Acórdão nº 00662/19.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO J.

(devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa que instaurou em 10/07/2019 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro contra o ESTADO PORTUGUÊS – na qual, com fundamento na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, por referência ao Proc. n.º 84/02.7BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, peticionou a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, na quantia 5.247,46€, e por danos não patrimoniais na quantia de 10.000,00 € – inconformado com a sentença (saneador-sentença) datada de 23/01/2020 (fls. 452 SITAF) pela qual o Mmº Juiz a quo julgou verificada a exceção perentória de prescrição do direito do autor e em consequência absolveu o Estado Português do pedido, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 475 SITAF), pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida padece de uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas que serviram de fundamento à referida decisão – in casu do artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro –, tornando-a, assim, irrazoável e profundamente injusta.

  1. Mais precisamente, a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à contagem do início do prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do Código Civil, uma vez que desconsiderou o momento em que o ora A./Recorrente constatou efetivamente e em concreto a “ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo”, (in casu, pela morosidade excessiva do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR), presumindo erradamente que aquela constatação teria ocorrido em 19/06/2013 (data da primeira decisão em primeira instância), ou, na pior das hipóteses em 20/04/2015 (data da segunda decisão em primeira instância).

  2. Ora, hoje constitui firme jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que: “V – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo jurisdicional ou judiciário tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos” – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 04/04/2019.

  3. No caso em apreço, ao contrário do decidido, só com o trânsito em julgado, em 20/04/2018, do Acórdão do TCAN de 08/03/2018, proferido no sobredito processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR – acórdão que julgou definitivamente improcedente a ação de impugnação das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios em causa no processo 84/02.7BTAVR – é que o A./Recorrente teve consciência das gravosas consequências da improcedência daquela ação após 16 anos sobre o seu início, ou seja, só nessa data é que A./Recorrente teve conhecimento concreto e seguro do direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso desse mesmo processo judicial.

  4. Ou seja, só naquela data é que o A./Recorrente tomou consciência que a duração excessiva daquele processo conjugada com a improcedência da ação lhe iria causar graves danos patrimoniais (ainda que a essa data não soubesse a sua integral extensão) e que os danos não patrimoniais que tinha sofrido ao longo dos 16 anos que tinha durado o processo eram de tal modo graves que eram merecedores da tutela de direito nos termos do disposto no artigo 496.º do Código Civil.

  5. Pelo que, neste caso e de acordo com o citado Acórdão do TCA Sul, de 04/10/2018, proferido no âmbito do proc. n.º 1909/16.5BELSB, o artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, deve ser interpretado no sentido de que: “Numa acção de responsabilidade civil extra-contratual do Estado por atraso na administração da justiça, relativamente a um processo declarativo, a data do trânsito em julgado da decisão ali proferida pelo STA identifica a data em que os lesados passaram a ter conhecimento seguro do seu direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso dessa mesma acção;”.

  6. Encontrando-se, aliás, esta linha jurisprudencial em consonância com aquela que, nesta matéria, defende que a análise da eventual verificação da violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, o eventual cumprimento dos prazos processuais e, num segundo momento, pela verificação e consideração da totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 19/06/2019 e citado Acórdão do TCA Sul, de 23/05/2019.

  7. Finalmente, acresce concluir que, ao ter julgado procedente a exceção de prescrição do direito do A./Recorrente, a sentença recorrida incumpriu ainda com a especial obrigação de analisar “as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata ou automática]” existente nestes casos de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, uma vez que desconsiderou o específico momento e as concretas circunstâncias em que o A./Recorrente se sentiu lesado com a morosidade do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 04/04/2019 9. Por conseguinte, a decisão recorrida andou mal ao ter julgado procedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização prevista no artigo 498.º do Código Civil, na medida em que ainda não passaram três anos sobre a data em que o A./Recorrente teve conhecimento do direito de indemnização exercido na presente ação.

  8. Pelo que a decisão recorrida padece de erro de julgamento por violar não só o disposto no artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, como o sentido em que foram interpretadas e aplicadas tais normas jurídicas viola ainda o disposto o artigo 22.º da CRP que prevê constitucionalmente a Responsabilidade do Estado e das Demais Entidades Públicas.

  9. Devendo, em consequência, ser revogada por este Colendo Tribunal.

    O recorrido ESTADO PORTUGUÊS contra-alegou (fls. 493 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo: 1. O Recorrente, intentou a ação de indemnização contra o Estado, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual e formulou o pedido de condenação no pagamento da indemnização, no valor global no valor global de 15247,46€, acrescido de juros de mora.

  10. E peticiona que o Estado seja considerado responsável pelos danos causados em consequência de, no âmbito do Processo de Impugnação n.º 84/02.7BTAVR (n.º(s) anteriores 108/2002 e 3202/2004), não ter sido proferida decisão judicial, transitada em julgado, em tempo razoável e invoca a violação do artigo 97º n.º 1 da Lei Geral Tributária, artigo 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  11. O prazo geral de prescrição do direito de indemnização, por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública, é o estabelecido no artigoº 498º, n.º 1, do Código Civil.

  12. A douta sentença/saneador a quo absolveu o Réu Estado do pedido condenatório, com fundamento na prescrição do exercício do direito indemnizatório, invocando o preceituado nos termos conjugados dos artigos 1º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e 576º n.º 3 do Código de Processo Civil.

  13. O Recorrente carece de total legitimidade para invocar (cf. conclusões 4ª e 8ª) qualquer incumprimento sobre interpretação factual porque tal não corresponde à verdade, tendo sido feito uma análise criteriosa sobre o conceito do início do prazo de prescrição, previsto no artigo 498º do CC a nível doutrinal e jurisprudencial, em consonância com a interpretação dos factos apresentados na PI.

  14. Olvidando toda a argumentação clara e concisa apresentada na douta sentença recorrida para se “escorar” numa falácia porque não logrou “explicar” o seu comportamento após a data da segunda decisão em primeira instância, ou seja, em 20/04/2015, sendo certo que nem sequer contra-alegou nos recursos interpostos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

  15. A conclusão 4ª revela uma posição ambígua pois admite, a contrario que se o TCA Norte, em 2018, tivesse decidido no sentido da procedência do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR (atos de liquidação de IRS e respetivos juros de mora dos anos de 1997, 1998 e 1999), o decurso do prazo de 11/13 anos, contados desde a data propositura da ação referente à tramitação em primeira instância e constituem a causa de pedir na presente ação (cf. o alegado em 17º, 24º e 25º da PI) não lhe causa qualquer “lesão”.

  16. Não sendo suscetível de configurar um facto ilícito, causal e adequado, a constituir a obrigação de indemnizar.

  17. Esta posição ambígua decorre do facto de as decisões proferidas em primeira instância, datadas de 19/06/2013 e 20/04/2015, terem sido no sentido da procedência da impugnação apresentada pelo Recorrente.

  18. O artigo 498º do CC dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral do dano, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

  19. Como refere Carlos Cadilha: “Não se exige, no entanto, um conhecimento jurídico respeitante aos requisitos de responsabilidade civil, mas apenas um conhecimento empírico que permita ao lesado formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma atuação imputável a terceiro”. (in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”, Coimbra Editora, pag.122 e segs e Acórdão do STA, de 21 de Janeiro de 2003 – Proc.º n.º 1233/02)...

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