Acórdão nº 00786/11.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | Ricardo de Oliveira e Sousa |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO A., S.A, com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por si intentada contra o MUNICÍPIO DE (...), também com os sinais dos autos, que julgou a presente Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. Não pode a Recorrente, por forma alguma, conformar-se com o teor da Sentença proferida, que julgou totalmente improcedente a ação intentada, absolvendo o Réu do pedido.
-
A sentença recorrida incorre em erro manifesto na apreciação da matéria de facto provada e, bem assim, na aplicação do direito aos factos dados como provados.
-
In casu, o Tribunal a quo que “a Autora não alegou, e consequentemente, não provou factos essenciais integradores do seu direito ao pagamento das revisões de preços no âmbito dos contratos de empreitadas constantes do probatório supra”.
-
Acrescenta a decisão em crise que “A principal questão que Autora e Réu divergem é nos valores integrantes da fórmula a aplicar à revisão de preços, de tal forma que os cálculos realizados pelas partes não coincidem porque não foram calculados de acordo com os mesmos valores e critérios, pelo que caberia a este tribunal determinar, de acordo com o contrato e com a legislação aplicável, supra referida, quais os valores integrantes da fórmula a aplicar de modo a determinar qual o valor devido, se o calculo pela Autora se o calculo pelo Réu”.
-
Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, os articulados apresentados pela Autora permitem a apreciação global do mérito da causa e, por outro, ainda que não fosse possível ao Tribunal determinar o concreto valor da condenação do Réu, sempre deveria ter condenado o Réu em quantia a liquidar.
-
Era matéria controvertida nos autos saber se “Todos os valores reclamados pela Autora a título de revisão de preços foram reconhecidos pelo Réu"- cfr. alínea c) dos factos não provados.
-
Relativamente a esta factualidade entendeu o Tribunal a quo dar o mesmo por não provado em virtude de as testemunhas do Recorrido terem afirmado o contrário.
-
Quanto a este concreto ponto - alínea c) dos factos não provados, o Tribunal não considerou todos os elementos de prova constantes dos autos, que impunham resposta diferente.
-
Ao, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação que impõem decisão diversa da recorrida, designadamente da alínea c) dos factos não provados são: os cálculos da revisão de preços anexos a cada fatura (cfr. documentos 1 a 51 da petição inicial constantes fls. 36 a 204 dos autos); os seguintes depoimentos: da testemunha F., cujo depoimento consta no registo de gravação ficheiro 786_11 (03-12).mp3, entre os tempos 00:00:00 e 00:29:25, mais concretamente entre os 00:04m:48s e 00:12m:15s, da testemunha L., cujo depoimento consta no registo de gravação ficheiro 786_11 (03-12).mp3, entre os tempos 00:29:27 e 01:16:25, mais concretamente entre os 00:35m:02s e os 00:38m:42s; da testemunha E., cujo depoimento consta no registo de gravação ficheiro 786_11 (03-12).mp3, entre os tempos 01:16:31 e 01:52:50, mais concretamente entre os 01h:21m:18s e os 01h:22m:02s.
-
Quanto aos documentos 1 a 51 da petição inicial constantes fls. 36 a 204 dos autos, os mesmos foram previa e atempadamente remetidos para a Câmara Municipal de (...); XI. Decorrido um mês após o seu envio sem que tenha havido qualquer reclamação sobre os mesmos, foram objeto de faturação e envio para o Recorrido.
-
Todas as faturas emitidas e juntas aos autos, foram-no com base em Autos previamente remetidos pela Recorrente ao Recorrido, XIII. Autos que, como resulta da prova documental junta aos autos, e da factualidade assente, nunca foram objeto de qualquer reparo ou reclamação por parte do Dono da Obra.
-
Resulta ainda provado que, o Município Recorrido nunca devolveu à Autora as faturas respeitantes às revisões de preços assim calculadas.
-
E resulta ainda demonstrado da prova documental, que o Município Recorrido procedeu ao pagamento parcial da revisão de preços (ponto 151 ° dos factos provados); XVI. E que, o Município Recorrido não pagou as revisões de preços no prazo de 60 dias (cfr. ponto 150° da matéria de facto provada).
-
Quanto à prova testemunhal, tudo isto foi confirmado pelas testemunhas do Autor e do Réu, designadamente das supra referidas e transcritas.
-
Do depoimento destas testemunhas - que nesta parte não foi contrariado por qualquer outro elemento probatório, resulta evidente que as faturas foram recebidas no Município Recorrido, XIX. Nunca foram contestadas, nem devolvidas e até chegaram a ser cedidas a instituições financeiras com o conhecimento do Município Recorrido.
-
Sendo que, volvidos anos da emissão das faturas, nomeadamente a partir de 2007, é que, para algumas delas, o Município Recorrido começou a manifestar discordância em relação aos respetivos valores.
