Acórdão nº 02138/12.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO F. e Outra (devidamente identificados nos autos), autores na ação administrativa especial que instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga contra o MUNICÍPIO DE (...), sendo contra-interessados S.

e R.

(ambos devidamente identificados nos autos) – na qual impugnaram os dois despachos, que ali identificaram ser o despacho datado de 10/07/2012 da divisão de serviços técnicos do MUNICÍPIO DE (...) que por subdelegação de poderes concedida pelo Presidente da Câmara Municipal admitiu a comunicação prévia para a construção de anexo lateral para garagem efetuada pelo contra-interessado S. e o despacho datado de 14/08/2012 da mesma divisão de serviços técnicos que por subdelegação de poderes concedida pelo Presidente da Câmara Municipal, e após proposta de revogação da supra referida comunicação prévia e apresentação pelo contrainteressado de aditamento ao projeto, admitiu a comunicação prévia, despachos cuja declaração de nulidade ou anulação peticionaram – inconformados com a sentença datada de 26/07/2019 (fls. 270 SITAF) que julgou a ação improcedente absolvendo o réu do pedido, dele interpuseram o presente recurso de apelação (fls. 303 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. A sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA pois não se pronunciou quanto ao vício invocado pelos AA., em concreto, de que actos impugnados ao admitirem a comunicação prévia para a construção de uma garagem por parte dos CI padecem de vício de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e 68.º, alínea a) do RJUE, pois violam as prescrições do alvará de loteamento que prevêm a construção de uma única garagem por fracção.

  1. Em função do alegado pelos CI no artigo 3.º da contestação deve ser aditado o seguinte facto à matéria de facto provada, com relevância para a boa decisão da causa: AA. e os antecessores (antigos proprietários da fracção) dos CI alteraram a finalidade dos anexos de um piso – ao fundo – no limite Nascente do referido Lote X – adaptando-os a garagem.

  2. Tanto a fracção dos AA. como a dos CI já possuem uma garagem e, como tal, os actos impugnados ao admitirem a comunicação prévia para a construção de uma garagem por parte dos CI padecem de vício de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e 68.º, alínea a) do RJUE, pois violam as prescrições do alvará de loteamento que prevêm a construção de uma única garagem por fracção.

  3. Mas ainda que se considere que não constitui matéria assente que tanto fracção dos AA. como a do CI têm já uma garagem construída e que tal facto constitui matéria controvertida, o que apenas se alega por extrema cautela e mero dever de patrocínio, importa apurar se, na verdade, as fracções em causa têm já uma garagem cada, de molde a aquilatar da eventual violação das prescrições do alvará de loteamento.

  4. Nesse caso, deve este Venerando Tribunal, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, al. c) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, anular a decisão de 1.ª instância, tendente à ampliação da matéria de facto, para apurar se as fracções de AA. e CI têm já uma garagem cada.

  5. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a preterição de audiência prévia no caso em apreço não pode degradar-se em formalidade não essencial.

  6. É que não é o conteúdo vinculado dos actos, só por si, que permite recusar o efeito invalidante da preterição de audiência prévia - a este propósito, veja-se, o Acórdão do STA datado de 22-05-2002, proferido no processo 047163: 8. É também necessário que se conclua, com inteira segurança, num juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa impugnada seja a única concretamente possível – cf. Acórdão do TCA Norte datado de 17-11-2011, proferida no processo 247/07.9BEVIS.

  7. A Meritíssima Juiz a quo não verificou que houve uma alteração ao loteamento original aprovada por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...), datado de 13.10.89, (cf. Documento 7 junto com a petição inicial) em que se modificou o local em que as garagens iriam ser implantadas em relação ao que estava previsto no loteamento original.

  8. É a construção da garagem tal como pretendida pelos CI é que não respeita as prescrições do alvará de loteamento tal como foi aprovado aquando da alteração em 1989.

  9. Acresce o facto de, como se disse, cada fracção já ter uma garagem, limite máximo previsto nas prescrições do alvará de loteamento.

  10. Mas, para além destas, há ainda outras questões que poderiam ser aventadas pelos AA. em sede de audiência prévia e que poderiam determinar o indeferimento da pretensão dos CI, tais como: - o facto de com a construção pretendida poder ser largamente ultrapassado, o que certamente iria suceder, o índice de construção previsto no alvará de loteamento; - o facto de a garagem a construir distar menos de 3 metros da janela de um compartimento de habitação dos AA., em clara violação do artigo 73.º do RGEU; - o facto poder ser um acto que viole o direito de propriedade dos condóminos, na medida em que a garagem iria ser construída numa rampa de acesso às garagens que constitui parte comum do condomínio; - o facto de poder ser um acto que viole o direito dos AA. acederem à sua garagem com os seus veículos conforme explicado nos artigos 58.º a 70.º da petição inicial.

  11. Assim, num juízo de prognose póstuma jamais se pode afirmar que a decisão administrativa impugnada seja a única concretamente possível – bem longe disso.

  12. Esta é uma situação típica e notória de que deve ser concedido o direito de audiência prévia a quem possa vir a ser lesado com o acto a praticar; ainda mais quando antes de terem sido trazidos ao processo estes novos elementos (novos desenhos) os AA. já tinham enviado aos RR. uma exposição a pedir a revogação do primeiro acto que admitiu a comunicação prévia.

  13. Não existem quaisquer dúvidas que nos primeiros desenhos apresentados a garagem estava deslocada em relação ao previsto na planta síntese do loteamento e, assim, o acto que admitiu a comunicação prévia é um acto nulo, nos termos do disposto no artigo 68.º, al. a) do RJUE.

  14. Ao tempo do procedimento administrativo em causa estava em vigor, ainda, o antigo Código do Procedimento Administrativo e, assim, em obediência ao princípio tempus regit actum, são as normas desta versão do CPA as que têm que ser aplicadas ao caso vertente.

  15. Assim, conforme se refere, e bem, no Parecer do Exmo. Sr. Magistrado do Ministério Público proferido em 1.ª instância, com a legislação então em vigor, o acto nulo não produz qualquer efeito (artigo 134.º, n.º 1 do CPA) e é insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (artigos 134.º, n.ºs 1 e 2 e 137.º do CPA).

  16. Assim, impunha-se que o Município declarasse a nulidade desse acto que admitiu a comunicação prévia e não decidir manter a admissibilidade da comunicação prévia previamente concedida, uma vez que o ora Contra-Interessado veio sanar a ilegalidade que motivou a proposta de declaração de nulidade do acto – cf. alínea Q) do elenco de factos provados.

  17. Conforme preceituava o anterior artigo 139.º, n .º 1, al. a) do CPA, os actos nulos são insusceptíveis de revogação, quer por revogação extintiva quer por revogação por substituição – cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Almedina, pág. 674.

  18. Ou seja, o R., ao invés de ter decidido manter a comunicação prévia, tinha que ter declarado a nulidade do acto que admitiu a comunicação prévia e podiam, depois, os CI, eventualmente, formular novo pedido de comunicação prévia com base em elementos novos.

  19. A sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA e, para além disso, viola os artigos 52.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e 68.º, alínea a) do RJUE, artigos 100.º, 134.º, 137.º e 139.º, n .º 1, al. a) do CPA, na sua versão aprovada pelo DL 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo DL 6/96, de 31 de Janeiro.

    Apenas os contra-interessados contra-alegaram (fls. 325 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso com manutenção da decisão recorrido, formulando o seguinte quadro conclusivo: [imagem que aqui se dá por reproduzida]* Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer (fls. 1349 SITAF).

    * Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

    * II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

    Em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as suas conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir: - saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC, por não se ter pronunciado quanto ao vício de nulidade assacado ao ato impugnado, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e 68.º, alínea a) do RJUE, por violação das prescrições do alvará de loteamento que preveem a construção de uma única garagem por fração – (conclusão 1ª das alegações de recurso); - saber se deve ser modificado o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, aditando aos factos provados que «AA. e...

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