Acórdão nº 92/20.6BELSB-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público, do despacho proferido a 21.01.2020, que indeferiu o seu requerimento, no qual eram arguidas respetivamente, a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do n° 1 do art. 11.° e do n.° 4 do art. 25.° do CPTA, na redação da Lei n° 118/2019, de 17.09 e a nulidade por falta de citação do réu Estado Português e requerida, contra o Centro de Competências Jurídicas do Estado (doravante JurisApp).

Admitido que foi o mesmo, nas respetivas alegações de recurso concluiu o Recorrente nos seguintes termos: «(…) 1- Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferido a 21 de janeiro de 2020, que indeferiu o requerimento do Ministério Público no qual eram arguidas respetivamente a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do n.° 1 do artigo 11.° e do n.° 4 do artigo 25.° do CPTA, na redação da Lei n.° 118/2019, de 17/09 e a nulidade por falta de citação do réu Estado e requerida: A recusa da aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n° 1 do artigo 11° e do n° 4 do artigo 25° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei n° 11/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n° 1 do artigo do n° 1 do artigo 219° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n° 2 desta mesma disposição; A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188.°, n.° 1, al. a) e 187.°, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis), com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a citação do Estado no Ministério Público.

O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 85.° n.° 1 do CPTA e não foi citado, como se impunha.

3- Dispõe o n.°4 do artigo 25.° do CPTA, na redação conferida pela Lei n.° 118/2019: "Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo".

4- Sob uma aparência puramente procedimental e regulamentar — o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo —, trata-se de uma norma inovadora e que vem colocar em crise o quadro jurídico-constitucional vigente, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do n.° 1 do art.° 11° do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei n. º 118/2019.

7- O legislador constitucional faz uso, no aludido preceito constitucional, da palavra «representação», termo técnico «com conteúdo já fixado no discurso e nas instituições judiciárias». Não utilizou qualquer das expressões «patrocínio judiciário», «assistência por advogado», «mandato» ou «patrocínio forense» como ocorre em lugares paralelos constitucionais (artigos 20.° n.° 2, 32.° n.° 3 e 208.°).

8- A Constituição não prevê, nem expressa nem sistematicamente, qualquer limite ou condição na atribuição ou exercício desta competência constitucional de representação(judiciária) do Estado (administração central).

9- A atribuição constitucional de competência ao Ministério Público para representar o Estado não é uma decisão constituinte conjuntural e contingente, mas antes intencional e estrutural, na linha de uma longa tradição jurídica nacional.

10° Essa atribuição constitucional tem de ser considerada como «coerente», foi realizada em função e visando avocar e pôr em prática, no contencioso judiciário, os atributos constitucionais do Ministério Público, de uma «magistratura gozando de autonomia, nos termos da lei», a qual preceitua a respetiva vinculação a critérios de legalidade e objetividade» (Estatuto do Ministério Público, abreviadamente EMP, art° 2.° n.°s 1 e 2).

11- Sendo o Ministério Público, segundo o mandato constitucional, o «representante» (e não patrono, ou advogado ou mandatário) do Estado (administração central), para efeitos do respetivo contencioso (neste caso administrativo) só por intermédio do Ministério Público o Estado poderá estar em juízo, quer como autor quer como réu.

12- É ao Ministério Público, enquanto seu órgão judiciário, que institucionalmente compete exprimir a «vontade judiciária» do Estado e conduzir o processo nos seus aspetos de política e de técnica processual, no quadro de autonomia (nos termos da lei) e da vinculação a critérios de legalidade e objetividade e sem prejuízo de poderes de disposição da relação material controvertida, pelos órgãos superiores do Governo.

13- O Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisApp) não é um órgão (menos ainda um órgão superior da administração pública) mas sim um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa (Dec-Lei n.° 149/2017, de 6 de dezembro, art° 1.° n.° 1).

14- Contudo, por força dos efeitos jurídicos e práticos da conjugação dos artigos 11.°, n.° 1 e 25.°, n.° 4 do CPTA, o Estado (administração central) passa a ser representado, em sede do contencioso das ações administrativas, pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, ao qual é atribuída a competência para determinar se a citação será, ou não, transmitida ao Ministério Público, para efeitos de este assegurar na lide a representação judiciária do Estado.

15- A lei não estabelece qualquer critério, expresso e objetivo, conformando a decisão do JurisApp na escolha do representante judiciário legal e modo como coordenará «os termos da respetiva intervenção em juízo», o que significa que a determinação do «se» e do «como» da representação judiciária do Estado, nos termos do art° 25°, n°4 do CPTA, procederá de uma escolha «livre» do JurisApp , será uma decisão de «mérito», «oportunidade» ou «conveniência», desta forma instituindo a própria lei « a sua deslegalização, em matéria de reserva de lei».

16- O Código de Processo Civil vigente (aplicável subsidiariamente ao processo nos tribunais administrativos, «ex vi» art°1° do CPTA), aprovado pela Lei n.° 41/2013 dispõe no art. 24.°n°1, o seguinte: "O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção do Ministério Público logo que este esteja constituído". De igual modo, os 3 estatutos orgânicos do Ministério Público, aprovados em 1978 (Lei n° 39/78), 1986 (Lei n° 47/86) e 1998 (Lei n° 60/98 "confirmaram" e acolheram a solução constitucional de representação do Estado por parte daquele órgão, em formulações iguais e sempre localizadas na al. a) do n.° 1 do art. 3.° de cada um dos diplomas.

17- Decorridos cerca de 22 anos após o inicio de vigência da Constituição de 1976, a Lei n.° 60/98 (EMP) alargou e concretizou o âmbito da representação do Estado por parte do Ministério Público.  18- Em 01-01-2020 entrou em vigor o 4° Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.° 68/2019 e publicado em 27 de agosto, menos de um mês antes da publicação da Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca.

19- Esse novo diploma orgânico (EMP) continuará a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (art° 4.°/1/a)) e a prever a...

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