Acórdão nº 454/11.0BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Município da Horta, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, ação administrativa comum, sob forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil, contra o Estado português, na qual pediu a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 945.549,078, a título de indemnização por danos patrimoniais e ainda em juros de mora, à taxa legal a contar da data da citação, a qual, por sentença daquele Tribunal, datada de 23/02/2015, foi julgada improcedente, sendo o Réu absolvido do pedido.

* Inconformado o aqui Recorrente, apresentou recurso, tendo terminado as suas alegações, com as seguintes conclusões, que infra se reproduzem: “1ª· A presente ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito foi proposta com vista à condenação do RECORRIDO ao pagamento, ao RECORRENTE, de uma indemnização no montante global correspondente à participação variável de 5% no IRS devido ao Recorrente nos termos dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) e 20.º, da LFL e que não lhe foi efetivamente transferido, acrescido dos respetivos juros legais de mora.

  1. Por Sentença de 23 de fevereiro de 2015, o Tribunal a quo julgou a presente ação improcedente, tendo, nessa medida, absolvido o RECORRIDO dos pedidos contra o mesmo formulados.

  2. Para o efeito, o Tribunal a quo - na senda da jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de junho de 2012, proferido no processo n.º 0272/12 (que, por sua vez, havia seguido a jurisprudência constante do Acórdão n.º 488/08 do Tribunal Constitucional) – considerou que «Os municípios das regiões autónomas não obtêm directamente dos preceitos da Lei das Finanças Locais o reconhecimento do direito a montantes de IRS. Apenas através de decreto-legislativo regional obterão esse reconhecimento».

  3. Noutros termos, o Tribunal a quo assumiu como certo que a participação variável de 5% no IRS dos municípios insulares constitui o resultado de uma transferência da titularidade de parte da receita do IRS das Regiões Autónomas para esses municípios e que, por essa razão, sempre seria necessário, para o efeito, a aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.º, n.º 3, da LFL.

  4. Sucede, porém, que a participação variável de 5% no IRS deve ser reconduzida, face aos respetivos elementos estruturantes, à categoria de receita municipal consistente no produto da participação municipal nas receitas fiscais do Estado (e não, como concluiu o Tribunal a quo, à categoria de receita municipal consistente no produto da cobrança de IRS).

  5. Consequentemente, sendo essa receita municipal insuscetível de afetar as receitas das Regiões Autónomas, a transferências da mesma -do Estado para os municípios -não depende da aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.º, n.º 3, da LFL (constituindo este, antes, o meio de regulação – rectius, evitação – do impacto, nas finanças regionais, decorrente da putativa renúncia dos municípios insulares a parte ou à totalidade da referida participação variável de 5% no IRS).

  6. Com efeito, a percentagem variável - com o limite de 5% - no IRS, constitui, simplesmente, um «novo» critério de mensuração das transferências financeiras que devem ser efetuadas pelo Estado em cumprimento do direito de participação dos municípios nas receitas provenientes dos impostos diretos, e não, portanto, uma receita tributária (de IRS) própria dos municípios.

  7. No caso particular do direito de participação previsto na alínea c) do artigo 19.º da LFL, dispôs o n.º 1 do artigo 20.º da LFL, que «Os municípios têm direito, cm cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78° do Código do IRS».

  8. Mais adiante, determinou ainda o legislador, no n.º 1 do artigo 25.º da LFL, que é o próprio RECORRIDO que se encontra obrigado, após obtenção da receita pública participada, a transferir o montante da indicada participação variável de 5% no IRS para os municípios, estabelecendo, para esse efeito, que «São anualmente inscritos no Orçamento do Estado os montantes das transferências financeiras correspondentes às receitas municipais previstas nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 19.º [da LFL]».

  9. Decorre dos citados preceitos legais, pois, que o quantum devido aos municipios ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º da LFL é apurado, somente, no momento (no ano orçamental) do apuramento da coleta de imposto ou em que o IRS é efetivamente objeto de liquidação, ou seja, no ano seguinte àquele a que respeitam os rendimentos tributados.

  10. Significa o anterior, por outras palavras, que no momento do apuramento da coleta de IRS dos respetivos munícipes -momento relevante para o apuramento da participação variável de 5% no IRS atribuída aos municípios nacionais -, a entidade titular dos respetivos créditos fiscais já cobrou uma parte muito significativa - senão quase a totalidade - da correspondente receita tributária (tendo apenas que receber, relativamente a ela, a diferença entre o imposto retido na fonte ou pago por via dos pagamentos por conta e o definitivamente liquidado a final).

