Acórdão nº 113/19.5BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRICARDO FERREIRA LEITE
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório M…..

, titular do NIF ….., autor/recorrente, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso da decisão do T.A.F. de Leiria, datada de 24.12.2019, que julgou parcialmente procedente a ação por si instaurada contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na qual pedia a respetiva condenação no pagamento de uma indemnização, no montante de € 31.000,00.

A decisão ora colocada em crise julgou parcialmente procedente a ação e, julgando improcedente a arguida prescrição do respetivo direito, condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos causados pela morosidade na administração da justiça, relativamente ao processo que correu termos junto deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria sob o n.º de processo 628/05.2BELRA, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “A douta sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência, na medida em que foi feita prova nos autos e foram apurados factos essenciais para a justa decisão da causa, referentes aos danos invocados e sofridos pelo A. e à importância da causa para o mesmo e que não constam da fundamentação de facto da sentença. 2} Para além da factologia que vem vertida nos pontos 102 e 103 da fundamentação de facto, provou-se o seguinte: 1) A douta sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência, na medida em que foi feita prova nos autos e foram apurados factos essenciais para a justa decisão da causa, referentes aos danos invocados e sofridos pelo A. e à importância da causa para o mesmo e que não constam da fundamentação de facto da sentença. 2} Para além da factologia que vem vertida nos pontos 102 e 103 da fundamentação de facto, provou-se o seguinte: a) A casa do A. foi construída naquele exato local por ser uma zona tranquila, exclusiva de moradias e não estar prevista no PDM a construção de prédios, em razão das vistas de mar e do sossego e privacidade que a zona proporcionava, tendo sido dotada de uma área de jardim com piscina no logradouro atardoz - cfr.gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 4:27 a 7:45 e declarações da testemunha C….. nos minutos 35:29 a 36:30 e 37:11a 37:31; b) O A. e a família envolveram-se pessoalmente na construção da casa, tendo feito parte da construção, sendo a casa muito importante, mesmo fundamental , para o A. e família enquanto projeto familiar- cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 8:03 a 8:55 e 8:57 a 9:22 e declarações da testemunha C….. nos minutos 36:40 a 37:09 e 38:10a 38:52; c) Era nessa casa que a família tinha o seu local de refúgio e reunião familiar, já que o A. e o pai passavam muito tempo no estrangeiro a trabalhar e era também aí que o A. se reunia com os amigos, sendo que, nos anos seguintes à construção, em meados de 2000, o A. e família passavam lá todos ou quase todos os fins-de-semana e a sua irmã chegou a viver na casa nessa altura - cfr. gravação da· audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 6:05 a 7:25 e 20:20 a 21:20 e declarações da testemunha C….. nos minutos 44:23 a 44:36; d) A construção do prédio confinante veio tapar a casa, impedir as vistas de mar e tirar toda a privacidade que a mesma proporcionava - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 9:26 a 10:50 e declarações da testemunha C….. nos minutos 39:00 a 39:16; e) O A. decidíu recorrer a Tribunal no sentido de obter uma definição jurídica acerca da situação: ver declarada a ilegalidade e reposta a justiça, ou, no caso de o tribunal considerar inexistir ilegalidade, ponderar outras opções, como vender a casa, podendo por termo às dúvidas e angústias que a situação suscitava e minorar prejuízos - dr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 12:18 a 12:39 e declarações da testemunha C….. nos minutos 39:40 a 40:00; f) O A., por achar completamente anormal a demora do processo, insistia frequentemente com o seu advogado para saber novidades e certificar-se que o processo ainda corria trâmites, sendo que o pai chegou a deslocar-se ao Tribunal para obter informações acerca do processo - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 15:10 a 17:30; g) O desgosto pela demora do processo levou a que o A. e a família deixassem de frequentar a casa, sentindo-se mesmo vexados e envergonhados perante os vizinhos, que sabiam que o processo existia e, perante a ausência de decisão, interpelavam o A. dizendo "o que andas a fazer é a gastar dinheiro porque isso não vai dar em nada" -cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 13:45 a 15:04 e 22:03 a 23:14 e declarações da testemunha C….. nos minutos 40:14 a 40:55, 42:00 a 43:11 46:30 a 47:06; h) A demora do processo gerou conflitos familiares em torno do mesmo - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 17:31a 18:16 e declarações da testemunha C….. nos minutos 41:00 a 42:00; i) Por força da demora do processo, o A. não confia na eficácia da Justiça Portuguesa, tendo o mesmo sido para si um martírio - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 18:20 a 19:15 e declarações da testemunha C….. nos minutos 43:10-43:50; j) O A. ponderou várias vezes desistir do processo, só queria esquecê-lo, depois de cerca de 4 anos de espera e do processo estar parado cerca de um ano - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 31:30- 32:00.

