Acórdão nº 397/12.0BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M.............., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 15/10/2016, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma sumária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, instaurada contra a E………………….

, julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido de condenação a pagar ao Autor a indemnização no valor de € 5.603,35, acrescida de juros calculados, à taxa legal, a partir da citação e até efetivo pagamento.

* Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1- Face à matéria de facto provada (e não provada) nos presentes autos, a Ré, ora Apelada, não logrou afastar a presunção constante da alínea b (do nº 1 do artigo 12° da Lei nº 24/2007 de 18 de Julho.

2 - A Ré logrou efectivamente demonstrar a realização de um cumprimento genérico de algumas das suas obrigações de vigilância e de conservação das vedações, decorrentes do contrato de concessão, nomeadamente naquele troço da auto-estrada.

3 - Embora tal demonstração possa criar a dúvida sobre a responsabilidade da Ré concessionária, não conduz à prova efectiva de que a culpa não lhe pode ser imputada.

4 - Da prova produzida não resultou provado de que modo o cão entrou na Auto- Estrada A22 (Via do Infante de Sagres), não tendo ainda resultado da prova apresentada que a rede instalada no local impedia efectivamente a entrada de um cão com o porte daquele que esteve envolvido no acidente a que os autos respeitam.

5 - Não tendo sido alegado tal facto e não resultando da prova produzida que a rede em causa tinha esta capacidade, é irrelevante que não tenha sido detectada pelos funcionários da Ré qualquer anomalia da rede no local onde ocorreu o acidente.

6 - É também irrelevante a existência de patrulhamentos, se não ficar demonstrado que estão instalados na auto-estrada em causa os meios técnicos que visem impedir a entrada de canídeos na via.

7 - Competia à Ré a demonstração dos específicos meios que instalou na auto estrada para prevenir a entrada de canídeos com o porte daquele que foi interveniente no acidente dos autos, bem como da sua apetência para evitar a entrada de animais e bem assim para detectar e remover os mesmos da via de imediato.

8 - Em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a Ré teria ainda que demonstrar que o cão surgiu na auto-estrada de uma forma incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um acto de terceiro que não podia impedir.

9 - Não sendo conhecida a efectiva do aparecimento inusitado do animal na faixa de rodagem, é a favor do Autor e ora Apelante (lesado e utente) e não da Ré (concessionária), que a respectiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.0 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil.

10 - Como resulta dos factos provados B), C), D) e E), a causa do acidente foi o surgimento de um canídeo na Auto-estrada A22 (Via do Infante) por onde o Apelante circulava.

11 - A confirmação da causa do acidente foi verificada no local por autoridade competente, no caso a GNR, que elaborou o respectivo relatório (nº 108/10.

12 - Pelo facto de o Apelante não ter provado "a velocidade a que circulava na altura, que não lhe foi possível desviar-se, ou sequer que tivesse travado e que circulava com a atenção e prudência necessária" não pode extrair-se a conclusão, como fez o Tribunal a quo, de que não é possível concluir que o que motivou o dano foram as faltas de condições de segurança exigidas à Ré enquanto concessionaria da A22.

13 - Tal entendimento constitui um desvirtuamento do disposto no preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, uma vez que ao Autor apenas competia provar, como fez, que a causa do acidente foi a existência de um canídeo na Auto- Estrada e que tal foi verificado no local onde o acidente ocorreu pela autoridade competente, no caso a GNR.

14 - O Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos, quando decidiu que a factualidade apurada não permite descortinar a ocorrência do facto que possa considerar-se como ilícito e como tal os pressupostos de que depende a responsabilidade da Ré pelos danos sofridos pelo Autor.

15 - Estando provado que o valor da reparação do veículo propriedade do Autor ascende a € 5.603,35 (alínea G dos fatos provados), deverá a douta sentença agora em crise ser revogada e proferida decisão que condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.603,35, acrescida de juros contados desde e a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

16 - Consequentemente deverá ainda ser a Ré, ora Apelada, condenada no pagamento das custas judiciais e demais encargos do processo.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença e proferindo-se decisão que condene a Ré no pedido.

