Acórdão nº 38/10.0BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Estado português, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 07/03/2018, que, no âmbito da ação administrativa comum, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, instaurada por C.........

e M.........

, julgou a ação parcialmente procedente, julgando improcedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais futuros e procedente no demais, condenando o Réu no pagamento às Autoras da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pelo de cujus e ainda da quantia de € 40.000,00, acrescida de juros a título de danos não patrimoniais próprios da 1.ª Autora e da quantia de € 60.000,00 acrescida de juros, a título de danos não patrimoniais próprios da 2.ª Autora.

As Autoras inconformadas, vieram também recorrer da sentença, na parte do respetivo decaimento.

* Formula o Estado português, aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.ª – A presente apelação tem por objeto a arguição da nulidade da sentença prevista no art. 95.º/2 CPTA e na al. e) do n.º 1 do art. 615.º CPC, por força do n.º 4 deste último artigo.

  1. – Com efeito, cada uma das pediu, na petição, uma indemnização pecuniária de € 40.000,00 por danos morais próprios (cfr. art. 78.º), mas no requerimento de fls. 347- 351 reduziu esse montante a € 30.000,00.

  2. – Na sentença considerou-se que a 1.ª autora pediu, àquele título, € 80.000,00 e a 2.ª, € 60.000,00, mas em erro, por se ter indevidamente atentado, quanto ao 1.º montante, ao pedido inserto na petição inicial e não à redução contida no referido requerimento e, quanto ao 2.º, por não se ter levado em conta tratar-se de uma parcela global, carecida de divisão entre as autoras.

  3. – Por isso, a sentença condena em quantidades superiores às pedidas, pelo que padece de nulidade, que aqui se argui e cuja declaração de pede, pelo que, em consequência, os pontos 2.2. e 2.3. do dispositivo devem ser alterados, em cada um deles se fixando a indemnização de € 30.000,00.”.

    * As Autoras, ora Recorrentes, no recurso interposto apresentaram alegações, em que formularam conclusões, assim como contra-alegaram o recurso interposto pelo Estado português, formulando igualmente conclusões, nos seguintes termos, que ora se reproduzem: “DO RECURSO DE APELAÇÃO a) O único ponto de discordância em relação à douta sentença, que justifica o presente recurso, prende-se com a não atribuição de indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, que é o dano não patrimonial por excelência - Cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos, NÓS, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, págs. 314/315 - e cuja reparação é inquestionável.

    b) Na verdade, nos artigos 55.º a 62.º da petição as autoras solicitaram indemnização pela perda do direito à vida do malogrado R......... num montante de 100.000,00 € - valor esse que foi objecto de redução para 80.000,00 € na sequência do requerimento de fls. 347-351 - e a douta sentença recorrida não arbitrou qualquer montante indemnizatório a esse título nem lhe fez qualquer referência, o que não se pode aceitar.

    Com efeito, c) Sobre a indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, há muito que consolidou o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00.

    d) No caso vertente, atenta a juventude e a mais-valia pessoal do falecido - “pessoa saudável, inteligente, com enorme alegria de viver, com muitos amigos, muito dedicado ao trabalho, muito familiar e muito querido de toda a família” (conforme decorre designadamente da alínea H dos factos provados) -, afigura-se inteiramente razoável, adequada e plenamente justificada a atribuição de indemnização pelo dano morte em montante a oscilar entre os 80.000,00€ e os 100.000,00€.

    DA RESPOSTA ÀS ALEGAÇÕES e) Com o devido e merecido respeito, não assiste razão ao M. Digno Procurador da República ao defender a nulidade da sentença por alegadamente condenar em quantidades superiores às pedidas.

    f) Conforme se encontra sedimentado na jurisprudência, os limites da condenação contidos no actual artigo 609.º do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito.

    g) Significa isto que, em acidente de viação, como caso vertente, o juiz pode valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo próprio peticionante, mas o valor total alcançado não pode em caso algum ser superior ao pedido.

    h) No caso vertente, temos que o limite da condenação, mesmo atendendo à redução do pedido operada através do requerimento de fls. 347-35, corresponde a 255.000,00 €.

    i) Bem andou, pois, a M.ª Juiza do Tribunal a quo ao fixar os montantes indemnizatórios a título de danos não patrimoniais próprios de 40.000,00€ para a autora C........ e de 60.000,00€ para a autora menor M........ os quais não configuram qualquer condenação ultra petitum.

    Com efeito, j) Os montantes arbitrados na sentença afiguram-se inteiramente razoáveis, adequados e plenamente justificados face à particular gravidade da factualidade apurada, nomeadamente a repercutida nas alíneas B), D), E), Q), R) e EE) dos factos provados.

    k) Tanto assim é que o M. Digno Procurador da República nas suas doutas alegações não se insurge contra o juízo de equidade operado pela M. Juíza, limitando-se a arguir que os valores arbitrados “excedem os dos correspondentes pedidos”.

    l) Em face do exposto deve improceder a arguida nulidade da sentença, mantendo-se a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais próprios das autoras, mais devendo ser atribuída indemnização pela perda do direito à vida, vulgo dano morte, que é o dano não patrimonial por excelência.”.

    Pede que seja concedido provimento ao recurso nos termos das conclusões a) a d) e que improceda a nulidade invocada no recurso interposto pelo Estado português.

    * O Estado português, ora Recorrido, contra-alegou o recurso interposto pelas Autoras, tendo assim, concluído: “1.ª – O recorrido reconhece que a sentença, ao abster-se de decidir o pedido de compensação do dano-morte da própria vítima, fundado nos factos alegados nos artigos 55.º/62.º pi, incorre em nulidade por omissão de pronúncia ou comporta um julgamento implícito de direito errado.

  4. – Tendo as autoras reduzido o pedido de indemnização por essa espécie de dano ao valor de € 80.000,00, é inadmissível, sob pena de violação do princípio dispositivo, conceder montante superior, v.g. o pretendido de € 100.000,00.

  5. – Quanto à graduação do quantum indemnizatório, observado o limite máximo dos ditos € 80.000,00, em atribuição conjunta, o recorrido confia no alto critério prudencial do tribunal ad quem.”.

    * O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto de cada um dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

    As questões suscitadas resumem-se, às seguintes, em relação a cada um dos recursos: A. Recurso do Estado português 1. Nulidade decisória, nos termos dos artigos 95.º, n.º 2 do CPTA e 615.º, n.º 1, e) do CPC.

    B. Recurso das Autoras 1. Erro de julgamento no tocante à não atribuição de indemnização pela perda do direito à vida (dano morte), em montante a oscilar entre € 80.000,00 e € 100.000,00.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A) Em 1982-09-20, nasceu a 1ªAA., filha de J........ e de M........: cfr. Doc. n.º 5 junto com a PI; B) Em 2003-09-26, a 1ªAA e R........., começaram a namorar quando ainda ambos trabalhavam na D........, ela de 21 anos, como empregada de quarto e, ele também de 21 anos, como ajudante de cozinha: cfr. fls. 216 a 223 e declarações de parte; C) Em 2004, a 1ªAA e S........, na proporção de metade para cada um, “… compraram uma casa nova, a estrear, em Águas Santas, com cerca de 90 metros quadrados, um T2 + 1…”, imóvel inscrito sob o artigo ……, na matriz predial urbana da freguesia de Águas Santas, concelho da Maia, correspondente à fração …: cfr. fls. 216 a 223 e declarações de parte; D) Até 2007-07-15, a 1ªAA e S........ viveram em união de facto, primeiro no Pinhão, Alijó e depois em...

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