Acórdão nº 00756/15.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Sindicato dos Médicos da Zona Centro (Rua (…)), “litigando em defesa coletiva dos direitos e interesses dos seus associados legalmente protegidos de todos os médicos e médicas, seus associados, da área profissional hospitalar da carreira especial médica ao serviço das entidades demandadas”, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa comum intentada contra o Ministério da Saúde (Av.ª (…)a), Administração Central do Sistema de Saúde,I.P. (ACSS) (Av.ª (…)), Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE (CHUC) (R. (…)), Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gil, EPE (IPO) (Av.ª (…)), e Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I.P. (IPST) (Av.ª (…)).

O recorrente conclui: I - Inexiste qualquer excepção dilatória que impeça o Tribunal a quo de conhecer o mérito da causa, interpretando o n.º 1 do art. 13º do DL n.º 62/79, de 30 de Março, assentando em erro os pressupostos e as conclusões vertidas na decisão recorrida.

II - O autor tem legitimidade e interesse em agir, isto é, “tem necessidade de lançar mão da demanda” perante a interpretação e aplicação actualmente dada ao normativo em causa por todos e cada um dos Réus.

III - Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra os quais o autor pretende reagir através de uma acção de simples apreciação, reunir objectividade e gravidade. Na presente acção, tão patente é a situação de incerteza e ela reúne tal objectividade, actualidade e gravidade que a Ré ACSS “clama” mesmo pela interpretação pelo Tribunal a quo do normativo em causa, expressando que: “64º Impõe-se, nesta sede, afirmar, desde já, que a emissão de tal ofício circular se enquadra perfeitamente no âmbito de competências da Ré ACSS, bem como que é completamente legítima a emissão de um entendimento que clarifique a aplicação correcta da lei, orientando quem a tem de aplicar em termos de gestão de recursos humanos”.

IV - Resulta evidente da posição, alegações e provas juntas pelo A. e das contestações por estes oferecidas que todos os demandados, pelo menos desde Janeiro de 2015, adoptam exactamente a posição veiculada pela ACSS e pelo Ministério da Saúde: só o trabalho médico, normal ou extraordinário, realizado aos domingos e dias feriado dá direito a um descanso dentro dos 8 dias seguintes. Pelo contrário, entende o A que não é bem assim e avança com a sua posição em sede de petição inicial.

V - A situação de incerteza é objectiva e grave, quer para os associados do A., quer sobretudo, para a unidade do sistema jurídico, para a sua segurança e certeza, e para o próprio Serviço Nacional de Saúde: há na interpretação deste n.º 1 do art. 13º posições muito divergentes que deixam em cheque normas e princípios fundamentais do ordenamento jurídico laboral e que indirectamente colidem com o Direito ao Trabalho e igualmente com Direito Fundamental à Saúde (ou não estivesse na ordem do dia a escassez de médicos no SNS e o colapso do mesmo, com relatos diários de trabalhadores médicos a “fugirem” para o estrangeiro em face das impossíveis condições de trabalho, sendo nomeadamente chamados a frequente e consecutivamente realizar semanas de 6 dias de trabalho, com 2 e 3 turnos, de 12 h, em serviço de urgência e chegando, depois, a acumular mais de 50 dias de “folgas por gozar” porque se o fizerem não sobra mais ninguém para o trabalho assistencial normal, o que pode acarretar fecho de serviços inteiros).

VI – O conflito entre o A. e os demandados permanece sempre actual, sendo de crucial importância a obtenção de uma decisão judicial que esclareça, peremptória e definitivamente, se a interpretação e aplicação que tem vindo a ser adoptada pelos demandados (ou que a ela estão vinculados) é ou não lícita.

VII – Por outro lado, é por todos reconhecido jurisprudencial e doutrinalmente que o “interesse em agir” pode ser definido como o “interesse da parte activa em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela” . O seu objecto consiste “na providência requerida ao tribunal, através da qual se procura a satisfação de um direito ou interesse juridicamente protegido, interesse colocado em causa por uma situação de facto objectivamente existente gerada pelo comportamento da parte requerida. Ou, nas palavras de Antunes Varela, o interesse processual consiste “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”.

Assim e seguindo o Douto Ac. do STJ de 09-05-2018, “relativamente ao Autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substarctum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (motivo, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.

O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção.

Para se justificar o recurso à tutela jurisdicional tem que se verificar uma situação objectiva de carência, em que o titular de uma relação material controvertida se encontra. Ora, para o demandante, o interesse processual consiste na necessidade do recurso aos tribunais para, através da instauração da respectiva acção, obter a tutela judicial de uma situação objectiva.

(...) “É nas acções de simples apreciação que o problema do apuramento do interesse processual tem mais acuidade e mais relevância”, exigindo-se que “a incerteza ou a dúvida, relativamente às quais o Autor pretende reagir e que, a proceder, a acção se revista de utilidade pática, sejam objectivas, concretas e graves. Por isso, nas acções de simples apreciação o autor solicita ao tribunal que aprecie essa situação de incerteza jurídica e que ponha fim a tal insegurança, declarando se determinado direito, ou facto, existe ou não, de acordo com o que foi peticionado.

O interesse processual, nestas ações, depende, pois, da invocação de uma situação de incerteza, que deve ser grave e objetiva e mais não é do que uma interação entre uma relação de necessidade e uma relação de adequação.

De necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a atuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura.

Para Alberto dos Reis, “[n]a ação de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica […]”.

Jorge Augusto Paes de Amaral refere que “[n]as ações de simples apreciação, torna-se mais difícil concluir pela existência do interesse em agir.

Trata-se de ações em que ainda não se verificou qualquer violação do direito. O autor apenas propõe a ação para pôr termo a uma situação de incerteza ou de dúvida acerca da existência ou inexistência de um direito ou de um facto. Qual o grau de incerteza ou de dúvida que se deve exigir para que se possa dizer que o autor tem interesse processual? A dúvida tem que ser objetiva e não subjetiva.

Tem de ser fundamentada em factos concretos, não sendo suficiente que exista apenas na mente do autor. Por outro lado, não basta que a ação tenha por objeto a discussão de uma questão de cariz meramente académica. […] A gravidade da dúvida depende do prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza pode gerar.” Por sua vez, para Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos[18] “as ações de simples apreciação visam unicamente a obter a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de um facto. (…) As ações desta espécie destinam-se, pois, a acabar com a incerteza, obtendo uma decisão que declare se existe ou não certa vontade da lei, ou se determinado facto ocorreu; com isso se satisfaz; as respetivas decisões não são exequíveis.

A incerteza a que nos referimos deve ter carater objetivo; não interessa a simples dúvida existente no espírito do Autor, desde que não se projete no exercício normal dos seus direitos.” Será, deste modo, objetiva a incerteza que nasce de circunstâncias externas e de factos exteriores, podendo ser da mais variada natureza, nomeadamente, a afirmação ou negação de um facto.

Por outro lado, a gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa causar ao autor.

Só quando a situação de incerteza, contra a qual o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade, por um lado, e gravidade, do outro lado, é que se pode afirmar que há interesse processual.

” Ora, nos termos acima expostos, existe uma cara situação de incerteza e esta reúne objectividade e...

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