Acórdão nº 343/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M….., nacional de Angola, intentou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna / SEF, impugnando a decisão da Diretora Nacional Adjunta do SEF de 21/11/2019, que considerou o seu pedido de proteção internacional infundado, pedindo se dê provimento à presente impugnação judicial e consequentemente seja admitido o seu pedido de proteção internacional.

Alega, em síntese, a falta de fundamentação da decisão, ser perseguido e impedido de prosseguir atividade religiosa, pelo que lhe deve ser concedida proteção internacional.

Citado, o SEF apresentou resposta, pugnando pela improcedência do pedido.

Por sentença de 23/03/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.

Inconformado com esta decisão, o requerente interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª.

O presente recurso versa o despacho que indeferiu a pretensão do requerente a concessão do direito de asilo ou pessoa elegível para proteção subsidiária 2.ª Com efeito, o requerente pretende o reconhecimento da qualidade que se arroga.

  1. Não pode ser ignorada a realidade de Angola quanto à perseguição religiosa, ainda que tal possa ter sustentação em critérios políticos legislativos, não atenua a realidade persecutória que o Estado impõe e nos factos que determinam inequivocamente a ausência de liberdade religiosa que vitima o Autor, 4.ª Os elementos disponíveis relativos ao seu país de origem permitem sustentar o invocado pelo recorrente, no que respeita ao receio de perseguição por si invocado.

  2. O Autor está impedido de professar a religião que assume pastorado.

  3. Outrossim, existiu ação persecutória que impediu o exercício da atividade pastoral do autor e o direito à liberdade religiosa.

    -Assim, não podemos concordar com a posição do tribunal a quo, pois que; estão integrados os pressupostos previstos para a concessão do direito de asilo, previstos no art. 3º da Lei n° 27/2008, sendo evidente a extração da conclusão de que o Autor se sente impossibilitado de regressar a Angola em virtude de sistemática violação dos seus direitos humanos, ou por correr o risco de sofrer ofensa grave, para efeitos de concessão de autorização de residência por proteção subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 7° da Lei n° 27/2008, estando verificados os pressupostos de facto e de direito para que o pedido de proteção internacional que formulou seja admitido e instruído.

  4. Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por decisão que considere a pretensão dos requerentes”.

    A entidade demandada não apresentou contra-alegações.

    * Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença ao considerar infundado o pedido de concessão de proteção internacional.

    Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

    * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) O Autor, de nacionalidade angolana, em 09/10/2019, formulou um pedido de protecção internacional junto das autoridades portuguesas - cfr. fls. 2 e 58 do PA junto aos autos; 2) Em 09/10/2019, o ora Autor preencheu um inquérito preliminar, nos termos do instrumento de fls. 47-49 do PA, que aqui se considera integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, que o Autor saiu do país de origem, juntamente com a mulher e os 3 filhos, em 10/04/2019, apresentando os seguintes motivos para a saída de Angola: político, risco de vida e prisão - cfr. fls. 47-49 do PA junto aos autos; 3) Em 19/11/2019, o Autor prestou declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, nos termos do instrumento de fls. 75-81 do PA, que aqui se considera integralmente reproduzido e de cujo teor se extrai, designadamente, o seguinte: “(...) Pergunta (P). Relativamente à informação prestada compreendeu tudo? Resposta(R). Sim.

    1. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.

      Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Português.

    2. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em Português.

    3. Tem advogado? R. Não.

    4. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n° 3, do artigo 17°, da Lei n° 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei ns 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim, autorizo.

    5. Tem algum problema de saúde? R. Não tenho.

    6. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    7. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    8. Sou bacharel em Contabilidade pela Universidade Lusíada de Angola e sou pastor da Igreja Pentecostal do Reino dos Céus, em Angola. A minha última morada em Angola foi no município do Cacuaco, onde vivia com a minha esposa e 3 filhos (2 meninas e um rapaz).

    9. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

    10. De Luanda fomos de avião para Lisboa, onde fiquei durante 3 dias. Daí viajámos para a Suiça. Depois, as autoridades suíças transferiram-nos para Portugal ao abrigo do Regulamento de Dublin, dado termos vistos portugueses no passaporte.