-
O Réu entre 2001 e 2006 não contestou os cálculos efetuados pela Recorrente a título de revisões de preços, recebeu e não devolveu nem contestou os Autos e a faturação desses mesmos Autos, XXII. Com a agravante de que, ainda aceitou que essas faturas fossem cedidas a instituições financeiras mediante factoring! XXIII. E, por algum motivo que a Recorrente desconhece, após o ano de 2007, começou a contestar os cálculos subjacentes à emissão de algumas dessas faturas.
-
Ora, parece, pois, evidente que não poderia a Autora deixar de entender que o Município Recorrido, não só, aceitou esses cálculos, como também, a faturação dos mesmos.
-
Motivos pelos quais, se requer a alteração da alínea c) dos factos não provados, para provado.
-
De resto, essa alteração, para além de resultar da prova documental e da factualidade assente, é também aquela que resulta do regime legal aplicável, sendo a sentença proferida neste aspeto, contra legem.
-
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 202° e 208° do DL 59/99, de 02 de março (aplicável às empreitadas em apreço) o visto aos autos emanados pelo Empreiteiro devia ser emitido ou recusado no prazo de 5 dias, sob pena de se ter o auto elaborado pelo empreiteiro como aceite (cfr. o número 3 do artigo 208° do citado diploma legal).
-
Nos termos e ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 8° do DL 348-A/86, de 16 de outubro, “as revisões serão calculadas pelo dono da obra e reportar-se-ão às datas estabelecidas para as liquidações ou pagamentos parciais a efectuar no decurso da empreitada ou fornecimento de obras”.
-
E, caso não o fossem, na inércia do Dono da Obra, poderiam ser apresentadas pelo Empreiteiro, nos mesmos termos previstos pela apresentação pelo Dono de Obra (cfr. n° 2 do mesmo artigo).
-
Ou seja, na hipótese de o Dono de Obra ter remetido a revisão de preços para o Empreiteiro, e este não se tivesse pronunciado, esta considerava-se tacitamente aceite.
-
E essa era, pois, a conclusão a que forçosamente teria de ter chegado o Tribunal a quo relativamente à matéria aqui em apreço, e cuja alteração se requer em conformidade.
-
Qualquer interpretação em contrário é contrária, não só à boa-fé, como também a todos os princípios que devem nortear atividade administrativa, consagrado no artigo 10.° do Novo CPA, que obriga a Administração tenha um comportamento correto, leal e sem reservas quando entra em relação com os Administrados.
-
Do normativo supra referido, nomeadamente do seu n.° 2, sobressaem dois limites negativos à atividade administrativa, a) a Administração Pública não deve atraiçoar a confiança que os particulares interessados puseram num certo comportamento seu; b) a Administração Pública também não deve iniciar o procedimento legalmente previsto para alcançar um certo objetivo com o propósito de atingir um objetivo diverso.
-
Com não reclamação dos autos de revisão de preços, bem como, com a aceitação das faturas, posteriormente enviadas o Município Recorrido manifestou, de forma expressa e inequívoca, a intenção de proceder ao pagamento integral dos montantes peticionados pela Recorrente.
-
Ora, apesar de este Princípio da Boa-fé ser dotado de inúmeras potencialidades jurídicas, a verdade é que, estas podem ser subsumidas a dois vetores básicos, um de sentido negativo, como que uma obrigação de lealdade, que visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorretos, outro de sentido positivo que se manifesta numa obrigação de cooperação entre os sujeitos.
-
No caso concreto, para além da conduta da Recorrida violar o dever de cooperação, viola de forma frontal e grosseira o dever de lealdade, XXXVII. Nomeadamente com o comportamento contraditório manifestado, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, por um lado manifestam, de forma clara, expressa e inequívoca, a intenção de efetuar os pagamentos à Recorrente, nos exatos termos peticionados, quer nos autos, quer nas faturas, XXXVIII. Para depois, em flagrante e injustificada contradição, volvidos anos da aceitação dos cálculos e das faturas, não só se recusar a pagar, como também, vir contestar os cálculos subjacentes à emissão de algumas de faturas aceites há vários anos.
-
Pelo que, ainda que se entenda que a lei não prevê, de forma expressa e inequívoca as consequências da falta de atuação do Dono da Obra - que prevê sempre teria aqui de chamar-se à colação os princípios gerais de direito administrativo para contribuírem positivamente para a regulação do caso.
-
Havendo regra, o princípio desempenhará uma função integradora (se regra for aberta ou atributiva de juízos discricionários) ou função interpretativa (se regra for impositiva de uma vinculação).
-
Não havendo regra (direta ou análoga), os princípios terão de funcionar como fundamento direto e autónomo da regulação do caso.
-
Assim, mais não seja, de acordo com o princípio da adequação e da proporcionalidade, é de rejeitar...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO