Acórdão nº 00335/14.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO C., com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por si intentada contra a FUNDAÇÃO PARA A CIENCIA E TECNOLOGIA, também com os sinais dos autos, que julgou “(…) improcedente o pedido de declaração de nulidade ou anulação da decisão de cancelamento de bolsa de 28.1.2014 (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) (…)”.

  1. A sentença recorrida violou o preceituado no art. 100.°, n.º 1 do CPA91; "assim que se conclua a instrução, e salvo o disposto no art. 103.° do mesmo código, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” 2. O recorrente apenas foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, sobre o ato administrativo de suspensão da sua bolsa de doutoramento, ocorrida em 29.01.2013, nunca o tendo sido sobre o ato administrativo de cancelamento da bolsa, ocorrido cerca de um ano depois (em 28.01.2014).

  2. De acordo com aquela notificação efetuada, apenas os alegados motivos de saúde deste estariam a prejudicar o trabalho de investigação que lhe havia sido atribuído, pelo que, o levantamento da referida suspensão ficou apenas sujeito à apresentação junto do orientador científico e da instituição de acolhimento de uma declaração, emitida pelos serviços médicos da Universidade de Coimbra, comprovando a sua aptidão para o trabalho, dando assim a Recorrida, cumprimento ao preceituado na parte final do art. 100.°, n.º 1 do CPA91, ao informar o autor do sentido provável da decisão: o levantamento do pedido de suspensão da bolsa estaria dependente da apresentação daquela declaração médica.

  3. A mobilização do art. 89.° do CPA91 (“solicitação de provas aos interessados”) que é feita pelo Juiz a quo não tem aplicação ao caso concreto, uma vez que suspensão da bolsa do recorrente é em si mesmo um ato administrativo e não uma solicitação de provas ao interessado (que se insere ainda nos atos de instrução do procedimento administrativo). Aliás, a notificação para audiência dos interessados, pressupõe que se encontre concluída aquela instrução.

  4. Atento o facto provado em 9., o ato de suspensão da bolsa foi colocado não como uma medida provisória do procedimento, mas sim como um ato alternativo e não cumulável com o ato cancelamento da bolsa.

  5. A decisão de suspensão da bolsa foi tomada na esteira de recomendação do orientador de doutoramento (cfr. ponto 4 da matéria de facto provada), à qual o LIP, instituição de acolhimento, aderiu (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada), e sobre as quais o A. não teve conhecimento.

  6. Na pronúncia efetuado pelo autor em sede de audiência prévia, sobre o ato de suspensão da bolsa (facto provado em 13.) este centra-se apenas e só na contestação dos alegados problemas de saúde que estão na origem da suspensão da bolsa, apenas tendo referido, relativamente à afirmação sobre a "normal conveniência com os seus colegas de trabalho", que tal alegação é completamente abstrata sem qualquer substrato fáctico que permita ao pronunciante apreender o que se pretende afirmar com tal afirmação, desconhecendo por completo o que havia sido referido pelo seu orientador e pela instituição de acolhimento sobre alegados factos concernentes à componente disciplinar.

  7. Ao A. nunca foi instaurado qualquer procedimento disciplinar que lhe permitisse ser confrontado e defender-se sobre os comportamentos de indisciplina que lhe foram unilateralmente imputados pelo seu orientador e pela instituição de acolhimento.

  8. A douta sentença extrapola uma confissão da própria R. (cfr. art. 6.° da Contestação - “a bolsa ficou suspensa pela R., porque (...) as condições de saúde do mesmo não permitirem o desenvolvimento do seu plano de trabalhos num ambiente de normal convivência com os seus colegas, assim como com o demais pessoal da instituição de acolhimento” - e art. 19.° da Contestação - "a FCT decidiu então suspender a bolsa, por este ter sido de parecer que a avaliação do desempenho do bolseiro, no imediato, não permitia a continuidade do seu trabalho, por motivos de saúde”) ao concluir que "a disciplina do A., em concreto, a manutenção de uma sã convivência com os colegas e demais agentes da comunidade científica foi, em termos fácticos, o que esteve na base de ambas as decisões”.

  9. Assim, aquela confissão da Recorrida, ao referir que na base da suspensão estiveram unicamente motivos de saúde (e não, portanto, motivos disciplinares do A.), não permitia ao tribunal que concluísse que a disciplina do A., em concreto, a manutenção de uma sã convivência com os colegas e demais agentes da comunidade científica foi, em termos fácticos, o que esteve na base de ambas as decisões (a de suspensão e a da cancelamento).

  10. Ademais, não poderia a sentença considerar que o A. teve oportunidade de se pronunciar antes do ato impugnado sobre os concretos problemas de indisciplina, uma vez que o ora Recorrente apenas teve acesso quer aos pareceres, quer aos memorandos que determinaram o cancelamento da sua bolsa já no decurso do presente processo judicial, com a notificação efetuada em 16/06/2014.

