Acórdão nº 342/20.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução27 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A Farmácia C..., S.A.

, requereu junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a adoção de providência cautelar contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P, pedindo a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Diretivo do Infarmed, de 16 de Janeiro, publicitada no sítio do Infarmed que considerou “apto” o pedido de transferência da “Farmácia do C...”, sita na Rua J..., União das freguesias de A dos Cunhados e Maceira, concelho de Torres Vedras, distrito de Lisboa, para a Rua F..., freguesia da Ericeira, concelho de Mafra, distrito de Lisboa, mais tendo identificado uma contrainteressada.

A Requerente, e ora Recorrente, não se conformando com a sentença proferida a 06.04.2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu a providência cautelar, negando provimento ao pedido, veio da mesma recorrer, culminando as suas alegações de recurso - cfr. fls. 730 e ss. do SITAF - com as seguintes conclusões: «(…) 1.ª A Recorrente alegou no r.i. da sua providência, além do mais, que se encontra aberta ao público e em funcionamento naquele local há muitos anos (artigo 54.° do r.i.), tendo angariado clientela residente nas imediações (artigo 54.° do r.i.), que a transferência da farmácia autorizada irá implicar um impacto direto e imediato sobre a sua clientela (artigo 55.° do r.i.), implicando a "perda de clientes" (artigos 54.° e 57.° do r.i.), "privação de lucros" (artigo 57.° do r.i.), em consequência previsível da execução do ato suspendendo e "quebra de rendimentos" (artigo 58.° do r.i.), sendo tais consequências de difícil quantificação (artigo 58.° do r.i.), tendo alegado ainda ser expectável a ocorrência de quebra de rendimentos da Farmácia da Requerente e que seja desequilibrado o mercado entre as Farmácias da zona, numa atividade que é de alguns anos a esta parte muito periclitante comercial e economicamente, como constitui facto público e notório, face às inúmeras notícias de insolvência de farmácias e de dificuldades da sua atividade social (art. 58.°).

  1. As afirmações da Requerente de "perda de clientes", de "quebra de rendimentos" e de "privação de lucro" e os demais indicados na conclusão anterior em resultado da execução imediata do ato suspenso, correspondem à alegação de factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar (artigo 114.° n.° 3 alínea g) do CPTA), não estando o requerente da providência cautelar onerado com a exigência de alegação de outros factos que não sejam os essenciais ao pedido (v. artigos 5.°, n.° 1 e 552.°, n.°1, al. d) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1° do CPTA e o artigo 78.° do CPTA).

  2. Ao julgar incumprido pela requerente o ónus de alegação de factos integradores de prejuízos de difícil reparação, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pois, ao contrário do decidido as afirmações da Requerente de "perda de clientela", de "quebra de rendimentos" e de "privação de lucro" em resultado da execução imediata do ato suspenso (ato que autoriza ilegalmente a transferência de outra farmácia para escassos metros de distância), em conjunto com os demais factos alegados, são situações concretas da vida suscetíveis de ser objeto de prova, muito embora se tratem até muitos deles de factos notórios dispensados de tal alegação.

  3. Os factos alegados pela Requerente nos artigos 53.° a 59.° do r.i. - cuja alegação foi indevidamente desconsiderada pelo Tribunal a quo - deverão ser dados como provados por integrarem factualidade notória ou, pelo menos, tratados como factualidade a sujeitar a prova por qualquer meio admissível em sede de julgamento cautelar.

  4. Ao dispensar a produção de prova testemunhal requerida sob a invocação genérica e tabular dos documentos juntos aos autos e da posição assumida pelas partes, o despacho interlocutório violou por falta de fundamentação o disposto no artigo 118.°, n.° 5 do CPTA.

  5. Ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo no despacho interlocutório que dispensou a produção de prova testemunhal, tal prova testemunhal arrolada seria útil e necessária à apreciação dos requisitos da providência cautelar, mostrando-se por isso violado o disposto no artigo 118.°, n.°s. 1 e 5 do CPTA, por errada interpretação e aplicação, bem como violado o direito à prova e à tutela judicial efetiva (arts. 20.° da CRP e 2.° do CPTA).

  6. "Se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora de que depende para a concessão da providência cautelar." - cfr., v.g. o ac. do TCAN, de 12-07-2019, no Proc. 00014/19.7BEMDL, in www.dgsi.pt.

