Acórdão nº 00037/03.8BTPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório M., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 2019-07-30, que julgou improcedente a impugnação judicial em que é Impugnante, assim mantendo o despacho que indeferiu a reclamação graciosa n.º 3387/400087.0 e a consequente liquidação adicional de Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS), referente ao exercício de 1997 no montante de EUR 43.007,32, vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: 1ª - O tribunal a quo não conheceu da questão relacionada com a desconsideração da AT no cálculo da mais valia em relação ao custo de aquisição de dois reclamos luminosos adquiridos pelo recorrente pelo preço de 3.990,38 euros (800.000$00).

  1. - Tendo tal questão sido suscitada pelo recorrente na sua impugnação, e tendo sido objeto de discussão pelas partes e sujeita ao contraditório em sede de audiência de julgamento, não podia o tribunal recorrido deixar de proceder à sua apreciação em obediência ao prescrito pelos artigos 125.º, 1 do CPPT e do artigo 615.º, 1 al. d) do CPC. 3ª- Tal omissão de pronúncia geral a nulidade da sentença recorrida nessa parte.

  2. - Sem prescindir, face aos documentos juntos aos autos, conjugados com o depoimento da testemunha A., o tribunal a quo devia ter dado como provado que o impugnante adquiriu os 2 reclamos luminosos a que respeitam o documento de fls 87 dos autos pelo preço de € 3.990,38 (800.000$00) e que esse valor devidamente atualizado de acordo com os coeficientes de atualização da moeda não foi considerado pela AT no apuramento da mais valia, podendo o tribunal de recurso alterar este ponto concreto da matéria de facto nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, obviando à arguida nulidade.

  3. - Face à prova testemunhal produzida conjugada com os documentos constantes dos autos e com as regras da experiência comum, o tribunal não podia dar como não provado que “Em 1984, o impugnante adquiriu por trespasse o estabelecimento, pelo preço de 4.600.000$00” e que “O preço de 4.600.000$00 foi pago”.

  4. - Ao invés, o tribunal devia ter dado como provado que a transmissão do estabelecimento comercial dos autos, se operou por acordo entre o impugnante e o então proprietário e senhorio do espaço físico onde se encontrava instalado, tudo na sequência da “Promessa de trespasse” de 02/03/1984 e devia ter dado como provado que essa transmissão foi feita pelo preço de 4600 contos que o impugnante pagou.

  5. - Do confronto do documento de fls. 8 e 9 com o documento de fls. 10 a 12 dos autos, não podia o tribunal recorrido deixar de concluir que o impugnante adquiriu efetivamente o estabelecimento comercial em questão, pois de outro modo não poderia proceder à transmissão desse mesmo estabelecimento decorridos 13 anos após a celebração do contrato promessa celebrado em 02/03/1984.

  6. - Tal é até contrário às regras da lógica e da experiencia comum, sendo que quanto ao pagamento do valor inicial de 2.000 contos essa prova resulta até do próprio contrato promessa (fls. 8 e 9), que consubstancia nessa parte uma declaração de quitação por parte do credor ao devedor (impugnante), documento que o tribunal não valorou devidamente como se impunha.

  7. O tribunal não valorizou devidamente o depoimento da testemunha C., e o fundamento invocado pelo tribunal recorrido para o desvalorizar o seu depoimento não se apresenta correto face ao teor do mesmo.

  8. - Trata-se de uma testemunha crucial no que a este negócio respeita, concentrava em si à data da promessa de trespasse a propriedade do espaço onde o estabelecimento se encontrava instalado e, simultaneamente, a propriedade do próprio estabelecimento.

  9. - A motivação adiantada por esta testemunha para a não realização da escritura de trespasse é perfeitamente aceitável e credível e não é a circunstância de ter referido que já estavam na fase final de liquidação do preço do trespasse e por isso é que acordaram fazer um arrendamento em vez da escritura de trespasse que retira credibilidade a este depoimento.

  10. - Se é certo que à data da celebração desse contrato de arrendamento (19.04.1985 – documento de fls. 89 a 92 dos autos) como bem referiu a senhora juiz a quo, ainda faltariam 2.000 contos para pagamento do preço do trespasse (do valor de 4.600 contos, 2.000 contos foram pagos em 02.03.1984; 600 contos foram pagos em 31 de Março de 1985 e depois 14 prestações de 140 contos e uma de 40m contos com inicio as de 140 contos em 30.04.85) também é certo que a testemunha referiu « ..

    foi feito um contrato de arrendamento porque já estávamos na final de liquidação do senhor B. chegamos a um acordo de um contrato de arrendamento...

    ele entregou-me as letras e pronto fizemos o contrato de arrendamento».- Sic com destaque nosso a itálico e a negrito.

