Acórdão nº 227/20.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO GOUVEIA
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO A........

, nacional da Gâmbia, alojado na Q........, Casa Senhorial, Norte S/N, em Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA impugnação judicial urgente de decisão de inadmissibilidade de pedido de proteção internacional contra MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF).

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte: - Declaração da nulidade da decisão da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 03.01.2020, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que formulou junto do Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, determinando a sua transferência para Itália, bem como - Substituição deste ato por outro que permita a análise do pedido de proteção internacional, no Estado Português.

Por sentença, o tribunal a quo decidiu absolver o réu dos pedidos.

* Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte extenso quadro conclusivo: A - O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida a 31.03.2020 dos autos supra referenciados, que indeferiu o pedido de anulação da decisão do Ministério da Administração Interna/Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional ao abrigo do artigo 19-A, nº1, d) da Leiº 27/2008 de 30 de Junho, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio (Lei de Asilo), e consequente transferência do recorrente para o Estado italiano considerado como responsável pela análise do pedido.

B - A impugnação do recorrente foi baseada no facto de que a autoridade competente ré, ora recorrida, não verificou as condições de acolhimento da Itália ao abrigo do artigo 3º, nº2 do Regulamento 604/2012 do PE e do Conselho de 26 de Junho (Regulamento de Dublin), sendo de notório conhecimento a atual situação económica e social do Estado italiano quanto às deficiências do sistema de acolhimento dos requerentes de asilo e proteção internacional.

C - Apesar de reconhecer as degradantes condições de acolhimento do Estado Italiano, entendeu o tribunal a quo que não houve violação das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, 58.º e 115.º, nº 1 e 2, do CPA, não se verificando, de igual modo, a violação do direito de asilo e do princípio da não expulsão.

D- Resulta que a douta Sentença na sua ponderação e julgamento do caso sob júdice fez uma interpretação incorreta dos critérios e mecanismo de procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da Lei de Asilo e do Regulamento (UE) 604/2013, doravante denominado Regulamento de Dublin.

E- O recorrente formulou pedido de Proteção Internacional junto ao Gabinete de Asilo e Refugiados em Portugal no dia 18/11/2019 que foi registado processo sob o número 1891/19, sendo na mesma data coletados os dados e as digitais do requente através do “Inquérito Preliminar” - Cfr. fls. 1-6 do Processo Administrativo.

F- O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao consultar o registo das digitais do requerente na base de dados do sistema Eurodac, verificou a existência de outro registo em Itália sob o nº IT1AN00W4E (Cfr. fls. 3 do PA).

G- Diante da informação localizada no Eurodac de que o requerente deu primeiro entrada ao pedido de proteção internacional no Estado italiano, as autoridades portuguesas iniciaram o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido, previsto no artigo 36º e seguintes da Lei de Asilo, em conjunto com o Regulamento (UE) n.º 604/201 do PE e do Conselho, no qual estabelece os critérios de determinação do Estado Responsável.

H- Em entrevista realizada no dia 03/12/2019 ao abrigo 5º do Regulamento de Dublin (Cfr. fls. 24 – 31 do PA) declarou o recorrente que saiu da Gâmbia para o Senegal, posteriormente foi para a Nigéria e Líbia onde permaneceu 8 meses, até atravessar de barco para Itália, onde foi requerido asilo.

De acordo com o autor, não houve um bom tratamento, as autoridades italianas fizeram muitas perguntas, não lhe deram documentos e apesar de se queixar com dor de estômago, não foi encaminhado para um atendimento médico.

I- Apesar de ter sido notificado no mesmo dia da entrevista da possibilidade de transferência para o Estado Italiano, o recorrente havia dito na entrevista que estaria sem moradia, documentação e assistência médica adequada no Estado italiano e, portanto, sem qualquer garantia mínima de subsistência, o que afeta a sua condição como indivíduo.

J - Contudo, a entidade competente portuguesa apresentou no dia 16/12/2019 o pedido de retoma de cargo às autoridades italianas ao abrigo do artigo 18 nº 1, d) do Regulamento de Dublin, que estabelece - O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a: (…) d)Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.