* O ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, tendo aí concluído do seguinte modo: “Não deverá o recurso jurisdicional apresentado pelo Réu ser aceite, nem tão pouco convolado em reclamação para a conferência uma vez que foi largamente excedido o prazo para tal;”.

Pede que o recurso apresentado não seja aceite.

* Por despacho datado de 12/12/2016 foi decidida a tempestividade do recurso, por o recurso ter sido apresentado dentro do prazo legal.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Entende que a sentença recorrida não fez uma correta apreciação dos factos, optando por uma solução de natureza jurídica que não se mostra conforme ao regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Alega que de acordo com o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais.

A Ré não logrou afastar a presunção em causa, além de não lhe bastar demonstrar que foi diligente, tendo de estabelecer positivamente o evento concreto que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio, não bastando, por isso, a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a presunção.

Conclui que a sentença não fez uma correta apreciação dos factos, nem a uma correta subsunção desses factos ao direito.

* A Ré, ora Recorrida, veio pronunciar-se sobre o parecer emitido concordando que de acordo com o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, lhe cabe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança respeitante ao atravessamento de animais, mas alega que tudo fez em sede de patrulhamentos, dia e noite nos 130 Km da via A 22, sendo-lhe impossível ter um guarda permanente que obstaculize a intromissão pelos nós, de animais.

Defende que deve ser mantida a sentença recorrida.

* O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil da Ré, por não ter afastado a presunção constante do artigo 12.º, n.º 1, c) da Lei n.º 24/2007, de 18/07.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A) No dia 17 de Agosto de 2010, pelas 5.50horas, ocorreu um acidente de viação onde foi interveniente o Autor, de nacionalidade espanhola, proprietário e condutor do veículo de matrícula .............. (cfr docs nºs 1 e 2 juntos com petição inicial); B) O veículo referido na alínea precedente, no dia e hora supra mencionados, circulava na Auto-Estrada A22 Via do Infante Sagres, no sentido Albufeira/Faro (cfr docs nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial); C) No dia e hora supra mencionados o veículo identificado na alínea A) embateu frontalmente com um animal de raça canina (cfr doc nº 2 junto com a pi); D) A via onde circulava o veículo identificado na alínea A) está abrangida pelo contrato de concessão de serviço público celebrado com a E.............., S.A. (por acordo); E) No Relatório nº 108/10 elaborado pelo guarda da GNR, R............., pode ler-se designadamente que “No dia 17 de Agosto de 2010 pelas 06H00 fui informado pela central do DT Faro que na A22 ao Km 71,7 no sentido de marcha Albufeira/ Faro, um veículo teria atropelado um animal de raça canina.

Chegado ao local, deparei-me com um animal de raça canina morto na berma e vinte metros à frente um veículo parado na berma” (cfr doc nº 1 junto com a petição inicial); G) No orçamento da “C............., S.A.”, concessionário da Mercedes-Benz respeitante à viatura automóvel, marca Mercedes-Benz, de matrícula .............., o valor a saldar é de € 5.603,35 (cfr docs nº 2 e 5 ambos juntos com a petição inicial); H) Em 9 de Julho de 2012, a Ré elaborou “Relatório” da ocorrência referida em A) (cfr doc nº 1 junto com a contestação); I) O acidente deu-se a seguir ao túnel do Areeiro, no sentido Albufeira/ Faro, o nó de Loulé encontra-se a 2,5 km, é um nó aberto e a via tem uma rede lateral de protecção (cfr testemunho de R.............); J) Em serviço, às 6.00h foi solicitado para um acidente que ocorreu ao km 71, na E............. (cfr testemunho de P.............); K) Do nó de Loulé até ao local do acidente distam 2 km e esse troço tem uma câmara de...

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