Acórdão nº 88/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O....., Lda., interpôs providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo contra Turismo de Portugal, I.P., pedindo a suspensão da produção de efeitos do ato de indeferimento da classificação como apartamentos turísticos da autora, ato proferido em 19/10/2018 pela Diretora do Departamento de Estruturação da Oferta do Turismo de Portugal, I.P.

Alega, em síntese, que o ato em causa viola o princípio constitucional da confiança e assenta em erro nos fundamentos e erro sobre a lei aplicável, ocorre risco de quebra de confiança e de reputação junto dos clientes e centrais de reservas com repercussões que inviabilizam a reconstituição in natura da situação previamente existente, e inexistem danos para o interesse público advindos da suspensão de eficácia do ato administrativo.

Citada, a entidade demandada deduziu oposição, sustentando a improcedência da providência, por falta de verificação dos pressupostos legais.

Por sentença datada de 10/02/2020, o TAF de Loulé julgou a providência totalmente improcedente.

Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. Os factos provados DD) e EE) são errados: nem a entidade requerida podia ignorar – pelo contrário, identificou expressamente – a divergência entre os números de fracções que constituíam os edifícios onde se encontram as J.....

, nem a entidade requerida desconhecia, em 2010, como se afirma no facto provado EE), que havia fracções não dadas à exploração turística nesses edifícios, pois tinha os documentos que o provavam na sua posse desde Janeiro de 2007; 2. Tais factos devem por isso ser substituídos por outros que dêem com provado que a entidade requerida se apercebeu, em Janeiro de 2007, que o número de fracções que constava do título constitutivo era inferior ao número de fracções que constava da Autorização de Abertura de Setembro de 1994 e que a entidade requerida sabia, desde Janeiro de 2007, que havia fracções daqueles imóveis que não estavam dadas à exploração turística; 3. Pela mesma razão, é errado o pedaço inicial do facto provado LL): não foi “apenas” na vistoria de 2014 que a entidade requerida se deu conta que havia fracções não destinadas à exploração turística; 4. O facto não provado 3) nunca foi alegado pela ora recorrente e, por isso, o que pode e deve ser dado com provado, porque é facto útil à boa decisão da causa, é que a ora recorrente perguntou em sede de audiência prévia à entidade requerida, conforme consta do doc. 8 junto como o r.i., se podia elaborar o título constitutivo exibindo a descontinuidade dos pisos e que não obteve, até hoje, resposta; 5. A sentença em crise ignorou todos os factos que, alegados pela ora recorrente, sustentam o periculum in mora e demonstram o prejuízo desta que resultaria da execução do acto suspendendo; 6. O primeiro facto que deve ser dado com provado, que é público e notório, porque resulta da lei, é, portanto, este: A não classificação dos A.....

significa o fim da sua abertura ao público até que seja decidido, a final, a acção principal; 7. O segundo facto, que é igualmente público e notório, porque decorre da lei, é que o encerramento das J.....

significa que o ora recorrente deixará de auferir a remuneração que teria expectativa legítima de receber pelo período em que durar a acção principal; 8. O terceiro facto que ficou demonstrado por documentos é que os A.....

tiveram, nos anos de 2015 a 2018, taxas médias de ocupação que variam entre 42% e 50,25% (valor médio anual) – doc. 11 junto como o r.i.; 9. O quarto facto que resulta da prova documental é que essa taxa de ocupação gerou uma receita anual, para os anos de 2017 e 2018, de €1.540.251,73 e de €1.269.117,31, respectivamente – doc. 12 junto com o r.i. (valor de facturação, sem IVA); 10. O quinto facto provado por documentos é que, para o ano de 2019 (o que estava, à data de distribuição da providência, em causa), seria normal que estes níveis de facturação se mantivessem porque se encontram (encontravam) já assinados com as agências de viagens e centrais de compras os contratos para esse ano – doc. 19 junto com o r.i.; 11. O sexto facto que resulta provado, de resto pela própria alegação da entidade recorrida, é que não existe dano quantificável para o interesse público que resultaria da suspensão da eficácia do acto administrativo de Outubro de 2018, porque os A.....

funcionam há 34 anos na mesma situação fáctica e jurídica que existia na data da prática do acto cuja suspensão se requereu, sem que a Requerida, ou a sua antecessora Direcção Geral do Turismo alguma vez tenha praticado qualquer acto que, mesmo que remota ou indirectamente, pudesse significar o encerramento, ainda que temporário, do empreendimento explorado pela ora recorrente; 12. Restam, no direito, os dois problemas interligados da existência de descontinuidade de unidades dadas à exploração turística (ponto 1) de fls. 24 da sentença) e da falta de título constitutivo do empreendimento; 13. É impossível à ora Recorrente assegurar o princípio dos “pisos completos”, porque a tal se opõe a realidade jurídica de que se constituíram direitos de propriedade, ao abrigo do direito vigente ao tempo das compras e vendas, que não podem ser revertidos; 14. O título constitutivo não está em falta – existe e foi entregue em Janeiro de 2007, como o documento constante do instrutor o prova – , padecerá porventura de defeitos que poderiam comprometer a sua aptidão a ser recebido em depósito na entidade requerida, e que são, exclusivamente, a dúvida que então surgiu no espírito da entidade requerida sobre o cumprimento do princípio dos “pisos contínuos”; 15. Os A.....

foram licenciados em 15 de Setembro de 1994 como Apartamentos Turísticos de 2ª Categoria – facto provado E); 16. Não existia, na legislação então aplicável, qualquer exigência de que as unidades de alojamento em exploração turística não podiam coexistir com outras que não se encontrassem em exploração turística, nem se exigia que as unidades que se encontrassem em exploração ocupassem pisos completos 17. No que interessa aos fundamentos do acto contra o qual se requereu a presente providência, isto é, à coexistência das unidades de alojamento em exploração turística com outras destinadas a outros fins e à ocupação de pisos completos por aquelas unidades, o do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, manteve expressamente, na sua redacção original - art.º 14.º -, a possibilidade de coexistência, no mesmo edifício, de fracções ou unidades destinadas à exploração turística com fracções destinadas a outros usos, mas passou a exigir que as unidades destinadas à exploração turística abrangessem pisos completos e contíguos; 18. Foi neste quadro legal que ora recorrente requereu, em 28 de Janeiro de 2009, que fosse confirmada a classificação dos A.....

em Apartamentos Turísticos de 3 estrelas – facto provado V); 19. Esse pedido foi deferido, sem quaisquer condições, em 22 de Outubro de 2010, com a anotação de que se fazia (realce acrescentado) “um alerta para se proceder à elaboração do título constitutivo” e a Requerente foi notificada desse acto em 4 de Novembro de 2010 – facto provado AA).

20. No momento da prática do acto de 22 de Outubro de 2010, a Requerida entendeu que a informação de que dispunha – e que expressamente incluía a nota da existência de descontinuidade, por piso, nas fracções destinadas à exploração – era suficiente e adequada à prática do acto administrativo, definitivo e executório, que confirmou que os A.....

se encontravam em condições de serem classificados/reconvertidos como apartamentos turísticos com a categoria de 3 estrelas, ao abrigo, no sentido e com o alcance do disposto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março; 21. Decidindo justamente o oposto do que entendeu no acto suspendendo 2018 não ter condições para praticar; 22. No plano dos factos ou da situação jurídica, nada se alterou nos AA.....

entre 22 de Outubro de 2010 e 10 de Abril de 2015, data da notificação para exercício do direito de audiência prévia do projecto de decisão de não renovação da classificação dos A.....

como apartamentos turísticos de 3 estrelas, ou entre 10 de Abril de 2015 e 19 de Outubro de 2018, data do acto contra o qual se requereu a providência; 23. O acto contra o qual se requereu a presente providência violou a lei, em primeiro lugar, porque os fundamentos invocados pelo Turismo de Portugal (coexistência nos mesmos pisos de fracções destinadas à exploração turística com fracções destinadas a outros fins e inexistência de título constitutivo) para a prática do acto ora impugnado existiam já, inalterados, em Outubro de 2010, quando o mesmo Turismo de Portugal praticou acto de sentido justamente oposto; 24. Essa circunstância exibe o erro quanto aos fundamentos que ocorre no acto contra o qual se requereu a presente providência, correspondente a uma valoração em sentido oposto do que antes tinha sido fundamento de deferimento; 25. O Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, tanto na sua redacção inicial quanto na sua redacção actual, não pode ser interpretado, sob pena de violação grosseira do princípio da confiança, no sentido de que se aplica ta quale, determinando a cessação daquela classificação, mesmo naqueles casos, como é o dos A.....

, em que a situação jurídica referente à não ocupação de pisos inteiros pelas fracções destinadas a exploração turística foi sendo constituída ao abrigo de legislação que expressamente a admitia, mantendo-se todavia a classificação de apartamentos turísticos; 26. É conhecida a jurisprudência consolidada e uniforme do Tribunal Constitucional sobre a protecção constitucional do princípio da confiança, traduzida, essencialmente, nos Acórdãos 86/84, 303/90, 128/2009, 187/2013 e 413/2014, entre muitos outros: 27. Pode dizer-se que o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo...

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