Acórdão nº 1044/18.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: O ESTADO PORTUGUÊS vem, no âmbito da presente acção administrativa que contra si foi intentada pela L.... – S.... Ldª, recorrer da sentença que o condenou a pagar a esta sociedade a quantia de três mil quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e três cêntimos, a título de indemnização pela demora excessiva registada na decisão do proc. n.º 1927/08.7BELSB.
Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: 1- O instituto da responsabilidade civil extracontratual pressupõe a existência de um facto ilícito, de um dano, da verificação do nexo de causalidade entre aquele facto e o dano e da culpa do agente (art.º 483º. nº 1 do CC e Lei nº 67/2007, de 31/12). Contudo o Tribunal "a quo” sem sequer se debruçar sobre a existência de um facto ilícito, invoca, desde logo a suposta alegação da existência de danos morais, encerrando assim o litígio.
2- Sucede que a verificação de danos decorrentes da violação do direito fundamental a decisão judicial num prazo razoável, depende intrinsecamente da existência de tal violação, e que no caso não foi minimamente demonstrado 3- O Tribunal "a quo" não conheceu dessa violação, e portanto da existência do facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aqui em causa.
4- Só depois de objetivamente provada e fundamentada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral.
5- Termos em que o Juiz "a quo" deveria necessariamente ter aferido da existência de facto ilícito, antes de analisar os danos enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
6- Verificando-se no caso sub judice.
uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal "a quo”, que desde já se invoca e que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art.º 615º. nº 1, al. d) do CPC.
7- Já que, o Tribunal "a quo” não conheceu em absoluto de todas as considerações feitas pelas partes, por as refutar desnecessárias para a produção de prova e consequente resolução da causa.
8- Isto é, no caso vertente, não apreciou os motivos e considerações invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista.
9- Nem sequer foram apreciadas as teses do Réu Estado, apresentadas na sua contestação.
10- A sentença recorrida carece do objectividade já que não está minimamente fundamentada, socorrendo-se, de apreciações para além de opinativa, teóricas e jurisdicionais.
11- Não decorre da lei que as acções ou omissões praticadas no exercício das "funções públicas, e por causa desse exercício, geram sempre” e automaticamente responsabilidade civil e por isso, um dano.
12- Termos em que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento.
13- Violando ainda o disposto no artº 615o, n° 1, als. b) e d) do C.P.C.” A Recorrida apresentou recurso subordinado, em que concluiu: 1) Conforme resulta de fls., a Autora/Recorrente interpôs a presente ação, pedindo a condenação do Réu no pagamento de € 15.000,00, alegando o que supra se transcreveu; 2) Regularmente citado, o Réu/Recorrido apresentou contestação, tendo sido proferido Despacho Saneador a aferir da regularidade da instância e realizada a audiência de julgamento; 3) O Tribunal a quo proferiu a Sentença ora recorrida, decidindo o que supra se transcreveu; 4) O entendimento patente na Sentença recorrida, na parte julgada improcedente, não corresponde à melhor aplicação do Direito e Justiça; 5) Bem entendeu a Meritíssima Juiz do tribunal a quo ao julgar verificado, no caso concreto, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que a Autora imputou ao Réu por atraso na justiça, concluindo pela condenação deste no pagamento de indemnização à Autora; 6) Ocorreu violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.°, n.° 4 CRP, artigo 6.°, n.° 1 CEDH e nos termos do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado); 7) A procedência do pedido da Autora foi legal e justamente determinada, uma vez que dúvidas não existem de que, efetivamente: a) Há que atender à tramitação do processo em tribunal desde a data da instauração do processo (26.08.2008) à data do trânsito em julgado da decisão final (14.07.2015) (FACTO); b) Verificou-se a ilicitude, uma vez que a duração do processo judicial foi superior àquela que seria expectável (ILICITUDE); c) Verificou-se a culpa, a qual se presume (CULPA); d) Verificaram-se os respetivos danos, relativamente aos quais beneficia também, justificadamente, a Autora de uma presunção natural quanto ao dano moral comum a todos os casos de atraso na justiça (DANOS); e) Verifica-se o nexo causal entre o facto e os danos (TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA); 8) Nunca se podendo colocar em causa a força vinculativa das decisões prolatadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, consagrada legalmente no artigo 46.°, n.° 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, relativamente aos Estados Contratantes da referida Convenção, no qual se inclui o Réu; 9) É absolutamente inequívoco que, tal como consta da Sentença de fls., “os entendimentos expendidos por aquele órgão jurisdicional se revelam um elemento hermenêutico de maior importância a atender, com vista à densificação, interpretação e aplicação das normas vertidas na CEDH"; 10) O prazo razoável apresenta-se como uma questão de facto cujo ónus da prova recai sobre o Réu, incumbindo-lhe fornecer as explicações sobre os motivos dos atrasos verificados5, explicações que não foram dadas nos autos, desde logo pela inexistência de respetivos fundamentos, como bem entendeu o tribunal a quo; 11) Ficou devidamente demonstrado nos autos, e bem, que: a. Entre a data da entrada da ação e a data do trânsito em julgado decorreram 7 anos e 16 dias, sendo este facto imputado ao Réu (FACTO); b. Tal demora não é aceitável para os critérios do homem médio (ILICITUDE); c. Como tal verificou-se um defeituoso funcionamento do serviço público de justiça (CULPA); d. Ocorreram danos que, desde logo, a lei considera presumidos, os quais merecem a tutela do direito, porquanto são danos com suficiente gravidade que justificam a atribuição de uma indemnização (DANOS); e. Uma pessoa coletiva pode receber uma indemnização por danos não patrimoniais; 12) Ficou também devidamente demonstrado nos autos, e bem, que, no que diz respeito ao Processo n.° 1927/08.7BELSB: a. Estamos perante um processo cujas questões de facto e de direito são de baixa complexidade; b. O processo, na 1.
