Acórdão nº 00408/15.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: L. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença de 04.11.2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual foi julgada a presente acção administrativa especial que o Recorrente move contra o Ministério da Administração Interna, para declaração de nulidade ou anulação da decisão de indeferimento de recurso hierárquico, proferida em 30.04.2015, que confirmou a aplicação ao ora Autor da pena disciplinar de suspensão por um período de 10 dias, totalmente improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.

Invocou, para tanto e em síntese, a nulidade insuprível da falta de notificação do seu mandatário da realização da inquirição de testemunhas no processo disciplinar; a nulidade do processo de averiguações e de todo o processo disciplinar que se lhe seguiu, por o Autor quando foi ouvido no processo de averiguações não ter sido constituído arguido e não ter sido advertido do direito de não prestar declarações, ou seja, do seu direito ao silêncio; a prescrição do procedimento disciplinar; a violação do princípio da imparcialidade; a inexistência de qualquer infração disciplinar; a falta de fundamentação de facto e de direito à posição assumida pelo arguido e a inconstitucionalidade de ser o mesmo o instrutor do processo de averiguações e do processo disciplinar, conforme artigo 86º do Regulamento de Disciplina da GNR por violação do princípio estruturante da actividade administrativa, consagrado no artigo 266º, bem como do artigo 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 107º do mesmo Regulamento, interpretado no sentido que é possível instaurar processo de averiguações quando já está devidamente identificado o autor das eventuais infrações, os factos que a integravam e as circunstâncias em que as mesmas tinham sido praticadas, por violação do artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que constitui uma supressão do direito à não autoincriminação, verificando-se, assim, uma violação do princípio da proporcionalidade.

O Réu não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.º O aresto em recurso enferma de nulidade prevista na al. c) do artigo 615 do CPC, na medida em que não conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas, mormente, da inexistência de qualquer infração disciplinar, quando pelo autor foi alegado que os factos reunidos e que determinaram a infração disciplinar não contemplam qualquer desrespeito por alguma regra de direito quer geral civil quer militar.

  1. - Além disso padece de nulidade por falta de fundamentação, nulidades que desde já se invocam para os devidos efeitos legais.

  2. - Salvo melhor opinião, julga-se que o ato impugnado é manifestamente ilegal, daí decorrendo a procedência dos pedidos formulados na presente ação.

    Na verdade, 4.º - A omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade constitui uma nulidade insanável, pelo que, não poderia o procedimento ser reformulado, mas mesmo que pudesse, nenhum acto do anterior procedimento poderia ser aproveitado.

  3. - Em todo o caso, quando o processo foi reformulado já se encontrava prescrito o procedimento disciplinar.

  4. - Dado que o instrutor do processo disciplinar é exatamente o mesmo que instruiu o processo de averiguações, que procedeu à inquirição e interrogatório do arguido, à inquirição de diversas testemunhas ainda na fase de averiguações e que propôs a instauração de procedimento disciplinar, verifica-se a violação do princípio da imparcialidade, sendo nulo todo o processo que levou à condenação do Autor.

  5. - Tendo em conta a utilização abusiva do processo de averiguações, impõe-se concluir que a prova produzida no processo de averiguações consubstancia uma nulidade insanável, o que, desde logo decorre do disposto no artigo 126.º, n.º 1 do CPP., ex vi do artigo 7.º RDGNR,, 32.º, nºs 2 e 8 e, 18º, nº 1 C.R.P, nulidade que se projeta à distância, abrangendo as outras provas posteriores que se referem aos mesmos factos, o que implica que tenha de ser dados como não provados todos os factos que constam da decisão.

  6. - Além disso o ato punitivo não está suficientemente fundamentado de facto e de direito, violando o imperativo constitucional consagrado no n.º 3 do artigo 268 da CRP e nos artigos 152.º e 153.º do CPA.

  7. - Na verdade o acto punitivo é completamente omisso quanto às razões justificativas de não concordância com a defesa apresentada pelo arguido, sendo que neste ponto até parece que se está a criar uma lei ad hoc, dado que não se indica quais os “determinados regulamentos e normas internas impõem que tal acto seja comunicado através das vias hierárquicas competentes”.

  8. - O artigo 86.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana interpretado no sentido de que um instrutor que tenha realizado o processo de averiguações, convertido em processo disciplinar, possa continuar como oficial instrutor é inconstitucional por violação do princípio estruturante da actividade administrativa, consagrado no artigo 266.º, bem como do artigo 32.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

  9. - Além disso, o artigo 107.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana interpretado no sentido que é possível instaurar processo de averiguações quando já está devidamente identificado o autor das eventuais infracções, os factos que a integravam e as circunstâncias em que as mesmas tinham sido praticadas, é inconstitucional por violação do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida que constitui uma supressão do direito à não autoincriminação, verificando-se, assim, uma violação do princípio da proporcionalidade.

