Acórdão nº 01120/12.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1.

A Exma.

Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 26.10.2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M.

e V.

e, em consequência, anulou a liquidação impugnada de IRS do ano de 2007 e os correspondentes juros compensatórios.

1.2.

A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: A) Com a impugnação apresentada visam os impugnantes a anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2007, bem como a dos respectivos juros compensatórios, melhor identificadas nos autos.

B) Entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto, quer em matéria de direito, uma vez que, salvo melhor opinião, não efectuou correctamente, designadamente, a interpretação do disposto nos art.°s 3º, nº 2 al. b) e 19º do Código do IRS.

C) Na base dos actos tributários impugnados encontra-se a alteração dos rendimentos da impugnante, decorrente da imputação de ganhos de mais-valias gerados na esfera jurídico-tributária da herança indivisa constituída por um estabelecimento comercial de farmácia, sito em Évora, com a denominação social “D.”.

D) A argumentação da impugnante assenta na confusão entre duas realidades distintas: a transmissão da propriedade de bens da herança para os herdeiros e a transferência de bens do activo da empresa (herança indivisa) para a esfera particular dos comproprietários, sendo esta última que se está a tributar.

E) Pela impugnante é alegado que com a partilha e consequente cessação da actividade da herança indivisa não se verifica transferência alguma de bens para os herdeiros, pois a partilha retrotrai os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão, não sendo susceptível de originar liquidação alguma.

F) Porém, a actuação da Administração Tributária não teve subjacente o entendimento de que da partilha resultou a transferência do estabelecimento para a esfera jurídica dos herdeiros, pois o que se está a tributar, nos termos do disposto na alínea c), do n.º2, do art.º 3.º do Código do IRS, são os ganhos gerados no âmbito da actividade empresarial, mais precisamente os decorrentes da transferência para o património particular dos empresários (em resultado da cessação da actividade) dos bens que se encontravam afectos ao activo da empresa, como sejam as existências, o imobilizado e o alvará.

G) Com efeito, o que se verifica é que pela cessação de actividade do estabelecimento (herança indivisa) resultou a transferência do mesmo da esfera empresarial para a esfera particular dos seus contitulares e que as mais-valias foram apuradas no âmbito da actividade empresarial (cfr. ponto III-1.1.1.do Relatório) e imputadas aos contitulares da herança indivisa, verificando-se uma transferência dos bens afectos à actividade empresarial para o património particular dos herdeiros.

H) Estando a transferência de bens da esfera empresarial para a esfera privada dos contitulares sujeita ao apuramento de mais-valias, no âmbito da actividade geradora de rendimentos empresariais (enquadráveis na categoria B), em conformidade com o determinado na alínea c), do n.°2, do art.° 3.° do Código do IRS.

I) Atendendo a que a herança indivisa é considerada, para efeitos de tributação, como uma situação de contitularidade, cada herdeiro é tributado relativamente à sua quota-parte dos rendimentos por ela gerados, nos termos do disposto no art.° 19.° do Código do IRS.

J) Isto é, resultando a tributação da impugnante da imputação dos ganhos gerados na esfera jurídico-tributária da herança indivisa constituída por um estabelecimento comercial de farmácia, não se pode afirmar que está a tributar a transmissão da propriedade dos bens da herança, pois esta, tal como refere a impugnante, ocorreu em sede de imposto do selo, à data do óbito K) Ou seja, e como resulta dos autos: Ø A impugnante é uma contribuinte singular herdeira de L., falecida em 06-01-2007, com direito a uma quota-parte de 1/3 da herança, conjuntamente e em igual proporção com os seus irmãos.

Ø A autora da herança exercia a actividade de “COMÉRCIO A RETALHO DE PRODUTOS FARMACEUTICOS”, explorando no âmbito dessa actividade o estabelecimento comercial de farmácia denominado “D.”.

Ø Após o óbito da referida contribuinte, os herdeiros pretenderam continuar a exercer aquela actividade no âmbito da herança indivisa, como tal, foi atribuído o NIF (…), e a designação “L. HERDEIROS” à referida actividade empresarial.

Ø Em 05-11-2007, foi cessada a actividade da herança indivisa, nos termos da al. d) do n.° 1 do art. 114.° do Código do IRS, por ter sido efectuada a partilha dos bens pelos herdeiros.

