Acórdão nº 249/19.2BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M….. interpôs providência cautelar contra a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), ao abrigo dos artigos 112.º, n.

os 1 e 2, al. a), e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), requerendo a suspensão de eficácia de ato administrativo, através do qual lhe foi comunicado que a APA vai, no dia 28/03/2019, pelas 10 horas, tomar posse administrativa de construção sita no sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa da Caparica, de que a requerente é proprietária, para posterior demolição.

Alega, em síntese, que assumiu junto da requerida o compromisso de demolir a construção nova e manter a antiga, sendo que o ato suspendendo, ao determinar a demolição das duas construções viola o seu direito de audiência, o princípio da igualdade e o dever que impende sobre as entidades públicas de respeitarem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estando reunidos os requisitos exigidos para concessão da providência cautelar.

Citada, a APA deduziu oposição, tendo apresentado defesa por exceção, invocando a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, por não ter sido citada para o presente processo a C…..

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O TAF de Almada supriu a exceção suscitada, ordenando a citação dessa sociedade.

Citada, a C….. deduziu oposição, alegando inexistir norma que exija a prática de ato prévio à tomada de posse, que a requerente não procedeu à remoção num prazo razoável e não estarem verificados os requisitos para a adoção de providência cautelar.

Por sentença de 27/12/2019, o TAF de Almada julgou procedente a providência cautelar consubstanciada no pedido de suspensão de eficácia do ato suspendendo e, em consequência, intimou as entidades requeridas à abstenção da prática de qualquer ato administrativo ou ato material de execução do referido ato.

Inconformada, a requerida C….. interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1.ª O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quando à decisão sobre a matéria de facto, ao não ter dado, indiciariamente, por provado, factos determinantes e essenciais para o correto julgamento da causa, mais concretamente, para a verificação do requisito do periculum in mora e do requisito de fumus boni iuris, e que resultam quer da produção da prova testemunhal, quer da própria lei.

  1. Com efeito, do depoimento da testemunha F….., resulta que, por um lado, a parte sobrante do palheiro n.º ….., é composto por tábuas de madeira completamente podres, que não têm qualquer utilidade ou funcionalidade, sendo certo que o que resta do palheiro vai, impreterivelmente para o lixo; por outro, face às condições que em que se encontra o suposto palheiro preexistente, tudo o que vier a ser construído naquele sítio é completamente novo, pelo que as obras realizadas não são, na verdade, obras de manutenção! 3.ª Ora, estes factos, a terem sidos considerados Tribunal a quo impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão daquela que foi tomada quanto ao requisito do periculum in mora, isto porque ficou cabalmente demonstrado que não há qualquer “situação de facto consumado”, uma vez que é a própria ora Recorrida que vai demolir o pouco que resta do palheiro preexistente.

  2. Da mesma forma, existem factos que tinham, e deviam, ter sido trazidos à matéria de facto dada, indiciariamente, por provada, porque resultam da lei e impõem uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo quanto ao requisito do fumus boni iruis.

  3. Mais concretamente, o facto de terem sido extintos todos os direitos de uso privativo constituídos sobre bens imóveis situados nas zonas de intervenção previstas pelo Programa Polis, onde se insere a área do sistema dunar da Praia da Saúde, na Costa da Caparica, e o facto desses mesmos bens imóveis terem sido transmitidos para a propriedade da C….., o que inclui o palheiro n.º ….., por força do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, 6.ª Ora, tais factos, que decorrem impreterivelmente da lei, não permitiriam o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, segundo qual a construção ilegal da Requerente poderia ser sujeita a “eventual processo de legalização”; 7.ª Face ao exposto, e atento ao ostensivo erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto, dever-se-á aditar à matéria de facto dada indiciariamente por provada os seguintes factos: i) “A parte sobrante do palheiro n.º ….., não é apta a ter qualquer funcionalidade em virtude do seu estado de total degradação”; ii) “Toda a parte sobrante do palheiro n.º …..será removida pela própria Requerente, através dos trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., face à impossibilidade de se aproveitar os seus materiais”; iii) “Os trabalhos de construção realizados pelo Senhor F….., não incidem sobre o palheiro n.º …..tratando-se, outrossim, de uma construção nova sita no local onde se encontrava o anterior palheiro n.º …..”; iv) “Por força do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, foram extintos todos os direitos de uso privativo, constituídos sobre imóveis situados nas zonas de intervenção aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 119/2000, de 4 de Julho, que respeitem ao domínio público marítimo e ao domínio público hídrico, o que inclui a área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, onde se insere o palheiro n.º …..”; v) “Por força do artigo 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, todos os bens imóveis situados área do sistema dunar da Praia da Saúde na Costa da Caparica, foram transmitidos para a C….., o que inclui o palheiro n.º …..”.

