Acórdão nº 00119/06.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução03 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A. e Outra, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum que intentaram contra o Município de (...), tendente a, em síntese e designadamente, a obterem a condenação do Réu a: (i) a abster-se de conduzir águas residuais para o prédio dos AA. ou a proceder às obras necessárias a que o saneamento existente no prédio dos AA. se faça em condições de higiene e segurança, (ii) ao pagamento a titulo de sanção pecuniária compulsória da quantia de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida em (i), (iii) ao pagamento aos AA. da quantia de €131.200 a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (...), Inconformados com a Sentença proferida em 30 de outubro de 2019 no TAF de Mirandela, que decidiu julgar “a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se o R. do pedido”, vieram recorrer da mesma para esta instância.

Formulam os aqui Recorrentes/A. e M nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 16 de dezembro de 2019, as seguintes conclusões: “1ª) A douta sentença padece dos males/vícios referidos em sede de motivação, para a qual se remete. Com efeito 2ª) In casu, estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual; sendo requisitos do dever de indemnizar com fundamento neste tipo de responsabilidade, nos termos do artigo 483º, nº1, do Código Civil, a existência de um facto voluntário, ilícito, culposo, (dolo ou mera culpa), prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

2ª) Como exceções à regra do primado da culpa, existem os casos de responsabilidade objetiva ou pelo risco e as presunções legais de culpa, por força das quais, nos termos do disposto no artigo 350.º C.C., a parte escusa de provar o facto que a ela conduz, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. Posto isto, 3ª) Dispõe o artigo 493º, nº 2 do C. Civil que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.” Estamos perante um conceito indeterminado, a apreciar caso a caso, em função das especificidades concretamente provadas.

Ora, 4ª) Como resulta da própria sentença recorrida, «provou-se que, - As águas da Ribeira de (...) infiltram-se nos solos do prédio dos AA.; - A composição das águas residuais é variável, podendo conter poluentes químicos, físicos e biológicos; - As águas que correm na Ribeira de (...) ocasionalmente apresentam maus cheiros na zona do prédio dos AA.

- Em períodos de maior pluviosidade, principalmente no Inverno, o caudal da Ribeira de (...) aumenta; - Desde 2004, algumas árvores, incluindo oliveiras, laranjeiras e outras árvores de fruto, que os AA. plantavam secaram e que os AA. procederam replantações.

- Desde 2004, os animais que os AA. criavam no terreno referido em 1. morreram.

- Por volta do ano de 2015 uma parte dos muros que ladeiam o curso de água na zona do prédio dos AA. caíram em virtude de uma enxurrada; - Entre o dia 22 e 23 de Setembro de 2019 foi realizada uma descarga de resíduos na Ribeira de (...) que provocou mau cheiros e tornou a água escura e espumosa.».

5ª) A realização das descargas de águas residuais, consideráveis, durante um longo período de tempo, numa rede de águas pluviais pública numa povoação tem de considerar-se uma atividade perigosa, atenta a própria natureza da atividade, dada a composição das mesmas águas residuais (podendo conter poluentes químicos, físico e biológicos- cfr. ponto 18 dos factos dados por provados) por ter ínsita ou envolver uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral.

6ª) In casu, cabia à ré/recorrida alegar e provar ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias, para evitar os eventuais perigos resultantes da sua concreta atividade.

Melhor dizendo, competia à ré/recorrida provar que adotou todas as medidas necessárias para que os Autores/recorrentes não sofressem os danos alegados em sede de petição inicial autora. Ora, essa essa prova não foi feita.

Porém, 7ª) Entendeu a douta sentença recorrida que, “Não se provou a factualidade constante dos pontos 6 a 13 dos Factos não provados. A este respeito, reitera-se que as testemunhas do A. foram genéricas, afirmando que as águas da ribeira apresentavam coloração negra, espumosa, e maus cheiros, imputando a causa aos “esgotos” que aí afluíam, mas sem lograrem esclarecer o Tribunal das razões pelas quais formularam tais conclusões, designadamente indicando que viram as condutas do saneamento a despejar esses detritos, que no percurso da ribeira não existiam desvios de redes de águas ilegais ou despejos não permitidos de casas, industrias e serviços, que pudessem ser a causa de tais variações á agua da ribeira”. Porém, Atento o supra exposto, tal ónus de prova (em sentido contrário), nomeadamente da inexistência de outras fontes de despejo dos detritos, ou de que no percurso da ribeira existem desvios de redes de águas ilegais ou despejos não permitidos de casas, industrias e serviços, que pudessem ser a causa de tais variações à água da ribeira, incumbiam á R., que não aos AA.

