Acórdão nº 1172/20.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Associação de Moradores do Bairro da C....., veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 09.07.2020, que rejeitou liminarmente, ao abrigo do art. 116°, n° 2, al. d), do CPTA, o requerimento cautelar por si interposto contra o MUNICÍPIO DE LISBOA, por manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pela Requerente, ora Recorrente.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) 1. Tendo sido a Recorrente notificada da decisão do Tribunal a quo no passado dia 06 de Julho do corrente ano, relativamente ao Processo n.° 1172/20.3BELSB, Processo esse que correu os seus termos junto da Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, Mediante uma análise cuidada e ponderada da decisão do Tribunal a quo que diz respeito á rejeição da Providência Cautelar intentada pela ora Recorrente, 2. Diga - se em abono da verdade que a referida decisão gerou surpresa e estupefação, uma vez que aquele Tribunal invocou falta de fundamento e daí rejeitou a referida Providência Cautelar toda a fundamentação de facto e de direito foi alegada o que significa que o Tribunal não teve em conta a matéria de facto e muito menos a apreciou logo é de lamentar pura e simplesmente, 3. Ora vejamos a Recorrente aquando da apresentação da sua providência cautelar pedindo a suspensão da decisão do Municipio de Lisboa que visa a construção de uma sala de chuto em que não houve em momento algum discussão pública, não foi ouvida as população que moram nas zonas circundantes aonde aquela vai ser construída, como também fica a menos de 400 metros de estabelecimentos de ensino e de zonas residência, logo a referida construção é de todo ilegal terá que ser suspensa na integra, e vai implicar razões de insegurança nas zonas circundantes, 4. Uma vez que a instalação de uma sala de consumo assistido na Freguesia do Lumiar ou sala de chuto como se referiu, aonde a ora Recorrente tem a sua sede, não demonstra qualquer preocupação com os residentes da Alta de Lisboa, designadamente com os "novos residentes” que apostaram na aquisição recente de habitação nesta zona da cidade, expressando um voto de confiança no Plano de Urbanização Plano de Urbanização do Alto Lumiar (PUAL), que não previa a instalação de um equipamento/serviço desta natureza na zona, como também em relação aos moradores que habitam nessa zona como já se alegou, 5. Como também não é tida em consideração a ocorrência de eventuais fenómenos de desvalorização do imobiliário na Alta de Lisboa, na sequência da instalação de uma sala de consumo assistido, ignorando completamente os efeitos que tal poderá acarretar para o sucesso do PUAL e da estratégia de reconversão/ recomposição social deste território, que tantos anos se levou a conceber e a operacionalizar, estando ainda por concluir a implementação dos seguintes equipamentos sociais/ serviços (de acordo com a página da SGAL, principal promotora do projeto, à data de 3 de dezembro de 2018): • 1 Centro de Saúde; • 1 Centro de Cuidados Continuados; • 2 Piscinas Cobertas; • 1 Pavilhão Polidesportivo; • 3 Centros de Dia; • 5 Lares; • 3 Centros de Formação; • 1 Centro de Interpretação - PAAL; • 1 Parque Lúdico e Infantil; • 2 Centros Culturais; • 2 Ateliers de Arte; • Bombeiros Voluntários de Lisboa • 1 Centro Paroquial; • 2 Mercados Retalhistas; • 1 Edifício de Apoio ao Parque Oeste/ Vale Grande.

8. Assim sendo o Executivo do Município de Lisboa, parece considerar prioritária a resolução de um problema de uma minoria de indivíduos (menos de 270 consumidores de substâncias que, com elevada probabilidade, não serão todos residentes nesta zona da cidade) face à concretização de uma estratégia de longo prazo que visa servir uma população (residente) superior a 25.000 habitantes (26.172 habitantes, segundo a Ficha de Dados Estatísticos do PUAL, cuja fonte é a DGOTDU), 9. Diga - se em bom rigor que o documento que fundamenta a instalação da sala de consumo assistido no Lumiar, elaborado pelo Grupo de Trabalho das Dependências da Comissão Social da Freguesia do Lumiar, identifica o Bairro da C..... como um núcleo habitacional situado na proximidade de equipamentos escolares e sociais (escolas do 1.° ao 3.° ciclo, Centro Social da Musgueira, equipamento infantil da SCML, Centro de Artes e Formação da Junta de Freguesia do Lumiar) e junto do qual se prevê a continuada expansão urbanística com construção de novos centros habitacionais, como já se frisou, 10. Questiona-se a localização escolhida para a instalação da sala de consumo assistido na Rua n.° 10 do PUAL, quando os números 2 e 3 do artigo 70 ° do Decreto-Lei n.° 183/2001, de 21 de Junho (Regime geral das políticas de prevenção e redução de riscos e minimização de danos), referem expressamente que os programas para consumo vigiado “são autorizados apenas para zonas de grande concentração de consumidores por via endovenosa, não podendo ser instalados em espaços ou centros residenciais consolidados” e que a “localização escolhida (...) deve, tanto quanto possível, evitar a exposição a não utentes”.

11. Ora, se existe a intenção de instalar este equipamento nas imediações do Bairro da C....., que o próprio documento reconhece como sendo próximo de vários equipamentos escolares e sociais (alguns dos quais localizados no interior do próprio bairro) e enquadrado num movimento de expansão urbanística, é evidente que a sala de consumo assistido também não poderá distar mais de 500 metros destes serviços e de núcleos habitacionais consolidados (e em franca expansão), em flagrante violação do disposto na Lei, 12. Importa sublinhar que se trata de uma sala de consumo assistido fixa e que, segundo a informação veiculada pelo Senhor Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, de seu nome M……, no âmbito da discussão da Proposta n.° 774/2018, em reunião de Câmara de 28 de novembro, não será instalada em contentores, 13. Questiona-se a necessidade de prever na sala de consumo assistido um espaço para consumo fumado, quando o artigo 70 ° do Decreto-Lei n.° 183/2001, de 21 de Junho estabelece que os programas de consumo vigiado são autorizados apenas para zonas de grande concentração de consumidores por via endovenosa, sem qualquer alusão ao consumo fumado. No que concerne ao diagnóstico da situação, com base nos dados disponibilizados pela Associação Crescer, em 2017, foram acompanhados 262 utentes, dos quais apenas 33% consumiam substâncias por via injetada, 14. Significa que os potenciais utilizadores da sala de consumo assistido não ascendem sequer a 100 indivíduos, pelo que, se questiona se este número configura, efetivamente, uma grande concentração de consumidores por via endovenosa, tal como é exigido pela Lei, que justifique a instalação de uma sala de consumo assistido.

15. Importa ainda destacar que a Freguesia do Lumiar é apenas a quarta com maior número de potenciais utilizadores das salas de consumo assistido na cidade de Lisboa, atrás das Freguesias de Arroios, Beato e Campo de Ourique, de acordo com os dados do diagnóstico da situação, 16. Convém acrescentar que um relatório do European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction, alertava já em 2004 para alguns estudos que davam conta de que, apesar de terem sido criadas salas de consumo assistido, quase 40% dos entrevistados/inquiridos admitiam ter consumido droga em locais públicos nas 24 horas imediatamente anteriores, 17. Por conseguinte, as salas de consumo assistido não parecem ser uma solução tão eficaz como refere o documento do Grupo de Trabalho das Dependências da Comissão Social da Freguesia do Lumiar para retirar o consumo das ruas, nem para resolver os problemas de saúde pública decorrentes do abandono de seringas (eventualmente contaminadas) na via pública, 18. Mais se refira que este quadro de acréscimo significativo de risco de infeções e overdoses, decorrentes do consumo de substâncias a céu aberto (não assistido), parece ser totalmente incoerente com os resultados apresentados pelo Relatório Anual (2016) - A Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependências, elaborado pelo SICAD, bem como pelo panorama traçado no European Drug Report 2018, publicado pelo European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction, 19. Com efeito, segundo o primeiro relatório, "à data da recolha de informação, tinham sido notificados 1.030 casos de infeção por VIH diagnosticados em 2016, 3% dos quais em categorias de transmissão relacionadas com toxicodependência, e 261 casos de SIDA diagnosticados em 2016, 9% dos quais associados à toxicodependência’, ou seja, estamos perante cifras com carácter absolutamente residual, mas prossegue ainda o SICAD: "A análise da evolução das notificações em Portugal, ou seja, a distribuição dos casos notificados por ano de diagnóstico, evidencia uma tendência decrescente a partir de 2000 no número de casos diagnosticados com a infecção por VIH, ocorrendo a um ritmo mais acentuado nos relacionados com a toxicodependência por comparação com os restantes casos’, 20. E acrescenta o seguinte: "Esta tendência de decréscimo de novos diagnósticos de infecção por VIH associados à toxicodependência, (...), indiciam uma diminuição de “infecções recentes” no grupo de risco associado à toxicodependência, refletindo os resultados das políticas e estratégias implementadas na...

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