  4. O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao ter dado por verificado o requisito do fumus boni iuris, com fundamento no vício de violação de lei, por ofensa dos princípios da proporcionalidade, uma vez que, não tendo a ora Recorrida qualquer licença para ocupar o terreno que é do domínio público e onde se insere o palheiro n.º ….., estamos perante uma clara ocupação ilegal e abusiva por parte da ora Recorrida, cuja única solução equilibrada tendente a cumprir o fim do interesse público legalmente previsto, seria a tomada de posse de toda a estrutura para posterior demolição e, nestes termos, a deliberação impugnada mostrasse proporcional no caso em apreço.

  5. Por outro lado, a sentença ora recorrida enferma de erro de julgamento, ao considerar verificado o requisito do periculum in mora, uma vez que no caso em apreço não se verifica nenhuma situação de facto consumado, já que aquilo que a ora Recorrida pretendia evitar com a ação principal, portanto, a demolição do palheiro n.º ….., vai ser pela própria provocado com as obras que está a realizar, conforme resultou do depoimento da testemunha F….. em audiência de inquirição de testemunhas.

  6. O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao ter considerado que os alegados interesses privados da ora Recorrida, portanto, a situação de facto consumado, seriam prevalecentes face ao interesse público objetivamente prosseguido pela ora Recorrente.

  7. Até porque, ficou cabalmente demonstrado que não existe qualquer situação de facto consumado passível e merecedora de tutela cautelar, sendo certo que a prevalência do interesse público em presença é por demais manifesta, atenta a imprescindibilidade da realização integral do Programa Polis na Costa da Caparica, mais concretamente, a requalificação da frente atlântica na Costa da Caparica, bem como do Plano de Pormenor das Praias de Transição e do integral cumprimento do disposto no POOC Sintra/sado, no que à proteção ambiental e salvaguarda de pessoas e bens diz respeito.

  8. Face a tudo o exposto, fica cabalmente demonstrado que não se verificam no caso sub iudice os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar requerida, nos termos do artigo 120.º, n.º 1 e 2 do CPTA, pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a providência cautelar requerida.” A requerente apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: 1) O Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de apreciação da matéria de facto com relevância para a decisão dos autos.

2) Conforme deflui das passagens da gravação da audiência de inquirição de testemunha F….. as obras realizadas no palheiro n.º ….. da Praia da Saúde na Costa da Caparica tinham como único propósito a conservação desta edificação sendo que o método de trabalho de que se socorreu é o mesmo que é utilizado no procedimento de manutenção deste tipo de construções: substituição de madeiras em mau estado por outras.

3) Ao contrário do invocado pela Recorrente, o Tribunal não ignorou o quadro legal aplicável à data da prática do ato, no qual a Recorre exclusivamente alicerça a sua argumentação. Não se desconhece igualmente que, conforme é invocado pela recorrente, para efeito da implementação do Programa Polis, os terrenos do domínio público marítimo foram desafetados do domínio público do Estado, tendo sido os mesmos transmitidos para a propriedade das sociedades gestoras das intervenções do Programa Polis (artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de Dezembro).

4) Porém, determina igualmente o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 330/2000, que “realizado o objeto social da sociedade gestora do Programa Polis ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafetados por via do presente diploma serão afetados ao domínio público do Estado sem encargos ou responsabilidades”, sendo, pois, evidente que evidente que, com a deliberação da extinção da Costa Polis, tendo sido imediatamente iniciado o seu processo de liquidação, operou-se a reversão legal automática prevista no citado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 330/2000.

5) Neste propósito o Decreto-Lei n.º 55/2016, de 26 de agosto alterou as competências legais da APA, por forma a determinar a competência da APA para a execução dos...

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