Acórdão nº 2784/12.4BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, melhor identificada nos autos, veio intentar acção administrativa especial, com vista à impugnação do acto de indeferimento do pedido de isenção do pagamento das taxas de licenciamento de operação urbanística no âmbito do processo n.º 7420/OTR/2011, pedindo a sua anulação e a condenação do Réu a reconhecer o seu direito à isenção de tais taxas.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 140 e ss, (numeração em formato digital – sitaf), datada de 15 de Julho de 2016, julgou procedente a acção, condenando o Município de Lisboa a reconhecer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a isenção das taxas urbanísticas em causa no referido procedimento.

Nas alegações de fls. 185 e ss, (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente, Município de Lisboa, formulou as conclusões seguintes: «I - O ora Recorrente não se conforma com a douta sentença do tribunal a quo de que ora se recorre, e que julgou procedente a presente Ação, por provada, e, em conformidade, condenou o Recorrente a reconhecer o direito da Recorrida à isenção das taxas urbanísticas liquidadas no âmbito do processo administrativo n.º7420/OTR/2011.

II - O Decreto-Lei nº 40397 de 24 de Novembro de 1955 que determinava que a Misericórdia de Lisboa gozava de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos foi expressamente revogado há 20 anos pelo Decreto - Lei nº 322/91 de 26 de Agosto que aprovou os então novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, tendo sido mantida em vigor aquela norma de isenção por força do artigo 34º daquele Decreto - Lei nº 322/91, que estabelecia que "Mantêm-se, a favor da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei. tendo este, posteriormente, sido expressamente revogado sem qualquer ressalva, pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 235/2008 de 3 de Dezembro.

III - Logo, desde a entrada em vigor do Decreto-lei nº 235/2008, as isenções de taxas municipais, quanto à Recorrida, passaram a ser exclusivamente apreciadas pela Câmara Municipal de Lisboa, no âmbito e de acordo com as disposições regulamentares municipais aplicáveis às taxas municipais em causa.

IV-A sentença recorrida sufragou uma interpretação diversa que o Recorrente repudia e contraria com base na alteração constitucional de 2001 e a sucessão de diplomas legais em especial1 o RFALEI e a anterior LFL (Lei 73/2013, de 3 de setembro e a anterior Lei 2/2007, de 15 de janeiro) e o RGTAL que em 2007 vieram concretizar o principio da autonomia financeira das autarquias na sua vertente de atribuição de poderes tributários às autarquias consagrado no n.º 4 do artigo 238. º da CRP.

V - Com efeito e contrariamente ao que o tribunal a quo defende, por força daquele n.º 4 do artigo 238.º da CRP e dos diplomas legais que lhe vieram dar execução, em nome do princípio da autonomia financeira local materializado naqueles diplomas legais e do princípio da igualdade tributária cuja concretização e cumprimento são constitucional e legalmente confiados aos órgãos municipais, encontra-se vedada ao legislador ordinário, em especial ao Governo, a atribuição de isenções de taxas municipais criadas pelos municípios.

VI - Permitir que o legislador estabeleça isenções de taxas municipais criadas pelos competentes órgãos autárquicos - quando o mesmo legislador, em nome da autonomia financeira das autarquias, veio impor que essas mesmas isenções sejam criadas pelo órgão deliberativo da autarquia e vedar ao Governo a sua criação exceto em casos concretos previstos na lei (mas sempre mediante consulta dos municípios e havendo lugar a compensação em caso de discordância expressa das autarquias) seria uma subversão daquele princípio que, por essa via, correria o eminente risco de se ver esvaziado de conteúdo e logo, em frontal violação do mesmo.

VII - E tal imposição não resulta somente do disposto nos artigos 8.º e 17º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), mas também da própria Lei das Finanças Locais (LFL) constante da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, no seu artigo 12 º (já revogada), quer da atualmente vigente Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro que aprovou o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (RFALEI), no seu artigo 16.º que reserva expressamente aos municípios a criação e fundamentação das isenções de impostos municipais e outros tributos próprios.

