Acórdão nº 00022/15.7BUPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório C., Lda., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 11/08/2014, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC, relativas aos exercícios de 1997 e 1998, nos montantes de- €16.541,50 e €10.533,09, respectivamente.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. O dever de fundamentação cumpre-se numa declaração de autoria da entidade decidente em que exprimam, de forma contextual ou contemporânea da decisão, ainda que pela apropriação de elementos de ponderação relevantes anteriores, -mas que, em tal hipótese, tem de ser expressa e inequívoca a referência aos elementos apropriados -, as razões de facto e de direito que consubstanciam os motivos e os pressupostos daquela.

  1. Veja-se a fls. 9 do relatório: "Omissões de proveitos resultantes de contabilização de vendas através de preços de venda inferiores aos preços reais e efectivamente praticados no mercado".

  2. Desconhece-se a fonte de conhecimento do senhor agente quanto aos preços efectivamente praticados no mercado!!! 4. Diga-se, ainda que a fundamentação mesmo quanto aos factos apontados pela fiscalização é manifestamente insuficiente na medida em que se estriba apenas em considerações de ordem genérica, sem apontar elementos concretos, objectivos, com recolha de factos da vida real que possam ser sindicáveis pelo Tribunal.

  3. Depois a fundamentação é contraditória, consagrando-se no n.º 2 do art. 77.° da LGT, estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados serão, para este efeito, apenas os actos de liquidação dos tributos.

  4. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (Cfr. LGT, anotada e comentada, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores).

  5. No relatório a fls. 9 deixou-se consagrado: "Assim, e no que respeita aos exercícios de 1997 e 1998, verificados os pressupostos previstos na al. b) do artigo 87° e alínea a) do artigo 88° da Lei Geral Tributária, conjugados com a alínea d) do art.° 51° do CIRC..."; sendo que, na acta n.º 002-B/LGT, a fls. 78 e segs. do PA, se refere: "Em face dos elementos analisados, designadamente os constantes do relatório da inspecção concordam os peritos ser justificado o recurso à avaliação indirecta do lucro tributável nos termos previstos na alínea b) do art.° 87° e alínea d) do art.° 88° da Lei Geral Tributária".

  6. Ao passo que no relatório se refere a norma do art.° 88°, al. a) da LGT, já posteriormente se invoca o art.° 88°, al. d) Situação que não foi resolvida pelo despacho de fixação do Sr. Director de Finanças, que remetendo para aquela acta, faz apelo a todos os elementos referenciados.

  7. Entende-se que o elenco dos critérios estabelecidos no art.° 90.º da LGT, aplicáveis à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, é taxativo.

  8. E quanto à taxatividade daqueles critérios, veja-se a anotação àquele artigo na Lei Geral Tributária, comentada e anotada por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: "A lista de factores a atender tem carácter taxativo, como se depreende do não uso de qualquer expressão que indique que se está perante uma enumeração exemplificativa".

  9. Esta é, aliás, uma solução que se impõe mesmo em termos de constitucionalidade, pois, nos casos em que não pode ser determinada directamente a matéria tributável, a relevante para efeitos de liquidação acaba por ser a ficcionada que resulta da aplicação dos métodos de avaliação indirecta, pelo que as normas que indicam os elementos que podem ser valorados para este efeito reconduzem-se a verdadeiras normas de incidência objectiva do tributo São normas de incidência as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.a edição, página 126). Defendendo que as normas relativas à determinação da matéria colectável que determinam o quantum do imposto são, substancialmente, normas de incidência real ou objectiva e, como tal, estão incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pode ver-se NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, 1999, páginas 61-62.

    Nos casos de avaliação indirecta, prescinde-se da tributação da matéria tributável real, para a liquidação do imposto ter por base a matéria tributável resultante daquela avaliação, uma matéria tributável distinta da real que acaba por ser definida pelas normas que determinam os critérios a utilizar naquela avaliação e que, assim, definem a incidência objectiva do tributo.

    , que, por isso, estão sujeitas ao princípio da reserva de lei em sentido próprio (arts. 103.°, n.º 2, da C.R.P. e 8.° n.º 1 da L.G.T.) não podendo ser preenchidas por via não legislativa as hipotéticas lacunas (art. 11.°, n.º 4, da L.G.T.) Como refere CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.° edição, página 216, embora esta norma apenas preveja explicitamente a proibição da analogia como meio de integração de lacunas, ela deve ser interpretada como proibindo essa integração por qualquer meio.

    .

  10. Por outro lado, este é também o entendimento imposto pelo princípio da legalidade, cuja definição, constante do art.° 3° do C.P.A., é aplicável subsidiariamente no procedimento tributário, em virtude da ausência de uma definição própria no art.° 55° da L.G.T., por força do preceituado no art.° 2°, alínea c) desta lei.

  11. As normas que indicam os elementos que podem ser valorados para os efeitos presuntivos reconduzem-se a verdadeiras normas de incidência objectiva do tributo, pelo que admitir-se, neste domínio a aplicação de um critério de presunção que não esteja previsto no art.° 90° da LGT, é fazer uma interpretação inconstitucional daquela norma por violação do princípio da reserva de lei em sentido próprio (arts. 103.°, n.º 2, da C.R.P.).

  12. O critério da permilagem é inadequado e inservível para o fim visado porque a permilagem é um negócio jurídico unilateral cujo principal objetivo é o de determinar a participação de cada condómino nos encargos legais do condomínio. Podendo ter alguma proporcionalidade com a área de cada fração autónoma, não a tem necessariamente.

  13. A sua utilização correta, admitindo, sem conceder, a adequabilidade de tal critério, implicar sempre, em primeiro lugar, a determinação do valor total do prédio, para só depois se calcular o valor médio da unidade de permilagem.

  14. A validade técnica do critério presuntivo exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta.

  15. Veja-se, por exemplo, a fracção C do bloco 1 com a área total de 324,00 e a fracção C do bloco 2 com a área total de 310,50, sendo o valor fixado daquela de 14.000.000$00 e desta 12.081.957$00, sendo ainda que a área de habitação é maior na segunda no que naquela primeira, o que é totalmente incongruente e violador das regras da experiência comum, o que bem demonstra a falta de idoneidade do critério presuntivo.

  16. Resulta mesmo por explicar a razão ou as razões pelas quais a AT fez corresponder o preço de custo ao valor do proveito, não bastando afirmar-se o que do relatório consta, que é manifestamente insuficiente.

    Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, anulando-se o acto tributário impugnado, com todas as legais consequências.”****Não foram apresentadas contra-alegações.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

    ****Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.

    ****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar estarem reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indirectos, por não se mostrar violado o dever de fundamentação (incluindo o dever que impende quanto ao critério de quantificação, com reflexo no excesso desta).

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “i) DE FACTO Atenta a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão: A) A impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária que incidiu sobre IRC e IVA dos anos de 1997 e 1998, no âmbito da qual, em 07/08/2001, foi elaborado o relatório de fls. 3 a 14 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte: «(...) III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável Não aplicável à situação IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos. 4.1-Análise documental a) Escritura de compra e venda do terreno - Conforme consta da escritura de compra e venda (...), a firma em análise, adquiriu, a título oneroso, dois lotes com os nºs (4 e 5) de terreno destinado à construção de 2 blocos habitacionais.

      (…) O 1º bloco, construído no lote nº 5, foi iniciado em Maio de 1994 e concluído e Março de 1997 (...).

      O2º bloco, construído...

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