  7. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, já que, contrariamente ao entendimento nela expresso, a perda de clientela constitui um prejuízo de difícil reparação e como tal vem sendo considerada pela jurisprudência - cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STA de 26-02-2003, no processo n.° 0149A/03 e de 15-10-2003, no processo n.° 01430/03, bem como do TCAS de 18-10-2010, no Proc. n.° 9126/12 e de 18-12-2014, no Proc. n.°. 11655/14 e os acs. do TCAN, de 08-03-2007, no proc. n.° 01845/06.3BEPRT, de 14-09-2012, no proc. n.° 00881/12.5BEPRT, de 14.06.2013, no proc. 100/13.7BAVR, de 13-092013 no proc. n.° 224/13.0BECBR e de 12-07-2018 no Proc. n.° 02550/17.0BEPRT in www.dgsi.pt.

  8. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, "a proximidade em relação aos utentes, é decisiva para a cativação de clientela", pelo que "aparecendo uma farmácia mais próxima geograficamente, os outros factores acabam por ter escassa relevância na fixação ou desvio da clientela (...) é forçoso concluir, por imperativo lógico, que conquistará clientela à custa da perda por parte da farmácia anteriormente instalada." - v. ac. do TCAN, de 13-09-2013 no proc. n.° 224/13.0BECBR, in www.dgsi.pt.

  9. É ostensiva a ilegalidade do ato impugnado na ação principal, sendo provável a procedência da pretensão aí deduzida, porque, além de outras ilegalidades e como se fundamenta no r.i. apresentado junto do Tribunal a quo (i) tal ato secunda uma pretensão abusiva e em situação de fraude à lei e (ii) autoriza a transferência de uma farmácia muito antes de decorrido o prazo mínimo de 5 anos claramente previsto para o efeito no artigo 27.° da Portaria n.° 352/2012, de 30 de outubro.

  10. Mostram-se reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 120.° do CPTA para o decretamento da providência de suspensão de eficácia requerida. (…) deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decrete a providência de suspensão de eficácia requerida, com as legais consequências.» O Recorrido, INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP. (doravante INFARMED) contra-alegou (fls. 769 e ss. do SITAF), pugnando pela manutenção do julgado, nos termos seguintes: «(…) I - DO OBJETO DO RECURSO O presente recurso foi interposto pela Requerente da douta Sentença proferida no âmbito do presente processo que julgou improcedente (e bem!) a providência requerida, porquanto a Recorrente considera que o douto Tribunal a quo errou ao não considerar verificados os requisitos previstos no artigo 120.°/1 do CPTA, em particular o periculum in mora.

Além disso, a ora Recorrente também interpôs o presente recurso por considerar que o douto Tribunal a quo errou ao considerar que aquela não cumpriu com o ónus de alegação dos factos integradores de uma situação de facto consumado e/ou de prejuízos de difícil quantificação caso a presente ação cautelar fosse julgada improcedente.

Por outro lado ainda, a Recorrente considera que o douto Tribunal a quo andou mal por dispensar a prova testemunhal nos termos do artigo 118.°/5 do CPTA, já que considera que a produção do referido meio de prava era determinante para a demonstração da verificação dos pressupostos necessários para a adoção da presente providência cautelar.

Todavia, e como demonstraremos nas presentes contra-alegações, é evidente que nos presentes autos não se verificam os requisitos do fumus boni iuris e do pericuium in mora, assim como demonstraremos que é manifesto o incumprimento do ónus de prova que impendia sobre a ora Recorrente.

II - DO INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DE PROVA E DA DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL Desde da entrada em vigor do CPTA que a Jurisprudência dominante e a mais avalisada doutrina defendem que, no preenchimento do requisito do pericuium in mora, é necessário que os requerentes aleguem e provem os factos que confirmem a verificação desse requisito, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.

A título de exemplo, até porque a Sentença recorrida já refere outros acórdãos, veja-se o Acórdão do TCAN, proferido em 14.02.2012, no âmbito do processo n.° 03712/11.0BEPRT, onde consta que, “I. Incumbe ao requerente da providência o ónus de aiegar a matéria de facto integradora dos requisitos iegais de que depende a concessão da providência requerida (art. 342.° do CC), não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.

  1. Daí que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.°, n° 2, ai. a), 114.°, n° 3, ais. f) e g), 118.° e 120° todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do ato.

  2. Impõe-se que a alegação tenha de ser concretizada com realidade factual que corporize efetivamente o requisito em questão (v.g. e no caso, a...

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