  11. - A testemunha justificou a celebração do arrendamento em substituição da escritura de trespasse, não só pelo facto de já ter recebido mais de metade do valor, (2600 contos dos 4600 acordados) mas também pelo facto de ter acordado com o impugnante a entrega das letras que titulavam as prestações ainda vincendas aludidas no contrato promessa, o que não tem nada de estranho, bem pelo contrário, tal versão encontra suporte no texto do próprio contrato promessa, pois tendo sido acordado que a escritura de trespasse seria celebrada no prazo de 90 dias (clausula 4ª do contrato promessa) e, nada tendo sido declarado em sentido contrário, seria nessa data da outorga da escritura que as letras/cheques que titulariam as prestações mensais teriam de ser entregues, como de resto é até usual acontecer.

  12. - Ora, não tendo aquela escritura sido celebrada, as letras também não tinham de ser entregues, e daí ter toda a lógica o depoimento da testemunha ao dizer que acordaram o arrendamento e que as letras foram entregues nessa data pelo recorrente.

  13. - Não podia, pois, este depoimento ser desconsiderado pelo tribunal a quo, tanto mais que as letras de câmbio enquanto títulos de crédito são livremente transmissíveis e possibilitam até ao portador, por via do endosso, salvo cláusula não à ordem, antecipar o pagamento dos montantes que titulam, e do depoimento da testemunha pode legitimamente deduzir-se que considerou a entrega das letras de câmbio como pagamento ou garantia suficiente do pagamento do valor em divida e daí o acordo da substituição da escritura de trespasse pela escritura de arrendamento.

  14. - A justificação avançada por esta testemunha para além de credível é completamente consentânea com as práticas ou usos comerciais em matéria de trespasses, quase sempre efetuados com pagamento de pelo menos metade do valor do preço na data da celebração do contrato promessa/escritura e o remanescente ficar titulado/garantido por letras de câmbio ou cheques.

  15. - O tribunal também não valorou devidamente o depoimento da testemunha E.

    , responsável pela escrita do impugnante durante 13 anos, desde 1984 até finais de 1996.

  16. - Esta testemunha prestou um depoimento sério e credível tendo referido «comecei a ser contabilista dele logo na altura (referenciando-se à data da celebração da promessa de trespasse)....

    nunca vi o contrato...

    mas ele dizia-me que eu ia lá sempre no inicio do mês para receber...

    ele começou a meter pessoal na segurança social e eu ia lá a receber as faturas a receber o dinheiro para a segurança social e ele dizia-me, meta-me o cheque só a partir do dia 10 porque eu tenho de pagar a letra ao antigo senhorio do trespasse, na altura andava à volta de cento e tal contos...» e à pergunta: estas despesas não eram tratadas contabilisticamente, não havia registo disto...? Respondeu: «Ele na altura tinha uma contabilidade muito simples, eram só as compras e as vendas, não era obrigatório proceder ao registo dessas despesas porque era um contribuinte da classe C».

    Quando inquirido: Estes 4600 contos do trespasse o senhor sabe se foram pagos...? Respondeu: «...

    ai isso foi que ele estava a pagá-los e disse-me na altura quando acabou de pagar, andou um ano e tal quase dois anos para isso...».

  17. - Esta testemunha declarou não saber a razão de não ter sido celebrada a escritura de trespasse mas referiu «eu presumo que foi pelo facto de ele (referindo-se ao promitente trespassante) ser o proprietário, para além de ser dono do estabelecimento ser o proprietário, o que torna as coisas mais simples...».

  18. - E não valorou também devidamente o depoimento da testemunha A.

    , que assumiu as funções de TOC do recorrente desde Janeiro de 1997 até à data das duas declarações de IRS que deram origem à liquidação impugnada, resulta reforçada a aquisição do estabelecimento em causa por parte do impugnante bem como o pagamento do respetivo preço de 4600 contos.

  19. - Esta testemunha para além de assumir expressamente os erros cometidos no preenchimento da 1ª declaração de IRS apresentada pelo recorrente no respeitante ao exercício de 1997, explicou ainda as razões que o levaram a elaborar a declaração de substituição, reconhecendo ter omitido na 1ª o custo de aquisição do estabelecimento e o mapa de reintegrações e amortizações de onde se afere a existência dos reclames luminosos e o custo de aquisição por 800 contos.

  20. - E no que respeita ao pagamento efetivo dos 4600 contos do trespasse referiu e à razão da não outorga da escritura definitiva, referiu «...

    é uma situação que eu não averiguei porque é que ela não foi feita, a única preocupação incidiu em ver se o contrato promessa de trespasse obedecia aos parâmetros normais de uma transação comercial desta natureza e obedecia, eu também soube porque confirmei com o contabilista anterior que tinha sido pago e entretanto mais tarde também vi que numa daquelas contas correntes que normalmente utilizamos ao lado do livro de cheques, o senhor Manuel Moura apontava lá pagamento de letras do trespasse».

    À pergunta da...

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