Acórdão nº 6923/13.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO ZIEGLER
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório B....., S.A., vem deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que considerou totalmente improcedente a impugnação judicial dos atos tributários de liquidação adicional de IRC, e respetivos juros de mora, respeitantes aos exercícios de 1990 e 1992, nos montantes de, respetivamente, Esc. 112.505.287,00, acrescidos de 88.333.508,00 de juros, e de Esc. 13.361.111,00, acrescidos de 3.741.111,00 de juros, no montante global de Esc. 217.941.017,00, o que corresponde a €1.087.085,21, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões : “ 1.ª A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos tributários consubstanciados nas liquidações adicionais de IRC respeitantes aos exercícios de 1990 e 1992, nos montantes de Esc. 112.505.287,00 (€ 561.174,01) e de Esc. 13.361.111,00 (€ 66.644,94) e correspondentes juros de mora no valor de Esc. 88.333.508,00 (€ 440.605,68) e de Esc. 3.741.111,00 (€ 18.660,58), tudo no valor global de Esc. 217.941.017 (€ 1.087.085,21).

2.ª Assentou a aludida decisão no entendimento de que os vícios invocados na impugnação judicial, quais sejam, a falta de fundamentação de facto e de direito dos atos tributários, o erro de direito na qualificação dos rendimentos sujeitos a tributação e na quantificação dos factos tributários, a duplicação de coleta e a violação dos princípios constitucionais da tipicidade fiscal e da não retroatividade fiscal, não se verificavam; 3.ª O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que ser suficiente a fundamentação vertida nos relatórios de inspeção tributária, razão pela qual concluiu não ocorrer no caso vertente vício de violação do dever de fundamentação.

4.ª Conforme resulta dos artigos 268.°, n.° 3, da CRP, bem como dos artigos 19.°, alínea, b), 21.°, nº 1 e 82.°, todos do CPT, a fundamentação dos atos tributários tem de ser expressa, clara, suficiente e congruente, devendo a decisão conter os respetivos fundamentos de facto e de direito; 5.ª Sucede que a fundamentação vertida nos relatórios de inspeção tributária é manifestamente insuficiente, não contendo os elementos mínimos nem quanto à matéria de facto nem quanto à matéria de direito, que permitam ao Recorrente alcançar o iter cognitivo que conduziu à liquidação dos tributos em causa; 6.ª Com efeito, no que respeita ao IRC de 1990, nem da análise do corpo do relatório nem do exame aos mencionados anexos é possível identificar quais as operações sujeitas a imposto, quais os concretos fatos tributários que se tributam, se se tratam de rendimentos advenientes da aquisição ou da alienação de títulos, ou quem, para efeitos da liquidação em crise, são os sujeitos passivos do imposto devido; 7.ª Refere-se apenas que o B..... contabiliza os juros corridos dos títulos de dívida pública por valores ilíquidos e os títulos de dívida privada por valores líquidos mas não se refere quais os títulos que estão em causa e quais os rendimentos tributados, não se especificando se se pretende tributar a aquisição originária e rendimento do emitente, alguma transação intercalar e nesse caso se se trata de rendimento do B..... ou de terceiro, se o rendimento no vencimento ou liquidação, ou sequer se o rendimento é de mais valias ou de rendimentos de capitais; 8.ª Nos pretensos “mapas de apuramento” que constituem os anexos juntos no relatório inspetivo a incógnita permanece pois não se descortina a que transações se referem as datas aí constantes, qual o sujeito passivo e qual o facto tributário, mencionando-se aí diversas taxas de IRS e de IRC, mas nenhuma norma de incidência; 9.ª Se o Tribunal a quo tivesse examinado criticamente a concreta fundamentação do ato que veio a ser dada a conhecer volvidos vários anos sobre o mesmo, não poderia ter deixado de concluir pela verificação do vício formal uma vez que mesmo no relatório inspetivo que esteve na origem da liquidação do imposto a omissão da fundamentação de direito é absoluta, não sendo feita qualquer qualificação jurídica de facto tributário ou indicadas disposições legais de incidência de imposto, sendo também absolutamente deficiente a própria fundamentação de facto; 10.ª Acresce que na fundamentação do ato apenas se refere que tem por base a figura da substituição tributária mas não se descortina se o destinatário do relatório é o substituto ou o substituído; 11.ª Em suma, não se consegue descortinar do relatório em crise qual a matéria de facto a subsumir num quadro legal que também não é indicado; 12.ª A mesma conclusão é igualmente válida para o ato de liquidação de IRC de 1992, cujo relatório de inspeção refere que a operação que deu causa à liquidação consistiu numa "(...) operação com dívida privada (...) de 75.000 obrigações G .....(...)”, daí não se descortinando sequer se a operação em questão consiste em aquisição ou alienação dos títulos e a que entidades, qual o imposto adicionalmente liquidado, se imposto devido pela transação ou se imposto devido por rendimento, de igual modo do mesmo não resultando qual o critério e a forma de cálculo do rendimento relativamente ao qual se procedeu à liquidação de IRC no exercício de 1992; 13.ª Nestas circunstâncias, não se vislumbram quais os factos que deram origem ao ato de liquidação de IRC (IRS?) de 1992, daí se concluindo que a correspondente fundamentação não contém, quer a quantificação do ato tributário, quer a descrição das operações de apuramento da matéria tributável e do tributo; 14.ª Em face do exposto, e de acordo com os elementos probatórios constantes nos autos, verifica-se a violação do dever de fundamentação de facto dos atos tributários, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento ao decidir o contrário; 15.ª Acresce ainda que, para além da ausência de fundamentação de facto das liquidações emitidas, foi ainda inequivocamente violado o dever de fundamentação de Direito porquanto em parte alguma é referida a norma de incidência real do imposto; 16.ª Refira-se que no caso vertente era fulcral a identificação da norma de incidência real aplicada, tendo em conta que estaria em causa, como veio o Tribunal a quo a decidir, a classificação de determinados ganhos como rendimentos de capital, em concreto juros de títulos de divida ainda não vencidos, os quais se subsumiriam, assim, na previsão do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Código do IRS, por remissão do artigo 75.°, n.º 1, alínea c), do Código do IRC.

