Acórdão nº 00334/19.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A A. – Autoestradas (...), SA, e a chamada A., SA - Sucursal em Portugal, devidamente identificadas nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada por L., SA, na qual peticionou que lhe fosse atribuído o montante de €7.087,30, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, e vincendos desde a entrada em juízo e até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos com a reparação do veículo sinistrado e com as despesas de peritagens e avaliações, decorrentes do sinistro rodoviário ocorrido, na A11, Km 9, sentido (...) - (...), atento o embate do veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, num canídeo de médio porte que se encontrava na hemifaixa esquerda por onde o referido veículo circulava, inconformadas com a decisão adotada no TAF de Braga em 24 de janeiro de 2020, que julgou a Ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €7.087,30, acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização, vieram, separadamente a apresentar Recurso.

No Recurso apresentado pela A. – Autoestradas (...), SA, em 2 de março de 2020, constam as seguintes conclusões: “I. Na opinião da R., a sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 14, 15, 16 e 17, mas também outros que resultaram da instrução da causa, casos dos pontos 7, 8 e 9; II. Com efeito, e salvo o devido respeito, em vez o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação relevante (p. ex. do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, na redação aplicável do Decreto-Lei nº 109/2015, de 18 de Junho); III. Na verdade, quando se chama à colação para servir de fundamentação “(…) o procedimento exigível e o grau de cuidado necessário – tipo de vedação e periodicidade dos patrulhamentos – (…)” que alegadamente “(…) terão de ser aferidos em função das características da zona e do tipo de animais ali existentes (…)” isso é o mesmo que dizer nada, atendendo a que, quer uma (a vedação – vide designadamente a alínea a) do nº 4 da Base XXIX), quer a outra (a periodicidade dos patrulhamentos – cfr. alínea f) do nº 3 e nº 4 da Base LV), têm previsão legal no citado diploma legal; IV. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, na indicada redação aplicável, já que o sinistro é posterior a 18 de Junho de 2015 (data da alteração e republicação do diploma legal que “mexeu” no diploma legal “original” respeitante à concessão da R.); V. Curiosamente, a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redação do DL nº 109/2015, de 18 de Junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2, mostra-nos até que p. ex. “(…) o procedimento exigível e o grau de cuidado necessário (…)” quanto à “(…) periodicidade dos patrulhamentos (…)” passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4 em 4 horas em vez de 3 em 3 horas e sem obrigatoriedade de patrulhamento durante o turno noturno entre as 23 h e as 7 h), sem que se tenha deixado cair (leia-se: retirado do texto legal) o advérbio de modo – permanentemente (cfr. Base XLIV) – de que esta sentença também lança mão na sua fundamentação; VI. Ora, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa autoestrada concessionada a esta R., nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respetivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento lhe cabe nos termos do previsto na Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, entende a R. que esta alteração à mencionada Base LXXIII (particularmente aos seus nºs. 1 e 2), mesmo que não fosse aqui o caso de o sinistro não ser posterior – e é - à entrada em vigor da nova redação conferida pelo DL nº 109/2015, de 18 de Junho àquela Base LXXIII, é claramente interpretativa e, portanto, deveria ser aplicável aos sinistros anteriores a esse data (18 de Junho de 2015). Ou, no mínimo, sempre deverá ser vista como um importante – decisivo mesmo – subsídio para uma tal avaliação/interpretação necessariamente mais correta e mais conforme à lei; VII. Sucede, porém, e como, aliás, é manifesto, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”) poderia a R. legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado. Dito isto, VIII. A Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é inaplicável in casu, porquanto só assim poderia acontecer se a autoridade policial tivesse (obrigatoriamente, como diz a lei) verificado no local as causas do acidente, i. e., o nº 1 do artigo 12º daquela Lei só consente a sua aplicação se a “condição” prevista no nº 2 – “Para efeitos do disposto no número anterior (…)” for observada. E não foi, como bem se sabe, embora por opção totalmente injustificada do motorista do veículo seguro na A. que – diz o artigo 6º do C.

  1. – não pode invocar em seu benefício o desconhecimento da lei; IX. Importa dizer que o objetivo que ressalta deste nº 2 não é, na nossa perspetiva, o de limitar ou de impedir a prova do utente e/ou de substituir a decisão dos tribunais por aquela das autoridades policiais no local, mas é, isso sim (e seguramente visando nomeadamente prevenir situações de fraude), o de garantir às concessionárias algum equilíbrio com os utentes em matéria de fardo probatório (cfr. ac. da Relação de Coimbra de 09.03.2010 e ac. da Relação do Porto de 15.12.2010); X. Está assim – e também por esse motivo - irremediavelmente afastada a hipótese de aplicação do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho ao sinistro dos autos, devendo, por isso, e tal como resulta expressa e inequivocamente da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, ser este sinistro enquadrado no único âmbito possível da responsabilidade extracontratual; XI. Por isso, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída, uma vez que não havia (ou há) presunção legal de culpa a impender sobre a concessionária; XII. Pelo que incumbia à A., nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil (e também de harmonia com a citada Base LXXIII), fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da R., de modo que só devia lograr obter a condenação desta R. se tivesse alegado e provado que as vedações da autoestrada se apresentavam com deficiências e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a R./recorrente sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar; XIII. Assim, sendo patente que a A. não logrou provar nada disso (e que nem sequer alegou qualquer facto a isso respeitante), impunha-se a absolvição da recorrente que, por seu turno, fez a prova do contrário (que não no sentido usado na sentença que, nesse particular, não faz sentido) relativamente ao (bom) estado da vedação. Não obstante, XII. Mesmo que assim não se entenda, é verdade que com o advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XIII. Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de incumprimento (ou de culpa, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; XIV. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa (ou de incumprimento) nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho (antes ou depois das diversas alterações ocorridas, sublinhe-se), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1); XV. De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a...

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