a instância, foi decidido por Saneador-Sentença; c. O direito ao recurso exercido pela Autora (os dois recursos apresentados na 2.a e 3.a instâncias) debruçaram-se apenas sobre questões meramente processuais e não sobre questões de fundo; 1 Vide Acórdão Ruotolo, de 27.02.1992, A 230-D, p. 39, parágrafo 37.
d. Não houve sequer lugar a instrução na 1a instância; e. As partes não litigaram com imperícia ou de forma gravemente prejudicial à celeridade da lide, tendo apenas apresentado alguns Requerimentos e exercido o seu direito a recurso; f. Os recursos apresentados não foram a causa da delonga da tramitação do processo; 13) I - Da circunscrição do período a atender para efeitos da apreciação da responsabilidade do Réu pela violação do direito da Autora à obtenção de decisão em prazo razoável: sucede que, pelo tribunal a quo, não foi tido em conta a demora processual ocorrida no decurso processual da 1.
a instância, por ter entendido, a nosso ver, salvo devido respeito, incorretamente, que “o processo foi tramitado de forma perfeitamente ordinária, sem quaisquer momentos mortos ou anomalias a assinalar” (vide página 14 da Sentença, parágrafo 4.°), o que não se compreende, pois não corresponde à verdade; 14) Se o processo em sede de 1a instância: a. Inicia os seus termos no dia 26.08.2008; b. Envolveu apenas duas partes; c. Como articulados são apresentados apenas uma Contestação, uma Resposta às exceções deduzidas na Contestação; d. Foi proferido Despacho Saneador; e. E proferida Sentença em 24.08.2010, 15) Não se compreende como se poderá entender que não ocorreram “momentos mortos”, uma vez que nem sequer ocorreu lugar a instrução (não foram inquiridas testemunhas); 16) Tendo o processo, em sede de 1.a instância, decorrido cerca de 2 anos, razão pela qual este período em que o processo correu os seus termos na 1.ª instância também deverá ser tido em conta para efeitos da circunscrição do período a atender na apreciação da responsabilidade do Réu pela violação do direito da Autora à obtenção de decisão em prazo razoável; 17) A CEDH exige o respeito pelo prazo razoável, sublinhando a importância que atribui a uma justiça administrada sem atrasos que venham a comprometer a sua eficácia e credibilidade6; 2 Vide Acórdãos Guincho, A 81, p. 16, parágrafo 38, H / França, de 24.10.1989, A 162. Pp. 22-23, parágrafo 58, e Vernillo, de 20.02.1991, e A 198, p. 14, parágrafo 38.
18) Incumbe aos Estados organizar o seu sistema judiciário de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre as contestações relativas a direitos e obrigações de caráter civil7; 19) No decurso dos referidos 2 anos em sede de 1.
a instância não se poderá invocar que foi por razões de boa administração da justiça que ocorreu tal delonga; 20) Não se colocando em causa que o prazo razoável cobre todo o processo incluindo as instâncias de recurso, para efeitos da circunscrição do período a atender para efeitos da apreciação da responsabilidade do Réu pela violação do direito da Autora à obtenção de decisão em prazo razoável, deverá também ser considerado o prazo de 2 anos em que o Processo n.° 1927/08.7BELSB correu os termos na 1.ª instância; 21) E, consequentemente, ser atribuído o valor total peticionado pela Autora; 22) Devendo, para esse efeito, ser revogada a Sentença na parte ora recorrida, devendo ser substituída por outra que tenha em conta o prazo de 2 anos em que o Processo n.° 1927/08.7BELSB correu os...
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