VIII - Já neste sentido vai a interpretação defendida pelo ilustre Professor SALDANHA SANCHES que entende que os poderes tributários das autarquias se lhes encontram reservados por via da articulação do disposto no nº 4 do aligo 238. º da CRP e da previsão legal dos mesmos na LFL e no RGTAL, ao dizer-nos que “No sistema constitucional português, os municípios dispõem de uma estrutura organizativa que conduz a uma larga autonomia em matéria financeira. Uma autonomia que inclui o exercício de poderes tributários: como escreve SÉRVULO CORREIA. A “administração autárquica possui uma legitimação democrático-representativa que não seria compatível com uma simples actividade de execução da lei". De onde se conclui que o princípio da autonomia administrativa, traduzida numa autónoma normação autárquica, se encontra numa relação não de contradição, mas antes de integração do princípio da legalidade”. Essa integração passou a ser feita, depois da última revisão constitucional mediante a interacção entre os n.ºs 3 e 4do artigo 238. º da Constituição e a legislação ordinária. 0 n.º 4 do artigo 238.º, introduzido na última revisão constitucional prevê a atribuição aos municípios, na aplicação de princípios como os que acima formulamos, de poderes tributários sem qualquer restrição de ordem material: ainda que sob a condição de uma formulação específica do conteúdo desses poderes por lei.

IX - Mas mesmo que se defenda uma interpretação restritiva do princípio da autonomia financeira das autarquias com faz o tribunal a quo, não poderá ainda assim, deixar-se de aceitar a limitação imposta pelo princípio da igualdade tributária também constitucionalmente consagrado, em especial, tratando-se de isenções subjetivas como nos lembra SÉRGIO VASQUES na sua obra citada na douta sentença, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2008, Almedina, e como é o caso da isenção sub judice: O que sempre se haverá de exigir do legislador, naturalmente, e porque o principio da equivalência não se fundamenta simplesmente no RTL mas representa uma projecção do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º da Constituição da República, é que também estas isenções estabelecidas por lei se mostrem necessárias, adequadas e proporcionadas em face dos objectivos extrafiscais que estejam em causa, um exame que deve ser feito com especial rigor sempre que revistam carácter subjectivo.”.

X - No âmbito do seu poder tributário e das competências que lhe foram constitucional e legalmente atribuídas, o Município de Lisboa, através de deliberação da Assembleia Municipal, aprovou o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas (publicado no DR – 2ª Série, nº 129 de 7 de Julho de 2009), atribui de forma geral e abstrata, isenções, conforme se encontra previsto no RGTAL, aplicáveis a todas as entidades que, à semelhança da Recorrida sejam "... associações públicas, pessoas coletivas de utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social ou outras associações sem fins lucrativos, que prossigam fins culturais, sociais, religiosos, desportivos ou recreativos.", atribuindo assim uma isenção de carácter subjetivo mas cujos potenciais sujeitos passivos são abstratamente descritos, não se permitindo assim a verificação de desigualdades na atribuição de isenções tributárias que claramente tem lugar com a aplicação da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 40397.

XI - As entidades previstas no artigo 6º nº1 daquele Regulamento, beneficiam de uma redução de 30% do valor das taxas urbanísticas ali previstas, não se vislumbrando qualquer justificação para que, através da defesa da manutenção da norma legal de 1955, a Recorrida em exclusivo, beneficie de uma isenção total das mesmas taxas quanto às quais, v. g., o Banco Alimentar e a Fundação de Assistência Médica Internacional (AMI) - também elas pessoas coletivas de utilidade pública que prestam assistência social e de saúde aos mais desprotegidos -, apenas possam beneficiar de 30% de redução, antes se lobrigando a verificação da violação do princípio da igualdade tributária, em consequência da ilícita interpretação restrita do princípio da autonomia financeira das autarquias contido no artigo 238.º da CRP em violação das disposições legais supra citadas que o concretizam.

XII - Assim, sob pena de violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e do princípio da autonomia financeira das autarquias, não é constitucional e legalmente defensável que a Recorrida beneficie de uma isenção total de taxas municipais quanto às quais outras entidades que prossigam fins estatutários idênticos ou tão meritórios quanto os seus, apenas beneficiem de uma redução de 30%.

XIII - Conforme nos diz Jorge Miranda "a superveniência da nova Constituição ou de uma sua revisão, acarreta ipso facto, pela própria função e força de que está investida, o desaparecimento das normas de Direito ordinário anterior com ela desconformes' XIV - Assim, com a superveniência da norma constitucional que veio atribuir tais poderes tributários às autarquias através de previsão legal, previsão esta que veio a suceder em 2007 e a densificar-se em 2013, aquela norma de 1955, encontrando-se prevista num diploma legal emanado pelo Governo sem qualquer intervenção da autarquia local respetiva, resulta supervenientemente inconstitucional, devendo cessar a sua vigência desde a entrada em vigor daqueles diplomas legais de 2007.

XV - Encontra-se assim a douta sentença recorrida ferida de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT