Acórdão nº 954/13.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A F.........................., Lda., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datado de 19/02/2015, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada pela F.........................., Lda.
contra o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e a Contrainteressada, F.........................., Lda., ora Recorrente, julgou a ação procedente, anulando a decisão do Infarmed que decidiu julgar apta a proposta da nova Farmácia, da ora Contrainteressada, condenando a que se procedam a novas medições das distâncias.
A Entidade Demandada, