poder satisfazer os requisitos legais e regulamentares aplicáveis; b. Identificado o órgão responsável pela adoção dos atos e operações referidos em a.: Câmara Municipal de (...); c. Fixado o prazo máximo em que deverá ser dado início à prática dos atos e operações referidos em a.: 60 (sessenta) dias (contados a partir do trânsito em julgado da presente decisão).

- julgado improcedente o pedido de condenação da Contrainteressada como litigante de má-fé.

Desta vem interposto recurso pela Exequente.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: 1) Apesar da decisão definitiva proferida em sede declarativa ter mais de dois anos, o Município não executou voluntariamente a decisão judicial, obrigando a exequente a propor novo processo (agora executivo), arcando, uma vez mais, com as despesas, porém, a sentença apenas considerou parcialmente procedente a execução.

2) Em primeiro lugar, afigura-se que a sentença recorrida terá assentado numa contradição ou equívoco fundamental, parecendo pressupor que a exequente requereu a demolição de todo o edifício construído ao abrigo do acto anulado, quando, na verdade, apenas requereu uma demolição parcial, por forma a ser respeitado o art. 58.º do RGEU e o caso julgado.

3) Pelo que, salvo o merecido respeito, das duas umas: ou a sentença padece de nulidade, por contradição e ou ambiguidade que a tornam ininteligível (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC) ou padece de erro de julgamento, por incorrecta interpretação do pedido da exequente e incorrecta subsunção dos factos ao direito.

4) Em segundo lugar, há muito que, na dogmática do direito administrativo, se consolidou o entendimento de que o poder de escolha entre demolição e legalização de obras é discricionário apenas quanto ao tempo (da decisão), sendo que tal funciona com base num pressuposto estritamente vinculado, que é o de se ter concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por exemplo por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade - se assim for, a demolição surge como decisão vinculada (v.g., a jurisprudência de doutrina citadas supra).

5) Salvo o merecido respeito, basta ler a factualidade do caso concreto, dada como assente no processo declarativo apenso (cfr. proc. n.º 196/07.0BECBR), para concluir que o cumprimento do art. 58.º do RGEU apenas é possível, no caso concreto, e no mínimo, com a demolição da empena e respectiva cobertura ilegalmente construídas pela Contrainteressada, a partir de onde era o anterior limite da passagem entre os prédios (anterior empena) - a demolição pelo menos dessa parte apresenta-se, pois, como vinculada.

6) Isso mesmo acertaram, vinculativamente e com força de caso julgado, este TCA-N e o próprio STA, relativamente àquela parede com dimensões superiores, em que cumprir o artigo 58.º do RGEU, no caso, significa manter o status quo ante, uma vez que a situação existente já não atingia os patamares mínimos vigentes desde a aprovação do RGEU.

7) Por conseguinte, na específica situação sub judice, ao contrário do que decidiu, em erro de julgamento, a sentença, a Autarquia encontrava-se (e encontra-se) vinculada a retornar ao status quo ante, ou seja, a ordenar a demolição (pelo menos parcial do edificado), porque o fundamento de anulação do acto licenciador foi o artigo 58.º do RGEU e já não se atingia os patamares mínimos vigentes desde a aprovação do RGEU, e assim por forma respeitar o caso julgado — estando também o Tribunal vinculado ao caso julgado formado no processo declarativo.

8) Pelo que, em vez de ter conferido parcial provimento a esse segmento da execução, a sentença deveria ter conferido total provimento, tendo, no mínimo, ordenado ao Município que emitisse acto de demolição, em prazo razoável, dessa empena, cobertura e tudo o mais que não permita respeitar o disposto no art. 58.º do RGEU, sem prejuízo de eventual legalização quanto ao restante também em prazo razoável - não o fazendo, violou não apenas o referido caso julgado (art. 619.º e 621.º do CPC), como o disposto nos arts. 158.º e 168.º e ss. do CPTA e art. 205.º da CRP.

9) Sem prescindir no que vimos de referir, a verdade é que sempre chegaríamos à mesma conclusão pela chamada redução a zero da discricionariedade - id esta, a única medida possível no caso é a da demolição da obra ilegal (pelo menos, a empena construída para lá do local da empena existente e respectiva cobertura), sob pena de se estar a eximir do exercício das suas competências em matéria de fiscalização da legalidade urbanística.

10) Na verdade, considerando que, in casu, a exposição aos raios solares, arejamento e ventilação já eram deficitárias para o imóvel da exequente aquando da existência da antiga empena, a execução do julgado anulatório passa necessariamente pela demolição, no mínimo, da empena e respectiva cobertura edificadas ilegalmente a partir do anterior limite da passagem entre os prédios - como já o disseram vinculativamente as instâncias judiciais superiores (cfr. doutrina comparada e jurisprudência citadas supra).

11) E nem se fale no artigo 106.º do RJUE, no sentido em que o faz a sentença, como se o mesmo tivesse ínsito uma ampla margem de discricionariedade da Administração, quer quanto ao momento quer quanto ao conteúdo, sempre e em qualquer caso, que já vimos não ter, e nem se valorize o arremedo e demorado procedimento de legalização que parece estar a decorrer.

12) Posto que isso significa, nestes casos, esvaziar de conteúdo operativo as normas imperativas do RGEU e beneficiar o infractor, perpassando um sentimento de constante impunidade nesta matéria de urbanismo, requerendo-se, pois, que a sentença recorrida não seja mantida, por ter incorrido em erro de julgamento, nomeadamente por errada interpretação dos artigos 106º e 107º do DL n.º 555/99, de 16/12, e do art. 58.º do RGEU.

13) Por último quanto a esta matéria, a sentença padece de erro de julgamento, na interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 58.º do RGEU e afronta ainda os princípios da justiça, da legalidade e da igualdade - cfr. art. 2.º, 3.º, 13.º e 18.º da CRP -, que exigiam que a sentença desde logo tivesse definido as operações, nomeadamente quanto à demolição pelo menos daquela empena e cobertura, e tivesse ordenado a prolação do acto de demolição pelo Município em prazo razoável, tendo em conta todo o tempo já decorrido.

14) Quanto ao pagamento dos honorários suportados pela parte, o Tribunal também julgou improcedente esse pedido, porque "não tem enquadramento neste meio processual e no regime previsto nos arts. 173.º e segs. do CPTA, tanto mais que, como referimos, tal pedido não cabe dentro dos limites do caso julgado anulatório".

15) Salvo o devido respeito, o erro de julgamento é evidente, porquanto, efectivamente, a jurisprudência mais recente, nomeadamente do STA e que é secundada pelo TCA Norte, considera que, no contencioso administrativo, tais danos são indemnizáveis e "que nada na lei impede que o possa fazer em sede de execução de sentença anulatória".

16) "Em conclusão: o processo de execução previsto no art.º 173.º e segs. do CPTA tem...

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