Acórdão nº 2278/09.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A.............................S.L. UNIPESSOALS.L. UNIPERSONAL, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) a acção administrativa comum – sob a forma ordinária - contra o ESTADO PORTUGUÊS pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual consubstanciada em danos patrimoniais, no valor de 571.877,51€, acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do valor complementar que possa vir a ser apurado nos termos do artº 569º do Código Civil (CC), pelo “não ingresso no respectivo património das quantias pecuniárias que deveriam ter sido pagas à ordem do tribunal pela T.................., se os créditos da M................. sobre aquela tivessem sido tempestivamente arrestados”.

Alegou, em sínteses, que a aludida acção radica na circunstância de, em 2 de Setembro de 2004, na 1ª Secção da 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, ter sido intentada por A................., S. L. contra M................. - D................., Lda., a Providência Cautelar de Arresto relativamente a depósitos bancários e créditos detidos por esta última, tendo sido proferida sentença em 4 de Novembro de 2004, designadamente, com o seguinte segmento decisório: “(…) decreto o arresto dos saldos bancários e créditos elencados no requerimento de Petição Inicial, com a excepção dos que entretanto já se encontrem cedidos e documentalmente provado nos autos”.

A sentença só foi notificada após despacho de 24.11.2006.

Como tal, a Autora ficou impossibilitada de (i) conhecer o montante preciso em que ficou lesada pela não notificação e cumprimento tempestivo do arresto pela T.................. e de (ii) avaliar em que medida poderia ou não ter ocorrido uma conduta ilícita por parte da T.................., de que a Autora nunca colheu qualquer evidência objectiva.

(…) é evidente que a Autora sofreu um dano correspondente à diferença entre o valor que teria recebido, ou iria ainda receber, se o arresto tivesse sido tempestivamente decretado, e aquele que recebeu já, ou que irá receber no processo de insolvência, prevendo-se que aí seja satisfeito apenas 10% do valor do crédito que lhe é reconhecido.

(…) Dano esse (…) que, nesta fase (…) se calcula em cerca de €571.877,51 (…)”.

*Citado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da presente acção.

*A Autora requereu a ampliação do pedido para € 1.131.857,08 admitida pelo Tribunal a quo por despacho de 3-05-2019.

* Por sentença de 31 de Outubro de 2019, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformada a Recorrente /Autora interpôs o presente recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem: A.

A presente acção visa o ressarcimento de prejuízos sofridos pela Recorrente em resultado da omissão de acto de notificação por parte da secretaria judicial, nos autos de arresto n.º 463/05.8TVLSB-A (entretanto apensos a processo de insolvência, sendo-lhe atribuído o número 102/09.8TYLSB-D).

B.

A sentença proferida e de que ora se recorre considerou improcedente tal pedido de condenação do Estado Português na satisfação de indemnização.

C.

A sentença recorrida padece de vícios que justificam a respectiva revogação.

D.

Em primeiro lugar, a sentença omite factos relevantes da enumeração dos factos provados, em violação do disposto no artigo 607.º do Código de Processo Civil.

E.

O primeiro facto relevante omitido, e que se encontra demonstrado por prova documental, é o que respeita ao facto de a entidade que deveria ter sido notificada do arresto, ter entregue ao arrestado, a quantia de € 1.166.641,04.

F.

Tal facto é manifestamente relevante para a decisão da causa, por ser atinente aos danos sofridos pela Recorrente, e encontra-se provado por prova documental junta aos autos (cfr. requerimentos apresentados pela “T..................” em 27 de Março de 2014 e 28 de Novembro de 2014).

G.

Deve assim ser aditada à lista de factos provados o seguinte facto: “Entre 4 de Novembro de 2004 e 22 de Novembro de 2006, a «T.................. E................., Instituição Financeira de Crédito, S.A.» entregou à «M................. – D................., Lda.» a quantia de € 1.166.641,04”.

H.

Só assim o Tribunal terá à disposição este facto, pertinente para concluir que a Recorrente sofreu efectivos danos com o atraso na notificação da decisão de arresto à “T..................”, pois a ter sido feita a notificação, tais valores teriam sido depositados à ordem dos autos de arresto.

I.

O segundo facto relevante também omitido da lista de factos relevantes é o que respeita à declaração de insolvência da M................., o arrestado.

J.

Tal facto encontra-se demonstrado documentalmente, estando junto como documento n.º 25 a sentença que declarou essa insolvência e que foi igualmente objecto de publicação em Diário da República (2.ª Série, de 7 de Abril de 2009).

K.

O facto é relevante para perceber qual foi a evolução da situação da Recorrente no que respeita à cobrança do crédito que o arresto visava alcançar.

L.

Embora possa não haver desde já elementos para apurar o valor exacto do prejuízo sofrido (uma vez que o processo de insolvência não se mostra ainda encerrado), a inclusão da declaração de insolvência entre os factos provados mostra-se necessária para enquadrar a evolução da relação jurídica em causa (o crédito da Recorrente sobre a M.................).

M.

Deve assim ser aditada à lista de factos provados um novo facto com a seguinte redacção: “A «M................. – D................., Lda.» foi declarada insolvente, por sentença de 18 de Março de 2009”.

N.

A sentença ora recorrida padece de vício de erro de julgamento, ao aplicar erradamente os requisitos de aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, infringindo assim os preceitos do Decreto-Lei n.º 48501, de 21 de Novembro de 1967 (entretanto revogado, mas aplicável à presente causa, dada a data de ocorrência dos factos).

O.

Para que haja responsabilidade civil extracontratual do Estado devem estar reunidos os cinco requisitos clássicos da responsabilidade: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo e causalidade.

P.

A sentença recorrida errou ao considerar não ter ocorrido facto que possa desencadear a responsabilidade civil do Estado, pois efectivamente demonstrou-se que as secretarias judiciais das 11.ª e 16.ª Varas Cíveis de Lisboa não lograram, durante 2 anos, efectuar a notificação da sentença que decretou o arresto de créditos no processo n.º 4673/04.7TVLSB (mais tarde renumerado para 463/05.8TVLSB-A e, ainda depois, para 102/09.TYLSB-D) à entidade “T..................”, devedor do arrestado.

Q.

Essa omissão é obviamente imputável à secretaria judicial e a mais ninguém.

R.

Não impende sobre o requerente de arresto um dever de vigilância ou inspecção que o obrigue a verificar se a secretaria cumpriu integral e atempadamente o dever de execução dos despachos judiciais, constante do artigo 161.º, n.º 2 do Código de Processo Civil vigente à data dos factos.

S.

Não é susceptível de excluir a imputação à secretaria o facto de o requerente do arresto não ter detectado a falha da secretaria no cumprimento desse dever quanto à notificação do arresto de créditos a um de vários devedores do arrestado, pois que não existe tal dever de vigilância, que compete exclusivamente ao juiz e/ou aos serviços inspectivos da Justiça.

T.

É ilícito o atraso de 2 anos da secretaria judicial no cumprimento de sentença de arresto, que ordena a notificação de determinada entidade, para penhora de créditos.

U.

O referido atraso infringe as normas legais que impõem o prazo para cumprimento do expediente nas secretarias judiciais (artigo 166.º do Código de Processo Civil vigente à data).

V.

Este atraso infringe também o direito ao cumprimento em prazo razoável das decisões judiciais, de acordo com os critérios correntes na jurisprudência do STA e do TEDH, tais como a complexidade do caso, o comportamento das partes, a actuação das autoridades competentes no processo e a importância do objecto do litígio para o interessado.

W.

Num caso como o presente, e considerando todos esses critérios, nada justifica que a notificação do arresto se realize 2 anos após o respectivo decretamento.

X.

Existe culpa do serviço na produção deste resultado: o atraso de 2 anos na realização da notificação não teria ocorrido se a secretaria judicial funcionasse de acordo com o padrão mínimo de um serviço organizado, eficiente e cumpridor do dever de cuidado.

Y.

Atenta a importância do acto a praticar (quantias avultadas envolvidas e consequências negativas da falta da realização), a secretaria judicial deveria ter empregue os cuidados necessários para evitar que falhasse a notificação a qualquer um dos devedores indicados no requerimento de arresto.

Z.

Tais cuidados implicavam a verificação minuciosa de que todas as notificações tinham sido expedidas, o que não sucedeu.

AA.

Não fica afastada a verificação desta culpa pelo constatação de que a secretaria judicial tramitou adequadamente o processo nos demais actos que lhe incumbiam.

BB.

A omissão/atraso no cumprimento de tão relevante acto de notificação é suficiente para concluir por um juízo de censura relativamente ao funcionamento da secretaria judicial, sob pena de estarem “desculpados” quaisquer actos da secretaria prejudiciais às partes que ocorressem no contexto de processos que, no mais, tenham sido correctamente tramitados.

CC.

Interpretação essa cujo resultado o artigo 161.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente à data certamente impediria.

DD.

Está assim verificado o requisito da culpa.

EE.

A sentença recorrida incorre em vício de prática de acto inútil ao despender largas considerações sobre a indemnizabilidade de danos não patrimoniais, que nunca foram reclamados...

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