  11. Ainda que se considerasse por qualquer forma que o A. teve conhecimento da factualidade constante dos pontos 1 a 7 do memorando, quando se pronunciou em sede de audiência prévia aquando da suspensão (o que apenas se admite por mera hipótese académica), verifica-se que após a referida audiência prévia, ocorreram alegadamente novos factos, determinantes para a emissão dos pareceres negativos quer do orientador, quer da instituição de acolhimento (cfr. ponto 20 e 23. dos factos provados) e por conseguinte, para a prática do ato administrativo de cancelamento da bolsa de doutoramento, que não foram nunca comunicados ao A, designadamente os factos constantes do pontos 20., 21. e 22. dos factos provados, não tendo podido o ora recorrente sobre eles pronunciar-se, requerer diligências de prova ou juntar documentos.

  12. A sentença recorrida ao decidir nos termos expostos, violou igualmente o disposto no n.º 2, do art. 33.° do Regulamento de Bolsas de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., que impunha a audiência prévia do interessado antes do cancelamento fundado no n.º 1 da mesma disposição legal 14.Tem-se entendido que a falta de audiência dos interessados, nos processos de contraordenação, nos processos disciplinares e demais procedimentos sancionatórios, implica a nulidade, reconhecendo-se que, fora destes casos, "a tendência é para considerar a sua falta (ou ilegalidade) no procedimento comum como caso gerador de mera anulabilidade” - cfr. Mário Esteves de Oliveira - Pedro Costa Gonçalves - J. Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo , Almedina, pág. 520-522.

  13. Nos pareceres do orientador e da instituição de acolhimento (cfr. factos provados 20. a 23.) o autor é acusado de comportamentos de indisciplina sem que nunca lhe tenha sido instaurado um processo disciplinar sobre algum dos comportamentos que lhe são imputados. Há, assim, um procedimento disciplinar enxertado neste ato administrativo, já que lhe são imputados a prática de comportamentos de indisciplina (e até de crimes) nunca tendo sido dado ao A. possibilidade deles se defender, de os contraditar, violando-se desta forma a garantia fundamental que, para estes procedimentos, está consagrado no n.º 3 do art. 269.° da CRP, segundo o qual em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.

  14. Pelo que, a preterição de audiência de interessados no presente caso contendeu com um direito fundamental do ora recorrente - art. 269.°, n.º 3 da CRP -, acarretando por conseguinte a nulidade do ato, nos termos do art. 133.°, n.º 1 e 2, alínea d) do CPA 91.

  15. A sentença de que ora se recorre, ao ter considerado que no caso dos autos não se verificou o vício da falta de audiência prévia e ao não considerar que o ato não continha os elementos essenciais, nem ofendia o conteúdo essencial de um direito fundamental, violou o disposto no art. 100.°, 89.° E 133.°, N.° 1 e 2, alínea d) todos do CPA91, 33.° do RBI e 269.°, n.º 3 da CRP.

  16. O tribunal a quo dá como provados os comportamentos imputados ao A. pelo seu orientador, instituição de acolhimento e, por conseguinte, pela Recorrida, considerando assim preenchida a alínea b), do art. 12.° do EBI, sem que seja produzida qualquer prova sobre os mesmos, e sem que seja dada oportunidade ao A. de se pronunciar sobre os mesmos, esclarecendo-os, refutando-os ou contraditando-os.

  17. Chega a tal conclusão, sem que dos factos provados conste a notificação ao recorrido da descrição circunstanciada dos mesmos, a existência de processo disciplinar instaurado ao ora recorrente por conta dos mesmos e as regras de funcionamento interno da instituição de acolhimento.

  18. Por outro lado, a sentença recorrida também considera que as referidas condutas do A. infringem também deveres decorrentes da lei, designadamente o dever de não ofender o direito civil ao bom nome e de não cometer os tipos de ilícito criminais de injúria e difamação, o que convoca a violação dos deveres previstos na al. g) do referido art. 12.° do EBI.

  19. Chega a tal conclusão, sem que dos factos provados resulte que alguém tenha participado civil ou criminalmente contra o recorrido e, muito menos, que este tenha sido condenado (civil ou criminalmente) por ter ofendido o bom nome de quem quer que seja.

  20. O Tribunal a quo pronunciou-se assim sobre questões que não podia tomar conhecimento, já que profere juízo decisivo sobre questão que sabe não estar sobre a alçada dos tribunais administrativos e fiscais.

  21. A decisão recorrida é assim nula, ao abrigo do disposto no art. 615.°, n.°1, alínea d) do CPC aplicável ex vi...

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