8ª) O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa devida a Enneccerus - Lehmann. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.

O dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos (in Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre..., pág. 392 e 393, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pág. 617).

Na formulação negativa (mais ampla) o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

9ª) In casu, mesmo apelando às tradicionais teorias de causalidade, o que se observa é que não foram alegados pela R./recorrida quaisquer factos suscetíveis de quebrar o nexo de causalidade entre o facto danoso – descarga de resíduos para a ribeira pública que atravessa o prédio rústico dos A.A.- e todas as lesões sofridas pelos autores, designadamente a morte de animais e perda de plantas.

10ª) Temos, pois, um facto naturalístico, condicionante de um dano sofrido pelos autores/recorrentes, facto esse que é, em geral e abstrato, adequado e apropriado a provocar aquele dano. Já na formulação negativa, incumbia á R. alegar e provar que para a produção desse dano contribuíram decisivamente circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Acresce que, 11ª) A presente ação destina-se, entre outros, ao restabelecimento de direitos violados (art. 37º nº2 al. d) e alínea j) do nº2 do art. 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Ora, Conforme foi entendimento do Acórdão do STJ, de 08/06/2000: CJ/STJ, 2000, 2º- 262) « I- A ação de condenação pressupõe a violação de um direito…II nas ações de condenação é ao réu que incumbe alegar e provar a não violação do direito invocado por incumprimento da obrigação a que se encontra vinculado.».

Por todo o exposto, 12ª) Incumbia à R. alegar e provar (prova que no modesto entender do aqui recorrente, a R. não fez) que cumpriu com a sua obrigação legal de tratar os resíduos e de impedir que os mesmos detritos/resíduos fossem deitados/encaminhados para a Ribeira Pública do (...).

Ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que 13ª) O Tribunal a quo deveria ter entendido que a natural dificuldade da prova de factos negativos torna aconselhável menor exigências quanto á prova dos mesmos factos (neste preciso sentido, veja-se Pereira Coelho, RLJ, 117º-95).

Sempre sem prescindir do alegado; 14ª) Os peritos não conseguiram responder á maior dos quesitos que lhes foram colocados, não só por que não realizaram quaisquer medições ou recolha e análise de materiais no local, bem como, atento o longo período de tempo decorrido (uma década) após a entrada em juízo da presente ação.

15ª) Da prova testemunhal, seja dos AA., seja da R., produzida em audiência de julgamento, resulta demonstrado e reconhecido pelo Tribunal a quo que, até 2009, as águas residuais era encaminhadas para a Ribeira do (...), bem como que, mesmo após essa data, continuaram a existir descargas da estação elevatória para a aludida Ribeira do (...), nomeadamente em virtude de avarias na referida estação elevatória.

Mais declararam as testemunhas do A.A. que no decurso das descargas residuais para a ribeira, as plantas (hortaliças, árvores de fruto, amendoeiras, oliveiras, etc) e os animais (ovelhas e coelhos) dos AA. (na ordem de várias dezenas) começaram a morrer, dado o envenenamento do solo. Com efeito, 16ª) O próprio Município de (...) comunicou ao A. A., por oficio datado de 16/04/2019, relativamente ao assunto “elevatória do (...)” que «o problema se encontra resolvido» (cfr. doc.1 junto com o articulado superveniente dos AA. e que aqui se dá aqui por reproduzido). Ou seja, se o problema está alegadamente resolvido, é porque existiu um problema!! Mais, 17ª) Resulta do depoimento das testemunhas, seja dos A.A. seja, da R. (nomeadamente de J., o qual foi Presidente e Vice- Presidente da Câmara Municipal de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT