Acórdão nº 356/13.5BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRICARDO FERREIRA LEITE
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Réu ESTADO PORTUGUÊS, vem interpor recurso da decisão do T.A.F. de Almada, de 18.11.2019, que julgou parcialmente procedente a acção contra si instaurada por R…..

e mulher M…..

, farmacêuticos, melhor identificados nos autos, por si e em representação de S….. LDA e de F….., SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA.

A decisão em crise condenou o Estado Português a efetuar o pagamento de 14 mil euros à S….. Ld.ª e de 7 mil euros a cada um dos Autores singulares, R….. e mulher M…...

O recorrente formulou as seguintes conclusões: “1- A sentença recorrida não contém um único facto atinente ao pedido indemnizatório por danos não patrimoniais de 14 mil euros á S…..

Lda, nem quaisquer razões de direito que fundamentem a condenação em indemnização fixada equitativamente nos termos do artigo 496º, n.º3, do CC.

2 – Até porque, sendo a autora uma sociedade comercial, não podia a douta sentença considerar que sofreu danos de natureza não patrimonial susceptíveis de ressarcimento, isto é, de compensação pecuniária pois sofreu, quando muito, "danos patrimoniais indirectos”.

3 - Porque viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil), padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n. 1 do art. 615.º do CPC.

4 -Ainda que assim se não entenda, sem conceder, incorreu em erro de julgamento ao considerar que estavam verificados os requisitos legais da responsabilidade civil extra-contratual, designadamente no que respeita ao dano.

5 - Porque não aplicou acertadamente o Direito aos factos provados, ao concluir pela responsabilização do Estado Português, deve ser alterada, e julgada a acção totalmente improcedente por não provada, e em consequência, o R. Estado ser absolvido do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais atribuídos à sociedade comercial S…..

, Lda.

6 – Pois, tendo as sociedades comerciais como objectivo único a obtenção do lucro, o bom nome e a reputação apenas lhes interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar, apenas podendo produzir a sua ofensa, quando muito, um dano patrimonial indirecto, ou seja, um reflexo negativo na potencialidade de lucro a auferir, não sendo, pois, susceptível de indemnização por danos estritamente morais, que apenas afectam os indivíduos com personalidade moral.

7 - A douta sentença não demonstra que o facto de não ter ocorrido a decisão em prazo razoável se repercutiu negativamente na potencialidade de lucro inerente ao exercício da actividade que a Autora desenvolve, não podendo sequer afirmar-se a existência de dano patrimonial indirecto indemnizável.

8 - E, sendo a autora uma sociedade comercial, não podia a douta sentença considerar que sofreu danos de natureza não patrimonial susceptíveis de ressarcimento, ou seja, de compensação pecuniária.

9 - Acresce que, a responsabilidade civil extra-contratual do Estado por violação de direito a uma decisão judicial em prazo razoável não é uma responsabilidade objectiva ou que resulte directamente da lei. Aliás, o art° 12° da Lei 67/2007 estabelece que é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.

10 - Sendo assim, também relativamente aos danos não patrimoniais, e por maioria de razão, atenta a sua natureza, impendia sobre os AA. o ónus de alegar e demonstrar os factos donde o tribunal pudesse retirar a conclusão de que aos AA., sobrevieram danos dessa natureza.

11 - Além de que, como tem sido unanimemente aceite pela jurisprudência, nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis, mas apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - art° 496° n° 1 do CC.

12 - A jurisprudência citada na douta sentença recorrida quanto aos danos “morais generalizados e comuns” é respeitante a pessoas singulares, bem se compreendendo que possa considerar-se comum e relevante o sofrimento e ansiedade que nestes casos afectam de forma relevante as pessoas singulares.

13 - Mas já não assim quando os lesados são pessoas colectivas, sociedades comerciais, sendo que, mesmo admitindo – o que não se concede - que possam ser merecedoras de indemnização por danos não patrimoniais, devem alegar os factos em que os danos morais se traduziram, não sendo elas susceptíveis de sofrimento e de ansiedade, comuns — às pessoas singulares – nestas situações.

14 – No caso presente, os factos dados como provados estão claramente abaixo do ponto onde se situa a fasquia da gravidade exigida pelo n.º1 do artigo 496.ºdo CC. Pois, admitindo que as sociedades comerciais possam ser compensadas por danos não patrimoniais, a sua natureza leva, no entanto, a maior exigência quanto à gravidade merecedora da tutela do direito do que a relativa às pessoas singulares.

15 - Acontece que os AA. não alegaram qualquer facto demonstrativo da verificação de danos não patrimoniais e da sua gravidade.

