Acórdão nº 00718/11.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO O MUNICÍPIO (...) réu na ação administrativa especial que contra si foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra por Condomínio do prédio de habitação coletiva com n.º de polícia (...), sito na (...), (...), sendo contra-interessados S., LDA.

e A.

(todos devidamente identificados nos autos), inconformado com a sentença do Tribunal a quo datada de 18/12/2015 (fls. 479 SITAF) que julgando parcialmente procedente a ação, declarou nulos os atos administrativos ali identificados – os referentes ao procedimento administrativo com o nº 03/2006/2967, para licenciamento de obras de remodelação da área comercial sita na Avª (...) Freguesia de (...), MUNICÍPIO (...), para a instalação de um estabelecimento de bebidas: 1) - Deliberação camarária de 24/05/2010, que deferiu o pedido de licenciamento das desconformidades com o projeto de arquitetura introduzidas no decorrer das obras; 2) - Despacho do Diretor do “DERU”, de 17/03/2011, que deferiu o pedido de autorização de utilização; 3) - Despacho do Chefe de Divisão da “DGURU”, de 01/08/2011, que aceitou a declaração prévia de instalação do estabelecimento de bebidas, prevista no artigo 11.º do DL 234/07 – dela interpôs recurso de apelação (fls. 546 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: I – No âmbito dos procedimentos de instalação de estabelecimentos de bebidas, as autoridades de saúde devem ser consultadas para verificação do cumprimento das normas de higiene e saúde públicas nos termos do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro; II - O Decreto-Lei n.º 336/93 visa a salvaguarda da saúde pública, na prevenção da doença e promoção e manutenção da saúde, pela prevenção dos factores de risco e controlo de situações susceptíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde da pessoa ou dos aglomerados populacionais; III – A verificação do cumprimento de normas técnicas sobre acessibilidades não cabe no âmbito daquele diploma legal; IV - Do Decreto-Lei n.º 163/2006, decorre que a fiscalização do cumprimento das ditas normas técnicas, por parte dos particulares, cabe às câmaras municipais, não se estabelecendo, aí, em momento algum, qualquer competência para as ARS e, portanto, no caso, para a ARSC V - O parecer da ARS, emitido no âmbito de procedimentos de instalação de estabelecimentos de bebidas, é vinculativo quanto ao cumprimento de normas de higiene e saúde públicas, mas não o é sobre tudo o mais que a ARS, para lá das competências que lhe decorrem da lei, decida pronunciar-se; VI - No que concretamente concerne ao cumprimento das normas técnicas sobre acessibilidades, não tinha o Recorrente de levar em conta o que é dito pela ARSC, uma vez que a fiscalização do cumprimento dessas normas cabe ao Recorrente e não à ARSC; VII – A ARSC, ao condicionar o seu parecer ao cumprimento de regras sobre acessibilidades relativamente a um estabelecimento que, atenta a dimensão da área de acesso ao público, não está sujeita a essas regras, pretende impor a um particular mais do que aquilo que a lei permite que se lhe imponha, imposição essa que, além do mais, escapa àquelas que são as atribuições e competências daquela entidade; VIII – O Recorrente não estava vinculado pela parte do parecer da ARSC em que esta, fugindo às suas competências, entende pronunciar-se sobre o cumprimento de normas técnicas sobre acessibilidades; IX - Ao considerar que o Recorrente se substituiu à ARSC, corrigindo parecer vinculativo emitido por esta e, por essa via, ao declarar nulos os actos supra elencados, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 7.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 do Decreto-Lei n.º 234/2007, 24.º, n.º 1, alínea c) do artigo 24.º e 68.º, alínea c) do RJUE, violando-os.

O recorrido CONDOMÍNIO contra-alegou (fls. 562 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso do réu MUNICÍPIO, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos: 1 - Sustenta o Recorrente que não estava obrigado à observância do parecer desfavorável emitido pela ARS-C em 23/11/2009 diagnosticando o incumprimento, pelo projecto de alterações apresentado, das normas em matéria de acessibilidades a pessoas com deficiência e/ou mobilidade condicionada.

2 - Liminarmente, porquanto, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea q) do Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, a observância das normas técnicas sobre acessibilidades apenas é imposta aos estabelecimentos comerciais cuja superfície de acesso ao público ultrapasse 150 m2 e a superfície de acesso ao público do estabelecimento em causa não ultrapassa os 150 m2, não tendo, como tal, de cumprir as referidas normas.

3 - Sucede, todavia, que, ao invés do que se pretende fazer crer, jamais em momento algum se provou que a superfície do estabelecimento em apreço detém área superior a 150m2 - pelo contrário, o que se provou, que é bem diferente, foi que existe uma informação com o teor constante do ponto 22 dos factos considerados provados.