  11. A esta luz, permite-se concluir que o elemento quantitativo desta participação variável de 5% no IRS é fixado por referência à receita do IRS, tendo esta sido já cobrada e arrecadada – e, assim, gerada a respetiva receita pública na esfera da entidade titular do direito de crédito -, na sua quase totalidade, no ano anterior àquele em que a participação dos municípios se torna devida.

  12. O mesmo é dizer, pois, que a participação variável de 5% no IRS não investe os municípios na titularidade do produto da cobrança de 5% do IRS devido pelos seus munícipes (já cobrado e inscrito como receita em momento anterior) mas, tão-somente, no direito - de crédito - concretizado no montante apurado por referência àquele mesmo produto.

  13. Dito ainda de outro modo, a receita municipal constituída pelo produto da participação nos recursos públicos e, em particular, a participação variável de 5% no IRS, tem subjacente, não uma receita tributária própria do município, mas antes um direito de crédito dos municípios sobre o Estado, ou seja, o direito daqueles ao produto da transferência financeira referida no citado n.º 1 do artigo 25.º da LFL, apurada, por seu turno, de acordo com os critérios quantitativos estabelecidos no artigo 19.º da LFL.

  14. Travejando o que se afirma, sublinha o RECORRENTE a pronúncia do Tribunal de Contas, no Relatório n.º 112010-AEORE-2.ªS de Acompanhamento da Execução do Orçamento da Receita do Estado de Janeiro a Dezembro de 2009 (cf. p. 49), em que este Tribunal subscreve entendimento idêntico ao aqui sufragado: a receita municipal decorrente da participação variável de 5% no IRS tem por efeito atribuir ao ora RECORRENTE – na sua qualidade de município nacional –, um direito de crédito sobre o RECORRIDO, devido em cumprimento do direito de participação dos municípios nas receitas dos impostos diretos do Estado (e não a titularidade da respetiva receita tributária).

  15. Aqui chegados, impõe-se, objetivamente, infirmar a qualificação da participação variável de 5% no IRS como uma receita fiscal dos municípios e, consequentemente, enquadrá-la nas receitas municipais consistentes no produto da participação nos recursos públicos.

  16. Consequentemente, não se pode deixar de concluir, igualmente, que a receita municipal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º da LFL é insuscetível de afetar as receitas das Regiões Autónomas.

  17. Também por essa razão, a sua obtenção por parte dos municípios autonómicos não depende da aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.º, n.º 3, da LFL, tendo o mesmo outro propósito.

  18. A LFL atribui aos municípios a faculdade de -mediante deliberação renunciativa a parte da transferência financeira do Estado calculada sobre a coleta do IRS dos seus munícipes -, beneficiarem os seus munícipes como uma redução proporcional das respetivas coletas do IRS 20ª.

    Sendo as Regiões Autónomas as entidades titulares das receitas do IRS devido pelos sujeitos passivos domiciliados nas respetivas circunscrições territoriais e produzindo a eventual renúncia dos municípios insulares a parte ou à totalidade da transferência financeira prevista na alínea c) do n.º 1do artigo 19.º da LFL, um efeito constitutivo de uma dedução à coleta dos sujeitos passivos domiciliados na correspondente circunscrição territorial do município renunciante, não se pode deixar de assacar a essa renúncia um efeito, indireto, redutivo das receitas fiscais das Regiões Autónomas.

  19. É, pois, neste contexto que surge a previsão do artigo 63.º, n.º 3, da LFL: tendo a renúncia prevista nos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) e 20.º da LFL por efeito a redução das receitas fiscais regionais, o legislador fez depender a sua aplicação (aos municípios dos arquipélagos) da aprovação de um decreto legislativo regional.

  20. Por conseguinte, a aplicação da referida faculdade renunciativa aos municípios insulares depende da aprovação do decreto legislativo regional previsto no n.º 3 do artigo 63.º da LFL, pelo que, enquanto este não for aprovado, os municípios autonómicos estarão impedidos de provocar, através de uma deliberação da assembleia municipal, os efeitos que se desprendem dessa deliberação, ou seja, o aumento das deduções à coleta de IRS dos seus munícipes, com a consequente redução das receitas fiscais das Regiões Autónomas.

  21. Em suma: a transferência, do Estado para os municípios, da participação prevista no artigo 19.º, n.º 1, alínea c), da LFL - sendo insuscetível de afetar as receitas das Regiões Autónomas -não está subordinada à aprovação do decreto legislativo...

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