E, sendo assim, a sentença não pode manter-se, impondo-se, nesta parte, a absolvição do Réu do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

16 - A admitir que os Autores sofreram danos - sem conceder – sempre se dirá que o valor indemnizatório atribuído na sentença recorrida é ilógico, sendo o montante fixado – calculado tendo como suporte “cada ano que decorreu para além de 4 anos” , omitindo que se deveu verdadeiramente à complexidade (o tipo/pluralidade de actuações delituosas participadas, aos elevados períodos de tempo de actuação dos arguidos (1993 a 1998), ao seu número e de documentos (11 apensos) e bem assim, á complexidade da investigação da matéria denunciada que forçosamente levou à efectivação de perícia contabilística e financeira e realização de buscas e apreensão de acervo documental.

17 – Sendo manifestamente exagerado, pelo que, foi incorrectamente doseado e, como tal, merecendo censura, deve ser substancialmente reduzido por se mostrar absolutamente infundado e desadequado aos princípios de equidade (invocado) e razoabilidade.

18 - Pecando por excesso, por a matéria dada como provada não sustentar o juízo quantitativo de equidade formulado pelo Tribunal, sempre deveria ser, neste ponto, alterada a decisão, fixando-se a indemnização à S…..

, Lda e a cada um dos Autores singulares num valor mais ajustado com a análise da matéria de facto dada como provada.

19 - E, decidindo como decidiu, este Tribunal, violou o disposto nos artigos 496.º, n.º3 e 562.º do C.C. e arts. 3º e 12° da Lei 67/2007 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.” Os recorridos nas suas contra-alegações manifestaram a sua discordância em relação ao aventado pelo MP, nas suas alegações, sem, contudo, apresentarem quaisquer conclusões.

*II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPT

  1. Para além das nulidades assacadas à decisão em crise, por alegadamente não especificar os fundamentos de facto e de direito que a estribam e/ou por os mesmos estarem em oposição com a decisão e/ou ocorrer alegada ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível [alíneas b) e c) do artº 615º do CPC], a questão suscitada pelo recorrente prende-se com aferir da alegada impossibilidade em ressarcir, por danos morais, uma pessoa coletiva e se a sentença ora posta em crise deveria, no seu elenco factual, ter contemplado factos que estribassem esses mesmos danos, motivando em conformidade a respetiva convicção e, não o fazendo, incorreu em nulidade.

*II. Factos (dados como provados na sentença recorrida): 1. – Em 24 de Julho de 1998, os Autores R….. e mulher, M….., por si e em representação de S….. ldª, com sede na Rua …..; V….. Ldª que usava a Firma de F….. , com sede na ….., f….., com domicílio na Rua ….. apresentaram, na Secretaria do Ministério Público do Tribunal Judicial de Setúbal, uma queixa crime contra L….., Lda - Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede na Rua ….. , L….., contabilista e mulher E….., ajudante técnica de farmácia, com domicílio na Rua A….. e P….. e marido V….., então residentes na Rua …..o ( cfr. fls 75 e seguintes dos autos em suporte de papel).

  1. Na sequência do mencionado no facto provado anterior foi instaurado o processo nº 614/98.7TASTB que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Setúbal pela 1ª Secção B ( cfr. autos em suporte de papel e acordo).

  2. Em 21 de Setembro de 1998, foi aberta conclusão (acordo e cfr. fls 93 e seguintes da certidão dos autos nº 614/98.7TASTB junta aos autos).

  3. A 19 de Outubro seguinte, o Senhor Procurador Adjunto exarou o seguinte despacho: “Faça constar a identificação do denunciado L…..

    que consta de outro processo – 1519/95.9TA – e requisite o c.r.c Solicite à Conservatória do Registo Comercial de Setúbal certidão da matrícula da sociedade “L…..

    , Lda.” com sede na Rua …..

    . Averigue se se encontra sediada no concelho qualquer sociedade com a firma “D…..

    , Lda” e no caso afirmativo solicite certidão da matrícula e demais inscrições em vigor.

    Para inquirição de testemunhas: - Dr. R…..

    -Dra S…..

    - J…..

    , designo o próximo dia 4 de Novembro pelas 9h 30.

    Averigue se foram apresentadas outras queixas de idêntico teor contra o denunciado L…...

    Solicite à GNR que proceda à identificação dos quatro denunciados e à sua convocação para o próximo dia 25 de Novembro pelas 14h00 para efeitos de interrogatório.

    “Expeça mandados de comparência” (acordo e cfr. certidão dos autos nº 614/98.7TASTB junta aos autos fls 94 seguintes).

  4. R….. solicitou, em 27 de Outubro de 1998, a designação de outra data porquanto na designada (4 de Novembro) estaria ausente no estrangeiro em viagem (acordo e cfr. certidão dos autos nº 614/98.7TASTB junta aos autos fls 95 seguintes).

  5. Em 4 de Novembro de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT