Acórdão nº 00367/10.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução02 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO J., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por si intentada contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação improcedente.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A) O Acórdão Recorrido é nulo por contradição insanável entre os factos provados e fundamentação de facto e a posterior decisão (o Recorrente não recebeu nem remuneração, nem lucros) nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, em que considera que o A. recebeu remuneração sem qualquer fundamento de facto de direito; B) Ficou provado nos autos que entre 2005 e 2009 o Recorrente não recebeu qualquer valor pela sua atividade de Advogado; C) O Acórdão Recorrido, nem tão pouco o processo disciplinar deram ou conseguiram dar como provado, quer por documentos, quer por testemunhas, que entre 2003 e 2009 o Recorrente tivesse auferido qualquer remuneração pela sua atividade de Advogado, para depois concluir que, afinal, o Recorrente desempenhou atividade remunerada; D) Efetivamente, nem no processo disciplinar, e muito menos, como se viu nos presentes autos, existe qualquer facto concreto e rigoroso que prove através de documentos fiscais, contabilísticos, outros documentos, prova testemunhal ou pericial que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de Advogado; E) Apenas existe alegação, sem qualquer prova pericial, documental ou testemunhal; F) Existe, aliás, prova do contrário, documentalmente demonstrada nos autos e dado como provado também nos autos (facto 25)); G) O Acórdão recorrido não poderia também ter criado presunções, onde elas não existem e não são permitidas por lei; H) O facto do Recorrente ter participado na constituição de uma sociedade de advogados e o facto de ter celebrado o respectivo contrato de sociedade nada provam quanto ao facto de ter sido ou não remunerado pela sua atividade de advogado; I) O Recorrente, não obstante ter a carteira profissional de advogado, tem o direito - que não lhe está proibido por lei - de advogar em causas sociais ou familiares sem receber qualquer remuneração a título de honorários; J) O facto do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, como todas as sociedades civis e comerciais, estatuir que uma sociedade de advogados, seguindo o regime das sociedades comerciais ou civis, visa o lucro e o exercício em comum da advocacia, não pode, per se, significar que o aqui Recorrente exerceu a atividade de advogado de forma remunerada; K) Não existindo na lei nenhuma norma que faça presumir que a atividade de advogado é sempre remunerada, não poderia o Acórdão Recorrido ter decido da forma como o fez; L) Acresce que os lucros de uma sociedade civil ou comercial não são remuneração de atividade profissional. Um Docente Universitário, em exclusividade, tem direito a ser proprietário de quotas e ações - o que não está proibido por lei nenhuma - e a receber lucros das ações ou quotas de que seja titular.

M) Numa sociedade de advogados, como em outras sociedades civis e comerciais, há uma distinção jurídica clara entre lucros - o resultado anual da sociedade depois de pagar todas as suas despesas designadamente, no caso das sociedades de advogados, depois de pagar os honorários dos advogados (sócios ou não) que lá prestam serviços.

N) Logo os lucros não são remuneração de atividade, pelo que o seu recebimento não está interdito aos docentes como a todas as outras profissões que têm exclusividade.

O) Acresce que o Recorrente não recebeu nem remunerações - salários, honorários ou qualquer outra - nem lucros da Sociedade de advogados de que é sócio.

P) Não existem presunções quando se trata de apurar factos de natureza disciplinar; Q) Em consequência, é também com este fundamento ilegal que o Acórdão Recorrido deve ser revogado; R) No seguimento do tudo o já supra alegado, o Acórdão Recorrido viola também o princípio do “in dubio pro reo”, considerando que em processo disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração disciplinar cabe a quem detém o poder disciplinar; S) Não tendo a Recorrida consigo provar, mas apenas alegar através da sua falaciosa interpretação, que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de advogado por ser sócio de uma sociedade de advogados, o ato administrativo aqui impugnado é também ele ilegal; T) Da mesma forma, o Acórdão Recorrido padece de ilegalidade porque não deu como provado que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de advogado, tendo apenas presumido através da sua interpretação ilegal; U) O direito de instaurar o procedimento disciplinar encontra-se prescrito, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

V) Sem conceder, subsidiariamente, caso não se entenda que do Acórdão Recorrido cabe desde já Recurso, mas apenas Reclamação, deverá o presente Recurso ser convolado em Reclamação, por ser tempestivo (…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando o seu efeito e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida (i) enferma de nulidade por oposição entre fundamentos e decisão, bem como se (ii) incorre em erro de julgamento de direito, por (ii.1) errada aplicação e interpretação legal; (ii.2) por violação do principio in dubio pro réu; (ii.3) e por violação do artigo 6º, nº.2 do ECD [prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar].

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

* ** *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) Atentas as posições assumidas pelas partes, os documentos juntos com os articulados e integrantes do Processo Administrativo, estão provados os seguintes factos suficientes para a discussão e a decisão da causa: 1) O ora Autor celebrou contrato como Assistente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra a 22 de janeiro de 2002, contrato válido por seis anos e prorrogável por um biénio.

2) A 12 de abril de 2002 o ora Autor subscreveu renúncia ao desempenho de qualquer atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal nos termos do artigo 70.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária.

3) Durante os anos letivos 2005/2006; 2006/2007 e 2007/2008 o ora Autor esteve na situação de dispensa de serviço docente com vista a preparação de doutoramento, ao abrigo do artigo 27.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária.

4) Em 21/03/2003 foi registada, junto da Ordem dos Advogados, a constituição da sociedade "P. e Associados - Sociedade de Advogados", a qual iniciou a sua atividade na mesma data (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a Fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar).

5) Pode ler-se no referido registo das sociedades de advogados (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar): «Objecto - o objecto social é o exercício, pelos sócios e em comum da advocacia com o fim de repartição dos resultados.

Participação de capital - o capital social é de dez mil euros, está integralmente realizado em numerário e dividido nas seguintes participações: a) Uma quota de valor nominal de seis mil euros pertencente ao sócio J.; (...) Sócios a) Dr. J., que também assina J., advogado titular da cédula 2436, Coimbra; b) (...) Administração - a administração da sociedade cabe aos sócios e esta obriga-se com a assinatura de qualquer dos administradores exceto estipulação em contrário da assembleia geral.

Participação de Indústria - os sócios Participação de indústria: os sócios participam com a sua indústria; são criadas mil partes e a participação é proporcional das quotas:» 6) Em 9/12/2005 foi averbada no registo de inscrição da sociedade de advogados supra referida, uma alteração ao pacto social, passando a constar (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar: «Firma - a sociedade adota a denominação "J. e Associados - Sociedade de Advogados RL" (responsabilidade limitada).

A sociedade de advogados tem um segundo escritório na Avenida (...), seis, Edifício (...).

Aumento de capital social - o capital social passa de dez mil euros para vinte mil euros, por reforço das quotas de seis mil euros pertencente ao sócio Dr. J., em seis mil euros, sendo que este sócio fica titular de uma quota de doze mil euros, e da quota de dois mil do sócio Dr. B. em mais dois mil euros, ficando este sócio com uma quota de quatro mil euros».

7) A 24 de outubro de 2007 o ora Autor foi questionado através do ofício 844/SA/07, remetido pelo Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Economia, no sentido de informar se considerava estarem reunidas as condições para manter o regime de exclusividade de funções, dado que na página do Centro de Estudos Sociais constava no campo “Outras...

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