Acórdão nº 9655/16.3BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 26.04.2016, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 603/2015-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

    Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “

    1. Constitui objecto da presente impugnação o segmento decisório contido nas alíneas a) e c) da decisão final proferida, em 26 de Abril de 2016, por Tribunal Arbitral Colectivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante, apenas RJAT) e que correu termos sob o n.° 603/2015-T; b) A presente acção é tempestiva e constitui meio próprio; c) Atenta a conformação legal do direito de recurso de decisões arbitrais em matéria tributária efectuado no RJAT, a pretensão da ora Impugnante no presente recurso restringe-se à anulação, por motivos processuais, do segmento decisório constante das alíneas a), b) e c) da parte C do Acórdão Arbitral ("DECISÃO"), porque a decisão padece, quanto ao segmento acima identificado, por um lado, de vício de pronúncia indevida, e, por outro, de vício de contradição entre os fundamentos e a decisão; d) Sendo que, quanto ao vício de pronúncia indevida, o Acórdão Arbitral, quanto ao segmento decisório indicado, encontra-se ferido de nulidade, por duas ordens de razões: i) em primeiro lugar, por haver o segmento decisório constante da alínea b) excedido o pedido, conforme foi formulado pela Requerente e aparentemente bem delimitado pelo Tribunal; bem como, ii) em segundo lugar, por aquele segmento decisório exceder os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, de acordo com o recorte legal da competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos em matéria tributária.

      Em primeiro lugar, e) Relativamente ao vício de pronúncia indevida, por o Tribunal ter decidido para além do que podia conhecer (condenação ultra petitum), f) Tendo ambas as partes (Requerente e Requerida) e o próprio Tribunal entendido que o pedido formulado pela Requerente consiste na declaração de ilegalidade dos actos de liquidação contestados, a condenação da AT, no Acórdão Arbitral a quo, a substituir o acto em matéria tributária (decisão do pedido de reclamação graciosa) em conformidade com determinada directriz interpretativa implica que o Tribunal tenha decidido para além do que podia conhecer (condenação "ultra petitum"); g) Pelo que o Acórdão Arbitral ao não se conter, estritamente, no âmbito do pedido formulado pela Requerente, não respeitou o princípio do dispositivo; h) O que consubstancia vício de pronúncia indevida [cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Abril de 2016 (processo n.° 09286/16); e de 19 de Fevereiro í de 2013 (05203/11)]; Por outro lado, i) Ainda que assim não se entenda, e como identificado supra, noutra dimensão a decisão arbitral incorre ainda no vício de pronúncia indevida, pois, da situação descrita resulta que, quando proferiu o segmento decisório aqui impugnado, o Tribunal Arbitral excedeu a competência legalmente deferida ao tribunal para decidir, nos termos do artigo 2° do RJAT; j) À cautela, quanto ao âmbito do conceito "pronúncia indevida", não pode senão entender-se que, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28° do RJAT, o Tribunal ad quem pode apreciar da incompetência material do Tribunal Arbitral (ainda que sob o regime de recurso de cassação); como vem entendendo a doutrina especializada e, bem ainda, a jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Constitucional (cf. designadamente, Processo do TCAS n.° 0982/16 e Processo do TC n.° 126/15); k) Acresce que a denegação da possibilidade de apreciação nesta sede da incompetência material do Tribunal Arbitral com fundamento na alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, consubstanciaria uma restrição substancial (e inconstitucional) da possibilidade de recurso nesta matéria, particularmente evidente por não ficarem salvaguardados no RJAT, em todos os casos, a possibilidade de impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com os fundamentos e nos termos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária, mormente quando se está perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo neste casos reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra; l) Pelo que, considerar-se que o conceito "pronúncia indevida", previsto no artigo 28.°, n.° 1, alínea c) do RJAT, não contém a situação de pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, ofende, a par do princípio da legalidade [cf. artigos 3.°, n.° 2, 202.° e 203,° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo e 266.°, n.° 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.° 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT, também o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.° da CRP, m) Pois, neste contexto, cabendo ao próprio Tribunal Arbitral a apreciação em primeira instância da sua própria competência, a exigência de recurso para um Tribunal Estadual torna-se mais premente, maxime atendendo à circunstância de, por um lado, (i) a vinculação da AT estar definida a priori na Portaria n.° 112-A/2011, e, por outro, (ii) esta nunca poder tomar a iniciativa de constituir ou repudiar a constituição do Tribunal Arbitral por sua vontade.

      n) Nos mesmos termos, é inconstitucional o artigo 28.°, n.° 1, alínea c) do RJAT, no qual se prevê que «A decisão arbitral é impugnável com fundamento na pronúncia indevida», quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir nos termos previstos no RJAT e na Portaria n.° 112-A/2011, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e do princípio da legalidade (artigos 3.°, n.° 2, 202.° e 203.° e do artigo 266.°, n.° 2, todos da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.° 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT; o) Posto isto, temos por assente que o Tribunal ao decidir condenar a AT a substituir um acto em matéria tributária em conformidade com uma determinada directriz interpretativa, nos termos constantes da alínea b) do decisório, e escusando-se a decidir apreciar a legalidade dos actos de liquidação impugnados, não se conteve nas competências próprias da jurisdição arbitral; p) Termos em que, ao pronunciar-se sobre questão que não devia conhecer, estando fora do seu âmbito de competências, o Acórdão Arbitral enferma do vício de pronúncia indevida; q) E assim porque, estando a competência dos Tribunais Arbitrais circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, e sendo fruto da vinculação operada nos termos da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.° do RJAT, inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT; r) E isto, note-se, ainda que constituíssem, eventualmente, consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação — o que, todavia, também não é o que sucede no caso concreto; s) Afinal, no caso sub judice, o Tribunal não declarou a ilegalidade de qualquer acto de liquidação; t) A condenação da Requerida, resultante da alínea b) do decisório do Acórdão impugnado, à substituição de um acto em matéria tributária (decisão de reclamação graciosa), em conformidade com uma determinada interpretação, não tem, tão pouco, assento legal no artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT; u) O que diz expressamente o artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT é que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, se for o caso, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, praticar o acto tributário legalmente devido (máxime, uma liquidação) em substituição do acto objecto da decisão arbitral; v) O artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT refere, portanto, a prática do acto tributário legalmente devido, caso seja aplicável, e não a substituição de um acto em matéria tributária em conformidade com uma determinada interpretação.

    2. Ademais, do artigo 24.° do RJAT decorre que a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.° do CPPT e artigos 173.° e seguintes do CPTA; x) O Acórdão Arbitral a quo, ao decidir assim, fê-lo, portanto, fora do quadro de competências atribuídas aos Tribunais Arbitrais nos termos do RJAT; y) A competência dos Tribunais Arbitrais, definida nos termos do RJAT e respectiva Portaria de Vinculação, limita-se à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, ou, ainda, de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais: z) Observado o desenho constitucional dos Tribunais Arbitrais, como jurisdição facultativa...

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