    11. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

    12. Sou pastor da Igreja Pentecostal do Reino dos Céus. Tínhamos uma igreja no Zango 3, em Viana, em Luanda. O governo pediu-nos, primeiramente, aos líderes da igreja, para destruirmos a igreja voluntariamente porque, segundo eles, a igreja é ilegal. Nós, a liderança, não aceitámos destruir a igreja. Passadas umas horas, vimos todo o aparato da polícia, com tratores para virem destruir a igreja. Depois começou a instalar-se um alvoroço. Ficou tudo uma confusão. E fomos acusados - eu também - de incitação à violência e "desacato à autoridade".

    13. Tem algum documento legal referente a essa acusação? Tenho aqui alguns documentos: um deles que atesta que a Igreja de Coligação Cristã de Angola foi autorizada - e menciona que eu, M….., sou Pastor na Igreja Pentecostal do Reino dos Céus. Tenho aqui um outro (o requerente mostrou um documento mencionando emitido pela Divisão Provincial de Investigação Criminal onde se pode ler que é pastor na I.E.U.S.A. Igreja Evangélica Unida da Salvação de Angola).

    14. Um desses documentos diz que o senhor M….. é pastor na Evangélica e outro diz que é pastor na Pentecostal. O Sr. M….. é da igreja pentecostal ou evangélica? R. Na verdade, são muitas igrejas. No total são 1200 igrejas. Todas congregadas na plataforma ICCA - Igreja de Coligação Cristã de Angola. E essa plataforma foi autorizada. Por exemplo, a igreja católica, do Vaticano, tem a Igreja de Fátima, a Igreja de Nazaré, a Igreja de Santo António. E a ICCA tem 1200 igrejas.

    15. Tem algum documento que ateste a associação da I.E.U.S.A à ICCA? R. Pertencem todas à ICCA. A ICCA é uma plataforma dessas igrejas.

    16. Voltado ao sucedido quando foram à igreja para a destruir. Isso que me relata aconteceu quando? R. Isso foi acontecendo. Foi uma coisa que foi acontecendo. Não consigo precisar as datas.

    17. Mas relativamente a esse incidente que relata - nesse dia, em concreto, o que aconteceu? R. A Polícia chegou para destruir a igreja. E nós perguntámos sobre qual o motivo. Porque nós sabemos, de antemão, que o espaço onde está a igreja é um espaço que tem sido disputado - litígios de terra. Estávamos na igreja há mais de 6 anos. Todos os passos para legalização foram dados.

    18. A Igreja chegou a ser destruída? R. Parcialmente foi destruída.

    19. Pode explicar melhor a que se refere "parcialmente"? R. O muro que ladeia o espaço, o muro de fora que dá acesso ao parque de estacionamento da igreja, foi destruído. E os anexos de WC, onde as pessoas podiam ir fazer as suas necessidades foram destruídas.

    20. Se bem compreendi, não destruíram a igreja, mas destruíram os WC's da igreja.

    21. Sim. Mas isso pode afetar o funcionamento da igreja. Porque as pessoas congregadas, de uma maneira ou outra, mais cedo ou mais tarde, vão ter de ir à casa de banho. E o muro que delimita - que separa - a estrada do parque da igreja também foi destruído. Assim, desapareceu a barreira que delimita a estrada, onde passam os carros, do parque de estacionamento. Pelo que o parque de estacionamento fica sem proteção - por exemplo, as crianças já não podem brincar ali, porque dá acesso direto à estrada.

    22. Diz que as autoridades, antes de procederem a deixar abaixo o muro e os anexos dos WC’s lhe pediram que destruíssem vocês voluntariamente R. Sim. Eles pediram ao responsável - neste caso eu - para ir falar com eles. Disseram "Estamos aqui para fechar a igreja". Ao que eu respondi: “Não vejo onde está inviabilidade da igreja. Em primeiro lugar nós somos parceiros do Estado; e estamos devidamente legalizados para exercer esta atividade". Mostrei-lhes a documentação e eles ficaram, com alguns desses documentos.

      Apreenderam também o meu computador e o computador da igreja - computador esse que nós utilizávamos para fazer o trabalho da igreja. E fomos levados para esquadra.

    23. Porque o libertaram? R. Porque os outros membros entraram em contato com os advogados.

    24. O senhor teve advogado? R. Sim, havia um advogado para todo o caso - o caso da igreja.

    25. Em que...

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