K- Diante da ausência de manifestação das autoridades italianas no prazo de 2 (duas) semanas previstas no artigo 25, nº 1 do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, considerou tacitamente aceite o pedido ao abrigo do artigo 25, nº 2 do mesmo Regulamento, sendo o pedido considerado inadmissível nos termos da alínea a), do nº 1 do artigo 19- A da Lei de Asilo em decisão datada no dia 03/01/2020.

L- Ressalta-se neste ponto que, quando se verifica que o pedido está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado membro, não é analisado o mérito do pedido nem os fundamentos em que baseia a pretensão dos requerentes, tendo em vista que as causas de inadmissibilidade previstas no artigo 19-A, nº 1, d), prescinde da análise das condições de preenchimento do benefício do estatuto de proteção internacional, conforme dispõe o nº 2 do referido diploma legal.

M- Ocorre que no caso em questão, a recorrida não levou em consideração o depoimento do recorrente que claramente apontaram a precariedade das condições de acolhimento da Itália, nem consideraram as informações divulgadas em toda a imprensa nacional e internacional, bem como Relatórios de organizações não governamentais (documento juntado aos autos na PI) que revelam as péssimas condições em que vivem os requerentes de pedido de proteção internacional neste país.

N- Nesse sentido, segundo o nº2, do artigo 3º do Regulamento (UE) 604/2013, o Estado-Membro pode não transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado como responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistemáticas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento que impliquem risco de tratamento desumano ou degradante.

O- Por conseguinte, o depoimento do recorrente evidenciou, de forma inequívoca, indícios das condições precárias de acolhimento em Itália que corroboram as informações divulgadas na imprensa e pelas organizações não governamentais que os refugiados no Estado italiano vivem em condições desumanas devido à política de acolhimento inadequada e falta de acesso a serviços básicos.

P- Desta forma, diante do depoimento prestado pelo recorrente, bem como a situação atual da Itália designadamente as condições de acolhimento dos refugiados, incumbia ao recorrido realizar todas as diligencias necessárias, como contactar entidades credíveis como ACNUR e Amnistia Internacional, para instruir um procedimento com informações atualizadas sobre o funcionamento e procedimento de asilo italiano e as condições do acolhimento dos requerentes neste Estado Membro, com vista a verificar a possibilidade de transferência do requerido.

Q- O Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão 21.12.2011 (Proc. Apensos C-411/10 e C-493/10) na receção do antigo Regulamento 343/2003 (UE) entende que incumbe aos Estados Membros observarem a Carta de Direitos Fundamentais, incluindo os órgãos jurisdicionais. Desta forma, quando houver indícios de deficiências procedimentais e do sistema de acolhimento dos requerentes de asilo no “Estado-Membro Responsável”, conduzindo a sérias razões de que o asilado corre um risco de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, pode o Estado-Membro não proceder à transferência do requerente de asilo político para o “Estado Responsável”.

R- A própria douta Sentença reconheceu a “existência de falhas sistemáticas ao nível do funcionamento do procedimento de proteção internacional italiano, bem como ao nível de garantias processuais e condições de acolhimento”, apontando ainda que “decisão impugnada mostra-se, de facto, omissa relativamente a qualquer informação sobre a situação atual da República Italiana, no que concerne ao funcionamento do procedimento e às condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional”.

S- Entretanto, decidiu o tribunal a quo que não houve violação dos artigos 3º, nº 2 do Regulamento de Dublin e 58º e 115º nº 1 e 2, do CPA, entendendo que a saída do território italiano pelo recorrente foi motivada exclusivamente por ter sido o mesmo notificado a abandonar o país.

T- Contudo, não existem provas nos autos que o autor saiu da Itália por ter sido notificado a abandonar o país. Conforme se depreende das informações prestadas pelas autoridades italianas, no sistema Eurodac não há data de saída do requente depois da rejeição do pedido de proteção internacional. Esta informação deve ser atualizada nos termos do artigo 10º, d), do Regulamento (EU) n.º 603/2013 (Regulamento Eurodac).

U- Portanto, não se pode concluir a partir da informação do sistema Eurodac que houve uma decisão de afastamento, sendo certo que se as autoridades italianas...

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