17.ª Se no caso concreto era necessário um esforço interpretativo teleológico e identificar na norma de incidência de imposto um tipo legal de incidência de conceito económico, então o mínimo que se exigia era que a norma de incidência (artigos 1.° e 6.° do código do IRS) fosse mencionada; 18.ª Refira-se que, quanto a uma situação em tudo idêntica à presente, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que "(...) É de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto administrativo a fundamentação (...) em que não consta a norma de incidência real do imposto pois se limitam a referir os art°s 20.º do CMS e 75.°, n.º 6 do CIRC e os art°s 91. °,n.° 4 do CMS e 91.° do CMC, tanto mais que estes preceitos legais apenas têm a ver com o procedimento contra-ordenacional resultante da condida da recorrida, a que, aliás, se reporta o auto de noticia de fls. 98 a 102, e, sendo a norma de incidência real do imposto a dos art.°s 6.°, n.º 1, alínea c) do CMS e 75.°, n° 1, alínea c) do CMC, a esta nenhuma referência é feita no acto tributário em causa (...)” (Cf. acórdão de 10.12.2003, proferido no âmbito do processo n.º 06737/02); 19.ª E nem se diga que por ter o Recorrente tentado intuir os fundamentos dos atos tributários, com vista à sua contestação, conseguiu compreender o percurso cognitivo realizado pela administração tributária, alcançando o seu entendimento relativamente ao enquadramento legal das liquidações, ao contrário do que se decidiu na sentença a quo; 20.ª Atento o exposto, impõe-se concluir que ao julgar não se verificar o vício de falta de fundamentação incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento; 21.ª Incorreu ainda a sentença a quo em erro de julgamento ao considerar que os rendimentos derivados de aplicação de capitais e correspondentes ao quantitativo dos juros decorridos, antes do seu vencimento, amortização ou reembolso até à transmissão, sendo rendimentos tributáveis, se encontravam igualmente "(...) sujeitos a retenção na fonte no ato do pagamento, nos termos dos artigos 1.° e 6.°, n.° 1, alínea c) (na sua redação originária, explicitada em 1992 com o citado D-L n.°263/92) e 91.°do CIRS, e 6.°e 75.°, n.° 1, alínea c), do CIRC (…)”; 22.ª Com efeito, conforme resulta da alínea E) do probatório da sentença a quo, das liquidações sub judice consta a menção de que as mesmas se referem a retenções na fonte de IRC, efetuadas e não entregues; 23.ª Sucede que à data dos factos não existia qualquer obrigação de retenção na fonte naquelas situações de sujeição a imposto, atenta a inexistência de norma legal que assim determinasse; 24.ª Efetivamente, ainda que se entenda que os juros decorridos, antes do seu vencimento, amortização ou reembolso até à transmissão dos respetivos títulos de dívida, deveriam classificar-se como rendimentos de capitais, sendo sujeitos a tributação nos termos do aludido artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Código do IRS, ainda na redação anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.° 263/92, de 24 de outubro, a verdade é que antes deste diploma legal e, portanto, à data dos factos, inexistia norma que obrigasse o Recorrente a proceder a retenção na fonte sobre tais rendimentos de capitais; 25.ª De facto, no caso das instituições financeiras, o artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de julho, previa que “(...) não existe a obrigação de efetuar retenção na fonte de IRC, quando esta tenha a natureza de...

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