Ø A referida herança indivisa encontra-se enquadrada no regime de contabilidade organizada, pelo que a determinação dos seus rendimentos empresariais é feita com base na contabilidade seguindo as regras estabelecidas no Código do IRC, com as adaptações resultantes do Código do IRS, conforme dispõe a al. b) do n.º 1 do art. 28.º, conjugado com o art. 32.º, ambos do Código do IRS.

Ø Atendendo a que nos encontramos perante rendimentos da categoria B, cumpre ao administrador, e co-titular da herança indivisa apresentar, cumprir todas as obrigações declarativas e de pagamento inerentes à herança indivisa, como foram.

Ø E no momento da sucessão o “de cuius” era titular de um estabelecimento, com o alvará n.º 418 e com despacho de instalação de 10-12-1946, e que incluía as existências e o imobilizado existentes àquela data.

Ø Tendo, ao referido estabelecimento comercial sido atribuído o valor de € 3.515.000,00, dividido em três partes iguais de € 1.171.666,67, uma para cada um dos herdeiros, valores estes que não foram postos em causa pelos SIT.

Ø Conforme consta da escritura, a partilha efectuou-se através da adjudicação do referido estabelecimento na proporção de um terço indiviso para cada um dos herdeiros.

L) Ora, constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Por isso, no caso, o conjunto de bens que pertenciam ao estabelecimento do autor da herança continuou a integrar esse estabelecimento que, por sua vez, também integrava o acervo patrimonial que constituía a herança indivisa.

Concretizando, M) A aqui impugnante não é o sujeito passivo principal da referida tributação de mais-valias, isto porque, tal como é referido no ponto III do mencionado RIT, as mais-valias são apuradas no âmbito da actividade empresarial.

N) A actividade empresarial era exercida pela herança indivisa com a designação “L. HERDEIROS”, da qual a contribuinte era co-titular conjuntamente e em igual proporção com os seus irmãos.

O) A impugnante M. assume a posição de sujeito passivo de IRS, por via da imputação de rendimentos na proporção que lhe corresponde na herança indivisa, conforme o disposto no artigo 19.º do CIRS.

P) Assim, estão a ser tributadas as mais-valias resultantes da transferência para o património particular dos empresários (neste caso, apesar de estarmos perante um sujeito passivo de IRS (a herança indivisa), é uma situação de contitularidade, logo deve-se ler: transferência para o património particular dos contitulares da empresa) dos bens afectos ao activo da empresa (aqui a empresa é o estabelecimento de farmácia).

Q) No caso em apreço, a tributação não é originada pela escritura de partilha dos bens da herança indivisa, mas sim pela cessação da sua actividade, que ocorreu por ter sido partilhada a herança indivisa, motivo previsto na al. d) do n.º 1 do art. 114.º do Código do IRS, conforme o declarado aquando da entrega via internet da declaração de cessação de actividade, verificando-se uma transferência para o património particular dos herdeiros dos bens afectos ao activo da actividade empresarial.

R) Deste modo, a referida transferência de bens da esfera empresarial para a esfera privada dos co-titulares está sujeita ao apuramento de mais-valias no âmbito da actividade geradora de rendimentos empresariais (cat. B), conforme determina a al. c) do n.º 2 do art. 3.º do Código do IRS.

S) Porém, conforme apuraram os SIT através da análise da contabilidade da herança indivisa, nos movimentos contabilísticos de liquidação da empresa não foram apuradas quaisquer mais-valias pela transferência dos bens para o património particular dos contitulares, ao contrário do determinado pela referida al. c) do n.º 2 do art. 3.º do Código do IRS.

T) Ora, dispõe o n.º 2 do art. 43.º do Código do IRC (na redacção em vigor à data) que “As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (...)”.

Em suma, U) O referido montante das mais-valias apuradas no âmbito da actividade empresarial deverá ser acrescido ao lucro tributável da herança indivisa (apurado no Anexo C da declaração de IRS entregue pelo administrador) e, consequentemente acrescido ao lucro total imputado aos contitulares (apurado no Anexo I da declaração IRS entregue pelo administrador), como foi exaustivamente explanada no RIT.

V) Aliás, caso assim não fosse, a ocorrida transmissão do estabelecimento não seria tributada, como sempre deveria, em sede de mais-valias.

W) Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto nos art. 3º, nº 2 al. c) e 190 do CIRS, devendo considerar-se válido o acto...

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