Acórdão nº 02758/13.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A., LDA.

(devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa especial que instaurou contra o MUNICÍPIO DE (...) – na qual impugnou os seguintes atos, ali assim identificados: (1) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 22/11/2005, no que concerne aos poderes indicados no ponto 9 do mesmo; (2) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E. em 25/02/2011, no que concerne aos poderes indicados na alínea c) do ponto 4 da parte I do mesmo, e (3) o ato de delegação de poderes constante do Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) em 21/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na Parte II do mesmo; (4) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 03/03/2011, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo (…); (5) o ato de subdelegação de poderes constante do Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Diretor de Departamento J. em 22/01/2013, no que concerne aos poderes indicados na parte II do mesmo, peticionando a sua declaração de nulidade ou inexistência e bem assim a condenação do réu Município a praticar todos os atos e operações materiais que se revelarem necessários à reconstituição da situação atual hipotética à data da execução da sentença anulatória – inconformada com a sentença datada de 15/02/2019 (fls. 339 SITAF) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (para o qual o processo foi remetido na sequência de decisão de incompetência em razão do território proferida em 30/11/2015, a fls. 137 SITAF, pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, onde a ação foi instaurada, da qual, já que muito embora dela tenha sido interposto recurso para o TCA Sul o mesmo não foi admitido por acórdão daquele Tribunal de 06/10/2016 – fls. 174 SITAF) que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o réu dos pedidos, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 365 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1.ª O presente recurso de apelação tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida a 15 de Fevereiro de 2018, que julgou improcedente a presente acção, sendo o sentido desta decisão, bem como toda a fundamentação aduzida, o objecto do presente recurso.

  1. Ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a competência para determinar a instauração do processo contra-ordenacional e a competência para designar o respectivo instrutor, previstas no n.º 10 do artigo 98.º do RJUE e relativas ao universo de contra-ordenações urbanísticas que este artigo 98.º prevê, não podem ser delegadas nos dirigentes dos serviços municipais.

  2. Não tendo sido disputada qualquer matéria de facto (tornando-se relevante para o presente recurso somente a matéria de direito), verifica-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo se encontra ferida de erro na aplicação do Direito, ao não interpretar o enunciado normativo que se retira do artigo 98.º, n.º 10 do RJUE no sentido da não permissão de delegação da competência de instauração do processo de contra-ordenação e de designação do respectivo instrutor, que pertence ao presidente da câmara municipal, nos serviços municipais.

  3. Assim, não deveria ter sido interpretada a referida disposição legal no sentido de a mesma não impedir a aplicação dos artigos 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, comummente conhecida por Lei das Autarquias Locais, que permitem, de forma evidente, a delegação da competência de instauração do processo contra-ordenacional e de designação do respectivo instrutor nos serviços municipais.

  4. A decisão do Tribunal a quo deveria partir dos elementos da interpretação da norma jurídica e, por isso, determinar como somente delegável nos membros do órgão colegial executivo a competência emergente do artigo 98.º, n.º 10, do RJUE: o elemento histórico demonstra que o legislador sempre considerou premente fixar esta competência nos regimes jurídicos especificamente criados para o licenciamento de operações urbanísticas (ao passo que nada previa nos diplomas aplicáveis à organização e funcionamento das autarquias locais); o elemento literal da norma, associado ao sistemático, demonstra que serão somente membros da câmara municipal aqueles que fazem parte do órgão colegial com competências deliberativas e executivas; o elemento teleológico ou, melhor, a sua ratio prende-se com a superior complexidade técnica das contra-ordenações urbanísticas, a maior amplitude das molduras sancionatórias, a necessidade de garantia dos particulares e de responsabilização dos órgãos municipais.

  5. Assim, todos os actos praticados pelo MUNICÍPIO DE (...) e que vêm expressamente impugnados na presente acção administrativa especial, isto é, os actos de delegação de competências e todos os actos praticados ao abrigo de tais operações, estão feridos de invalidade administrativa: os primeiros são nulos, visto que envolvem a disposição para os dirigentes dos serviços municipais de competências que, pela sua natureza e por força do RJUE, somente poderiam ser delegadas nos vereadores; os segundos são inexistentes uma vez que (i) são consequentes de actos juridicamente nulos, (ii) são praticados por um agente (e não por um órgão) que, por natureza, é insusceptível de manifestar uma vontade imputável à Administração, e (iii) têm por objecto uma disposição impossível ou, no mínimo, ilegal de competências administrativas.

  6. Em suma, a Sentença deve ser revogada pelo Tribunal ad quem e substituída por uma decisão que declare procedentes os pedidos apresentados pela Autora, mais precisamente que declare nulos ou inexistentes os seguintes actos constantes dos seguintes despachos: Despacho n.º 070/PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), em 22 de Novembro de 2005; Despacho n.º 157/2011-VEF, praticado pela Vereadora E., em 25 de Fevereiro de 2011; Despacho n.º 56/2013-PRES, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), em 21 de Janeiro de 2013; Despacho n.º 166/2011, praticado pelo Director de Departamento J., em 3 de Março de 2011; Despacho n.º 65/2013, praticado pelo Director de Departamento J., em 22 de Janeiro de 2013.

O recorrido MUNICÍPIO DE (...) contra-alegou (fls. 394 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos: A. Os despachos impugnados não enfermam do vicio de incompetência, porquanto foram proferidos ao abrigo de lei habilitante e com autorização de subdelegação.

  1. Não houve violação de normas jurídicas nem de princípios, tendo o Tribunal a quo feito uma interpretação correcta do Direito.

  2. O Tribunal a quo não violou as regras de interpretação, porquanto o RJEU não prevalece sobre a LAL.

  3. A norma da Lei das Autarquias Locais, que permite delegação de competências em termos amplos e sem as limitações pretendidas pela recorrente, em nada foi contrariada por qualquer das disposições do invocado RJUE.

  4. Por outro lado, não pode a recorrente extrair do silêncio da lei, uma proibição, que até é contrariada pelo regime consagrado numa lei com valor reforçado.

  5. Por último, a LAL (art.º 68 n.º2 al. p) e artigo 70 n.º3 al. m)) permite de forma cristalina que o Presidente da Camara ou os vereadores possam delegar ou subdelegar nos dirigentes dos serviços, as competências para determinar a instrução de processos de contra-ordenação e designar instrutor.

  6. A sentença recorrida ora em crise, também não padece de qualquer vicio ou erro de julgamento que imponha a sua revogação e substituição, devendo manter-se nos seus exactos termos.

    * Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.

    * Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

    * II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O presente recurso vem interposto de sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido impugnatório dirigido aos identificados atos de delegação e de subdelegação de poderes.

    Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 98.º, n.º 10 do RJUE (DL. nº 555/99) e 68.º, n.º 2, alínea p) e 70, n.º 3, alínea m) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99) * III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto O Mmº Juiz a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

  7. Por despacho n.º 070/PRES de 22 de Novembro de 2005, o Presidente da Câmara Municipal de (...) determinou o seguinte [cf. documento n.º 1 junto com a PI]: “(…) Tendo em vista conferir maior celeridade e eficiência no funcionamento dos serviços, ao abrigo do estatuído no artigo 70° da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, dos artigos 35.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n." 442/91 de 15 de Novembro, e tendo presente o constante no meu Despacho n.º 062/PRES de 2005-11-03, delego e subdelego na licenciada P., Chefe da Divisão Jurídica, os seguintes poderes e competências, no âmbito da respectiva unidade orgânica (…) 9. Determinar a gestão e instrução dos procedimentos e processos a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT