Acórdão nº 335/19.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO A... Turismo SGPS SA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de actos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, datado de 20 de Dezembro de 2018, que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida objeto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal nº 3....

A decisão recorrida foi proferida na sequência de Acórdão prolatado por este Tribunal, datado de 14 de Novembro de 2019, que anulou a sentença de improcedência proferida a 14 de Junho de 2019, e ordenou a baixa dos autos à primeira instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e competentes diligências instrutórias.

A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma: “ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO A. Em face da prova documental produzida, por se mostrar relevante à aplicação do direito face às soluções jurídicas plausíveis, designadamente no que concerne ao juízo sobre o momento em que foram praticadas as irregularidades e à sua qualificação, impõe-se aditar à matéria dos factos provados os seguintes factos: 1. O contrato de investimento previa a prestação de uma garantia bancária emitida a favor da AICEP para garantia da obrigação de reembolso do incentivo financeiro (cfr. cláusulas décima terceira, décima quarta e anexo VI do contrato de investimento).

2. Em 10 de Dezembro de 2013 a AICEP executou a garantia bancária no valor de €2.835.822,04 (cf. consta do documento n.º 17 junto pela AICEP após despacho do Tribunal Recorrido de 18.12.2019).

  1. Acresce que os pontos C) e F) da matéria de facto dada como provada têm natureza conclusiva na medida em que não concretizam exactamente quanto, em que circunstâncias e termos foram mantidos os aí referidos negociações e contactos. Por esta razão entende a Reclamante, ora Recorrente que tais pontos devem ser retirados da matéria de facto e, por ser relevante, deve ser acrescentado o seguinte: C. A Reclamante e a O..., SCR, SA subscreveram uma carta datada de 23 de Janeiro de 2014, enviada à AICEP, na qual expuseram o seguinte plano de reestruturação do passivo financeiro do Grupo: “(…) «Imagem no original» D. Ainda em relação à matéria de facto considerada provada, apesar de não o fazer constar no elenco dos factos dados como provados, o Tribunal a quo na pág. 11 da sentença recorrida, referindo-se à resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2014, de 04.11.2014, assume o seguinte facto: “(…) atento o disposto no Artigo 14.º da mencionada Resolução: Efeitos da resolução do contrato 1. A resolução do contrato nos termos do artigo anterior implica a perda total dos benefícios fiscais concedidos desde a data da aprovação do mesmo, e ainda a obrigação de, no prazo de 30 dias a contar da respectiva notificação, e independentemente do tempo entretanto decorrido desde a data da verificação dos respectivos factos geradores de imposto, pagar, nos termos da lei, as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas de juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º das lei geral tributária.

    2. Na falta de pagamento dentro do prazo de 30 dias referido no número anterior, há lugar a procedimento executivo.” E. Ora, tal texto, que apenas se refere a benefícios fiscais, não consta da referida resolução (cfr. documento a fls 1780-1799 – registo 006821796 dos presentes autos) pelo que deve ser tal facto eliminado.

  2. Pelo que antecede deverá o Ilustre Tribunal ad quem rever o juízo sobre a matéria de facto dada como provada promovendo os aditamentos ao probatório por complementação e substituição peticionados e eliminando do probatório os factos indicados.

    ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO DA INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO G. “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.” (§3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95).

  3. Tal “(…) ato deve circunscrever com suficiente precisão as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades para constituir um «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento», (…)” (cfr. § 41 e §43, Acórdão do TJUE no Processo C-52/14 -“Pfeifer & Langen GmbH & Co. KG” sublinhado nosso).

    I. A Recorrente nunca foi notificada de qualquer «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários. Tal acto apenas foi levado ao conhecimento da C..., por carta datada de 29.07.2013.

  4. Tratando-se aqui de um procedimento administrativo, para que tal obrigação lhe fosse exigível era necessário que, antes de transcorrido o respectivo prazo de prescrição, tivesse sido levado ao conhecimento da Recorrente qualquer acto tendo em vista instruir ou instaurar tal procedimento contra a própria Recorrente, com cumprimento das demais garantias dos administrados perante a administração, legal e constitucionalmente previstas, designadamente o direito ao contraditório. O que não sucedeu.

  5. E nem se diga ter a resolução do Conselho de Ministros, de 04.11.2014, a virtude de constituir um «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários, porquanto, a mesma é totalmente omissa quanto a quaisquer “as operações sobre as quais [recaíam] suspeitas de irregularidades” ou mesmo sobre a possibilidade de aplicação de medidas administrativas associadas à reposição do incentivo financeiro financiado com recurso a fundos comunitários, constituindo, quando muito, a decisão final de tal procedimento.

    L. Ao considerar que a resolução do Conselho de Ministros, de 04.11.2014 constitui causa de interrupção da prescrição, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por violação do disposto no artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95.

  6. Com esta apreciação o Tribunal a quo contraria a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul nos presentes autos. Com efeito se, no Acórdão proferido, esse Ilustre Tribunal entendeu que a prescrição se iniciava com a prática da irregularidade e não com a publicação da resolução do Conselho de Ministros e se considerou que existia défice instrutório por não serem conhecidas eventuais causas de interrupção da prescrição é porque, naturalmente, desqualifica a resolução do Conselho de Ministros como «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade.

    Sem prescindir, N. Ainda que no contrato de investimento se tenha convencionado que as notificações a realizar nos termos do mesmo seriam todas realizadas à sociedade C..., tal regra, de natureza convencional, não é aplicável no caso em apreço, porquanto a norma do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, que determina que o acto susceptível de interromper a prescrição tenha que ser dado a conhecer à pessoa em causa, não só se impõe directamente na ordem jurídica portuguesa, tendo o Estado Português relativamente à mesma o dever de lealdade, como, acima de tudo, tem, natureza garantística.

  7. Por estas razões tal norma não é susceptível de derrogação por via convencional, mais a mais, em matéria de procedimento administrativo, domínio no qual se impõe que o início do procedimento seja notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (cfr. n.º 1 do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo).

  8. Acresce que, nos termos do artigo 179.º do Código do Procedimento Administrativo, quando, por força de um acto administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, a instauração da execução fiscal apenas tem lugar na falta de pagamento voluntário no prazo fixado. A Recorrente não foi notificada para proceder voluntariamente ao pagamento da quantia exequenda, tendo, apenas conhecido que a AICEP a responsabilizava pela dívida aqui em causa no momento em que foi citada.

  9. Admitir tal procedimento consubstanciaria uma violação das garantias dos administrados, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade esta que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

  10. Antes de 29.07.2018, não foi levado ao conhecimento da Reclamante, qualquer acto emanado da AICEP “tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade” contra si. Aliás, a sua responsabilização, por parte da AICEP, pela obrigação de reposição dos fundos comunitários que integra a dívida exequenda (que veementemente se recusa e está a ser objecto de contestação em sede própria) só foi conhecida com a citação a 29.07.2019.

  11. Nem a notificação da C... por carta datada de 29.07.2013, nem quaisquer propostas de pagamento apresentadas por aquela sociedade, têm a virtude de interromper a prescrição relativamente à Reclamante, porquanto as causas de interrupção do prazo de prescrição de uma dívida da responsabilidade (alegadamente) solidária de vários devedores têm de se verificar em relação a cada devedor.

  12. Com efeito, as causas de suspensão ou interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produzem efeitos em relação ao devedor solidário por serem pessoais de cada devedor (cfr. artigo 521.º do Código Civil).

  13. Importa também sublinhar que em nenhum momento a Reclamante reconheceu como sua a dívida aqui em análise. Nos contactos mantidos entre a Reclamante, ora Recorrente, e a AICEP no contexto da reestruturação...

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