4 - Nem, aliás, poderia ser de outro modo, pois que o que se verifica do pa. é que a superfície do estabelecimento possui 140m2 - cfr. pa. a fls. 6.

5 - Logo, o ataque à sentença recorrida é inânime, mantendo-se intocada a justeza do decidido: ao não ter cumprido o parecer da ARSC, a ele se substituindo, o deferimento do pedido de licenciamento das alterações ao projecto de arquitectura emitido pelo Recorrente é nulo - cfr. 68.º, alínea c) do RJUE.

6 - Por outro lado, adianta ademais o Recorrente em abono da sua pretensão que o parecer da ARSC é vinculativo quanto ao cumprimento de normas de higiene e saúde públicas, já não o sendo quanto à satisfação das normas técnicas sobre acessibilidades, visto que o artigo 7.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei n.º 234/2007 determina que, no âmbito de procedimentos de instalação de bebidas, devem ser consultadas as autoridades de saúde para verificação do cumprimento de normas de higiene e saúde públicas nos termos do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro.

7 - Contudo, ao contrário do que parece constituir uma certeza para o Recorrente, é manifesto que as normas sobre acessibilidades são normas de saúde pública.

8 - Na verdade, determina o art. 7.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-lei n.º 234/2007 que, no âmbito de procedimentos de instalação de bebidas, devem ser consultadas as autoridades de saúde, para verificação do cumprimento de normas de higiene e saúde públicas nos termos do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro.

9 - E, como refere o próprio diploma a que se vem de aludir, o que se visa garantir é uma actuação de estreita colaboração entre as várias entidades que operam no domínio da saúde, chamando a atenção para o facto de o campo de intervenção destas entidades se ter alargado “consideravelmente com o tempo”, tendo ultrapassado “o conceito restrito médico-sanitário e ambientalista”.

10 - Ora, só por aqui sentimos dificuldades em aceitar a perspectiva do Recorrente, pois que, de facto, o escopo deste diploma integra a qualidade de vida da população em geral e, em particular, dos grupos populacionais vulneráveis, qualidade de vida que, como resulta do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, é garantida através da promoção da acessibilidade.

11 - Como tal, as normas sobre acessibilidades são normas que não apresentam uma natureza meramente técnica, surgindo antes como normas de saúde pública, uma vez que visam garantir a qualidade de vida e a qualidade de vida alcança-se proporcionando-se condições de vida humanas e sadias - cfr. o artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da CRP, em que se realça que o direito à protecção da saúde é realizado, também, através da melhoria sistemática das condições de vida, bem como o artigo 66.º da CRP e, na doutrina, Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 845).

12 - Sendo assim, como é, temos que nunca poderia o Recorrente arrogar-se uma competência que não é a sua: ao corrigir o parecer vinculativo da ARS, ele está a emitir um parecer sobre matéria que não se integra, por força da lei, na sua esfera de competências.

13 - Nesta conformidade e também sob este prisma, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, antes tendo devidamente interpretado os artigos 7.º, n.ºs 1, alínea c), e 2.º do Decreto-lei n.º 234/2007.

E deduziu ainda naquelas contra-alegações recurso subordinado que dirigiu à sentença de 18/12/2015 (fls. 479 SITAF), na parte em que foram julgados improcedentes os demais fundamentos de invalidade dos atos impugnados e improcedentes dos demais pedidos, e bem assim, ao despacho de 13/10/2013 (fls. 301 SITAF), do Mmº Juiz a quo que em sede de saneamento dos autos considerou não haver matéria de facto controvertida, determinando a notificação das partes para apresentarem alegações escritas nos termos do artigo 91º nº 4 do CPTA, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1 - De acordo com a douta sentença proferida, os actos de licenciamento, de autorização de utilização e de aceitação da declaração prévia que enformam a instalação e o funcionamento do estabelecimento que nos ocupa são, como efectivamente sucede, nulos (nulidade que, como se esperará demonstrar, não decorre somente da única ilegalidade que foi julgada procedente).

2 - Logo, não produzindo os mesmos quaisquer efeitos jurídicos, e como bem refere o Meritíssimo Juiz a quo, não pode o aludido estabelecimento vizinho funcionar.

3 - Sucede, todavia, que esta directriz não foi judicialmente decretada, porquanto se entendeu que a mesma consubstancia matéria de execução da sentença prolatada.

4 - Mas, quanto a nós, erroneamente: é que, se a um passo o Recorrente cumulativamente peticionou isto mesmo (pedido que é plenamente admissível à luz do art. 4.º do CPTA, preceito que também ele visa que a...

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