Acórdão nº 1200/16.7BESNT-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO D..........., SA, antes designada Hospital A..........., SA, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 09/11/2016, que no âmbito da ação administrativa instaurada por R...........

, M...........

, H...........

e N...........

, contra C...........

, W...........

, A……………………..

, o Hospital A..........., SA e a F…………, SA, julgou improcedente a exceção de prescrição, determinando o prosseguimento da ação.

* Formula a Ré, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I.

O Despacho recorrido incorre num erro na determinação da norma aplicável, uma vez que o artigo 306.º do Código Civil não é aplicável ao caso dos autos, mas apenas e somente o disposto no artigo 498.º daquele diploma.

II. O artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - aplicável ao caso dos autos nos termos do artigo l.º, n.º 5 daquele diploma - remete expressamente, em matéria de prescrição da responsabilidade civil, para o disposto no artigo 498.º do Código Civil e para as regras relativas à suspensão e interrupção da prescrição (ou seja , para os artigos 318.º a 327.º daquele diploma).

III.

Como resulta do próprio Despacho recorrido, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas é o único regime aplicável nesta matéria.

IV.

Assim, para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição da putativa responsabilidade civil da ora Recorrente deve ter-se única e exclusivamente em conta o disposto no artigo 498.º do Código Civil e já não, como faz o Despacho recorrido, o disposto no artigo 306.º daquele diploma.

V. Os artigos 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 498.º e 306.º do Código Civil, tal com o interpretados conjuntamente pelo Despacho recorrido, i.e., no sentido de que o prazo de prescrição só começou a correr após o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo penal é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

VI.

A norma do artigo 498.º do Código Civil constitui norma especial face à norma geral do artigo 306.º, pelo que o termo inicial do prazo de prescrição nele previsto aplica-se preferencialmente no seu domínio específico de aplicação - i.e.

, da responsabilidade civil extracontratual -, ficando afastado o regime daquela última norma.

VII.

Foi intenção clara e expressa do legislador adotar um regime especial para o termo inicial da contagem do prazo da prescrição quando está em causa a responsabilidade civil extracontratual (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se justificando qualquer interpretação restritiva do artigo 498.º do Código Civil que afaste do seu campo de aplicação os casos em que o lesado estaria impedido de exercer o direito na data em que teve conhecimento do mesmo.

VIII.

O n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil prevê a suspensão do prazo de prescrição “durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”, donde resulta que na perspetiva legislativa, é razoável que o prazo de prescrição corra em situação em que o credor está impossibilitado de o exercer desde que seja assegurado o prazo mínimo de três meses para exercer o direito, ficando assegurado o equilíbrio entre as soluções jurídicas.

IX.

O Despacho recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 306.º do Código Civil e 71.º e 72.º do CPP.

X.

Nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea f) do CPP o pedido de indemnização cível dos Recorridos nunca esteve sujeito ao princípio da adesão, donde resulta que os Recorridos estavam em condições de exercer o seu putativo direito desde 10 de Agosto de 2008, i.e.

, desde a data em que a Srª. Dª. F........... veio a falecer e que, portanto, os Recorridos tiveram conhecimento do direito indemnizatório que alegadamente lhes compete.

XI.

A responsabilidade civil emergente de crime a que se refere o artigo 71.º do CPP é aquela que pode ser efetivada "perante o tribunal civil" e cuja disciplina substantiva se encontra "regulada pela lei civil", conforme prevê o artigo 129.º do Código Penal, sendo certo que a responsabilidade civil ora em apreciação encontra a sua disciplina substantiva no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, sendo o seu conhecimento da competência dos tribunais administrativos (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214- G/2015, de 2 de Outubro).

XII.

Nada impedia que os Recorridos tivessem instaurado ação autónoma de indemnização contra a ora Recorrente ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, pelo contrário, não sendo os tribunais comuns competentes para julgar tal acção de responsabilidade civil, impunha-se mesmo aos Recorridos que tivessem instaurado uma tal ação autónoma, nos tribunais administrativos.

XIII.

Não estando o direito indemnizatório dos Recorridos sujeito ao princípio da adesão vigente no processo penal, não se pode falar em relação à Recorrente, em impossibilidade de exercício do direito nem em interrupção da prescrição do (alegado) direito indemnizatório.

XIV.

O Despacho recorrido incorre numa notória incorreta aplicação do disposto nos artigos 323.º, n.ºs 1 e 4 e 327.º, n.º 1 do Código Civil, não se verificando as respetivas previsões normativas.

XV.

Note-se, que, não tendo sido parte no processo-crime, a Recorrente nunca foi notificada de qualquer acusação, despacho de pronúncia ou despacho que designasse dia para a audiência de julgamento, não tendo igualmente sido deduzido qualquer pedido de indemnização cível, naquele processo, contra a ora Recorrente e, nesses termos não se verificou qualquer facto interruptivo da prescrição quanto à ora Recorrente, sendo evidente que, para este efeito, é absolutamente irrelevante a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus, resultante daqueles factos.

XVI.

Acresce que, a mera pendência de um processo penal não constitui, por si só, uma causa interruptiva do prazo prescricional, sendo certo que o artigo 306.º também, não prevê, em si, uma causa de interrupção do prazo prescricional, mas antes uma regra geral quanto ao termo inicial para esse prazo prescricional (sendo certo que, como vimos, aquela regra geral nem sequer é aplicável ao caso dos autos).

XVII.

E, in casu, inexistiu qualquer causa de interrupção da prescrição do putativo direito dos Recorridos, porquanto a Recorrente não foi (i) citada nem notificada judicialmente pelos Recorridos de qualquer acto que exprimisse a intenção de exercerem o seu direito (cfr. artigo 323.º n.º 1 do Código Civil) nem, de resto, foi quanto a ela praticado (iii) qualquer outro meio judicial pelo qual se tivesse dado conhecimento desse mesmo ato (cfr. artigo 323.º, n.º 4 do Código Civil).

XVIII.

Sendo irrelevante, para estes efeitos, a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus resultante da citação para o processo-crime, um a vez que a figura da interrupção da prescrição, conforme prevista no artigo 323.º do Código Civil, exigia que os Recorridos tivessem expressado a sua intenção de exercer o direito indemnizatório concretamente contra a ora Recorrente, o que, efetivamente, não lograram fazer.

XIX.

De resto, o artigo 323.º do Código Civil, tal como interpretado pelo Despacho recorrido, i.e.

, no sentido de que o prazo prescrição do putativo direito de indemnização dos Recorridos se considerar interrompido, pela mera existência de um processo-crime do qual a Recorrente não fez parte e sem que essa interrupção resulte de um acto que dê conhecimento ao devedor da intenção de exercer o direito é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.

XX.

Nestes termos, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 498.º do Código Civil, é manifesto que qualquer hipotético direito de indemnização dos Recorridos, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual da Recorrente já prescreveu, porquanto a ação de condenação apenas foi instaurada em 17 de Abril de 2015 (e a ora Recorrente apenas citada em 24 de Abril de 2015), ou seja, cerca de 6 anos e 8 meses desde que tomaram conhecido do putativo direito.

XXI.

Ainda que se considere aplicável ao presente caso o disposto no artigo 321.º, n.º 1 do Código Civil - o que jamais se concede, e só por dever de patrocínio se equaciona - na hipótese mais favorável aos Recorridos, qualquer hipotético direito de indemnização destes com fundamento em responsabilidade civil extracontratual da Recorrente teria de ter sido exercido até 2 de julho de 2014 (i.e., até ao termo do prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo crime).

XXII.

Em suma, resulta de tudo o exposto que o Tribunal a quo incorreu num erro na determinação da norma aplicável (que deveria ter sido o artigo 498.º e não o artigo 306.º do Código Civil), bem como num erro na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 306.º do Código Civil, 71.º e...

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