  10. - Assim, as normas apontadas são inconstitucionais, e por isso, é ilegal a decisão que ora se recorre, por violação dos artigos 32.º, 266.º e 107.º todos da Constituição da República Portuguesa.

  11. - Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou, o disposto, entre outros preceitos; 154.º, 608.º, n.º 2, 615.º, do CPC, 18.º, 19.º, 32.º, 52.º, 269.º, 270.º, da CRP, 7.º, 12.º, 14.º, 46.º n.º 3, 81.º, 85.º, 86 RDGNR, 23º, EMGNR, 6.º, 44.º, 124.º, 125, CPA e 122.º, nº 1 CPP.

    * II –Matéria de facto.

    A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1) O Autor, L., é militar da Guarda Nacional Republicana (doravante designada pela forma abreviada GNR), com o n.º NNN/NNN, tendo desempenhado as funções de patrulheiro no Posto Territorial da GNR de (...) desde 09.10.2012 (cf. facto admitido por acordo – ponto 1.º da petição inicial e ponto 12.º da contestação; informação a folhas 60 do processo administrativo).

    2) Na sequência de uma participação apresentada em DD/MM/AAAA, foi ordenada, por despacho do Comandante em Substituição do Comando Territorial de (...) da GNR, datado de 18.07.2013, a abertura de um processo de averiguações respeitante ao aqui Autor, tendo sido nomeado para a instrução do processo S., adjunto do Comandante do Destacamento Territorial de (...) (Cf. despacho e participação a folhas 5 a 9 do processo administrativo).

    3) O Autor foi ouvido no âmbito do processo de averiguações, como visado, em 02.08.2013, bem como as pessoas diretamente envolvidas (Cf. autos de inquirição a folhas 21 a 36 do processo administrativo.

    4) Em 08 .08.2013, foi elaborado relatório, pelo Instrutor S., o qual “considerando o testemunho do militar visado e das testemunhas, o conteúdo dos documentos entranhados no processo e ainda de acordo com o constante na parte III – Matéria Averiguada/Conclusões”, propôs a conversão do processo de averiguações em processo disciplinar “em virtude de se mostrar suficientemente indiciada a prática de infração disciplinar por parte do Guarda n.º NNN/NNN – L., nomeadamente a omissão de deveres a que se encontra sujeito como agente da força de segurança, pois como soldado da lei, um militar da Guarda deve atuar de forma íntegra e profissionalmente competente” (cf. relatório final a folhas 39 a 43 do processo administrativo).

    5) Tal conversão veio a ser determinada por despacho do Comandante em substituição do Comando Territorial de (...) da GNR, de 06.09.2013 (cf. facto admitido por acordo – ponto 1.º da petição inicial e ponto 12.º da contestação; relatório final a folhas 39 a 43 do processo administrativo).

    6) Em 01.11.2013, o ora Autor foi notificado da instauração de processo disciplinar (cfr. facto admitido por acordo – ponto 2.º da petição inicial e ponto 12.º da contestação; certidão de notificação a folhas 57 do processo administrativo).

    7) Na mesma data, foi o Autor constituído arguido no processo disciplinar que teve por base “os factos constantes na participação efetuada pelo Sr. A., em DD/MM/AAAA e remetida ao Excelentíssimo Senhor Oficial do Serviço de Justiça da GNR” (cf. auto a folhas 58 do processo administrativo).

    8) O ora Autor prestou declarações como arguido, em 14.11.2013 (cf. auto a folhas 71 e 72 do processo administrativo).

    9)Em 06.02.2014, foi deduzida Acusação contra o ora Autor, do qual se destaca (cf. documento de folhas 97 e 98 do processo administrativo): “ACUSAÇÃO S., Tenente de Infantaria, Adjunto do Comandante do Destacamento Territorial de (...), Oficial Instrutor, faz saber ao arguido, Guarda n.º NNN/NNN – L., a prestar serviço no Posto Territorial de (...), que no processo disciplinar n.º PD 711/13CTLR, contra si instaurado, existe matéria indiciadora do cometimento de infração disciplinar (…).

    I – FACTOS QUE FUNDAMENTAM A APLICAÇÃO DE UMA SANÇÃO DISCIPLINAR (Alínea b) do n.º 1 do art.º 98º do RDGNR) 1º O arguido, Guarda n.º NNN/NNN – L., presta serviço como patrulheiro no Posto Territorial de (...), do Comando Territorial de (...), da Guarda Nacional...

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