Acórdão nº 505/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Agosto de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução31 de Agosto de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO Y..........., cidadão da Guiné Bissau, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA ação administrativa impugnatória urgente contra MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte: - Anulação do despacho proferido pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”), em 27 de janeiro de 2020, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Requerente e determinou a sua transferência para Itália.

Por sentença de 16-4-2020, o tribunal a quo decidiu absolver o MAI do pedido.

* Inconformada, o autor interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte extenso quadro conclusivo: 1) O recurso é interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação jurisdicional apresentada contra o Despacho proferido pelo SEF, que julgou inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo ora Recorrente e confirmou a ordem de transferência do Requerente.

2) O SEF desencadeou o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional e concluiu que “(...) de acordo com os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional estabelecidos pelo Regulamento Dublin, a Itália é o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional (...)”.

3) Consequentemente, ordenando a transferência do Recorrente para Itália.

4) O Impugnante invocou na sua impugnação que a decisão do SEF não teve em conta evidentes e conhecidos constrangimentos no acolhimento de refugiados em situações condignas e na sua permanência em Itália, pondo em risco uma violação do artigo 4.° da CDFUE e do artigo 3.º da CEDH, na medida em que poderá dar-se o caso de o Impugnante ser submetido a tratos desumanos ou degradantes.

5) Nesta medida, defendeu o Impugnante que a decisão do SEF deveria ser anulada.

6) O Tribunal a quo discordou dos argumentos invocados pelo Impugnante, mantendo a decisão do SEF.

7) Nesta impugnação jurisdicional não se discute a viabilidade ou a legalidade na concessão de Direito de Asilo.

8) Encontrando-se a análise dos litígios pelos Tribunais delimitada pelas questões suscitadas pelas partes (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, ex vi art.º 1 do CPTA).

9) Ora, sem pertinência para a decisão do presente caso, o Tribunal começa a Fundamentação de Direito da sua sentença por “traçar um breve enquadramento jurídico relativamente ao direito de proteção internacional”, referindo-se às leis que definem os pressupostos do Direito de Asilo, designadamente o artigo 3.º n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo 10) Mas, destas normas não podem ser retiradas quaisquer consequências para o caso em apreço, nem tão pouco podem estar na base da formação da convicção do Tribunal a quo.

11) Na medida em que são irrelevantes para apreciar a decisão final do SEF proferida no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

12) Como resulta do n.º 2 do art.º 19.º-A da Lei n.º 27/2008, de 30.06, nos casos de inadmissibilidade imediata do pedido de proteção internacional prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

13) Adicionalmente, por diversas vezes, o Tribunal a quo refere-se ao facto de o Impugnante em nenhum momento da instrução ter alegado que foi vítima de uma privação material extrema, que passou necessidades e que foi vítima de um tratamento desumano.

14) Ora, entendemos que esta afirmação do Tribunal a quo deveria, necessariamente, ter sido devidamente enquadrada na realidade social, cultural e financeira do sujeito, ora Recorrente.

15) A noção de “privação material extrema” que para o Tribunal a quo se resume na impossibilidade de o Recorrente alimentar-se, lavar-se e alojar-se, para a generalidade das pessoas que pedem asilo corresponde à real ameaça do seu Direito à vida.

16) E, como tal, não se queixam por não poderem alimentar-se, lavar-se ou alojar-se.

17) Queixam-se apenas quando podem ser mortos. Quando a sua vida está realmente ameaçada. Não se queixam da falta de uma vida condigna. Até porque não sabem o que isso significa. Como é que se pede o que nunca se teve? 18) Assim, andou mal o Tribunal a quo ao referir na sua sentença o seguinte: “Com efeito, a instrução dos procedimentos administrativos importa o apuramento dos factos que se mostrem pertinentes para a concreta decisão a tomar: se a aplicação do disposto no artigo 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo implica que se reconheça que o Requerente quedaria em situação de privação material extrema caso a transferência fosse executada e, simultaneamente, se o Requerente de proteção internacional alegou expressamente que lhe eram dadas determinadas condições em Itália, então não estava a Entidade Requerida obrigada a proceder a ulteriores diligências instrutórias para aquele efeito.” 19) Ora, dos factos dados como provados relevantes para a boa decisão da causa, não consta que o Requerente de proteção internacional, ora Recorrente, tenha referido expressamente que lhe “eram dadas determinadas condições em Itália”.

20) O mesmo também não consta das declarações prestadas junto do SEF.

21) Estes factos foram desconsiderados pelo Tribunal a quo na Fundamentação da matéria de facto da sua sentença e como tal não devem servir de fundamento à sua decisão final.

22) Na ponderação da natureza instrumental do processo e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjetivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, 23) Pois só assim ficam salvaguardados os Direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, habilitando ao cumprimento do ónus imposto ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorretamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 640º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º do CPTA.

24) A situação dos migrantes e, mais concretamente, dos campos de refugiados em Itália é gravíssima, sobretudo no que respeita às condições diárias em que estas pessoas vivem.

25) Estas circunstâncias podem ser desconhecidas, mas reconheça-se que este é um desconhecimento consciente.

26) Ademais, o Recorrente na fase de instrução do processo afirmou que quando entrou na Europa, “não pedi[u] asilo porque queria vir para Portugal.”.

27) No entanto, ao atravessar a fronteira com a França era sempre obrigado a voltar para Itália.

28) O Recorrente esteve em França e em Espanha e em nenhum destes países solicitou um pedido de Direito de asilo.

29) Assim, parece-nos excessivo afirmar que podemos estar perante uma situação de utilização abusiva dos procedimentos de asilo, também designado asylum shopping, que consiste na apresentação de pedidos múltiplos pelo mesmo requerente em diversos Estados Membros, com o objetivo de neles prolongar a sua estadia.

30) Como tal, não concordamos com o conteúdo da decisão do Tribunal a quo, que enferma de um evidente erro de julgamento devendo, consequentemente, ser revogada a sentença.

31) Ora vejamos, o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional rege-se pelos artigos 36.º e seguintes da Lei do Asilo e pelo Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, designado Regulamento Dublin.

32) De acordo com o disposto no artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, os Estados devem analisar os pedidos de proteção internacional que lhe são apresentados, nos termos legalmente previstos, lendo-se o seguinte: “Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.”.

33) Neste mesmo Regulamento vem regulado o procedimento aplicável aos pedidos de retoma a cargo, ou seja, quando um Estado considerar que é um outro Estado o responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento, poderá apresentar junto desse Estado Membro um “pedido de retomada a cargo”, lendo-se no artigo 23.º o seguinte: “Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do...

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