3} Como reconhece o Digno Tribunal a quo, o A., nas suas declarações de parte, e a testemunha C….., irmã do A., tudo atestaram de forma clara, escorreita, espontânea e credível, devendo os factos ser dados por provados.

4) Os mesmos são essenciais para a Justa composição do litígio, na medida em que corporizam os danos não patrimoniais especiais sofridos pelo A., e a especial gravidade dos danos comuns suportados, conexionada com a especial importância que a causa teve na vida do A. - tudo isto a pugnar pelo arbitramento de um montante indemnizatório mais elevado.

5) Portanto, devem os mesmos ser aditados à fundamentação de facto da decisão recorrida, a qual padece, aqui, de erro de julgamento quanto aos factos por insuficiência, impondo-se a respetiva sanação.

6) Não pode também aceitar-se o julgamento efetuado quanto aos danos sofridos pelo A. e sua quantificação, que é erróneo e não pode manter-se ·na ordem jurídica, pelos motivos que passamos a expor.

7) Em primeiro lugar, o A. alegou e provou danos morais que se distinguem do chamado dano comum, devendo assim considerar-se que o mesmo suportou na sua esfera jurídica danos que têm que reportar-se e tratar-se como especiais e diferenciados.

8) Referimo-nos aos factos que supra elencámos e que ficaram provados nos autos, ocorridos em razão do protelamento do processo e que se remetem ao prejuízo que aquele teve na dinâmica familiar do A. e na afetação dos seus hábitos e do seu trem de vida, a nível familiar, pessoal e social.

9) Como vimos supra e resulta provado nos autos, a demora na decisão do processo teve como efeito que o A. e a família deixassem de fruir 'da casa como até aí faziam, ao ponto de a ela não se deslocarem por se sentirem mesmo envergonhados e vexados perante os vizinhos pela falta de satisfação por parte do Tribunal quanto à situação que o A. levou a juízo, por reputar de ilegal.

10) O deixar de frequentar a casa ao longo do tempo e à medida do arrastar do processo, a vergonha perante os vizinhos pela ausência de decisão, os conflitos familiares gerados em torno da demora, tudo isto consubstancia ou acarreta sofrimentos de ordem psicológica, prejuízos de índole pessoal, familiar e social que configuram danos morais tuteláveis pelo direito, pela sua gravidade.

11)Numa palavra, que corporiza a situação e é perfeitamente apreensível por quem nos lê (e ouve a prova gravada): o A. empreendeu todo um esforço hercúleo para construir, com a ajuda financeira do pai e com a ajuda da família em geral, já que todos trabalharam na construção com as próprias mãos, uma casa de praia, num local idílico com vistas de mar e piscina, para ser gozado por todos nos seus poucos tempos livres, para ser o local eleito de reunião da família e promoção dos laços familiares.

12) No decurso do processo e por força da demora, de não existir uma decisão quanto à situação da casa ter ficado tapada pela construção do prédio, o A. e a família deixaram de frequentar a casa, passaram a comportar-se como se não tivessem a casa, que ficou mesmo desabitada e quase abandonada (nas declarações prestadas pode ouvir-se que o A. deixou pura e simplesmente de lá ir há anos, tal como o pai e que a irmã do A. vai lá esparsamente para ver se está em pé) ! 13) Note-se que o A, ,tal como a maioria das pessoas, não tem um rol de casas, muito menos uma casa na praia com piscina, pelo que é imensamente significativo, do ponto de vista do estado psicológico em relação à questão, o deixar de ir a uma casa, que se trata de um bem que implica grande investimento financeiro e, no caso, que se construiu até pessoalmente e com muito esforço.

14) O projeto familiar, de fruição e de união, passou a fonte de conflitos, centrados na inexistência de desfecho do processo e no agravar do prejuízo económico que isso significou (acrescido ao esforço financeiro da construção da casa).

15) Estes danos ocorrem comprovadamente no caso concreto e distinguem-se daqueloutros que são comuns a todos os casos de demora da...

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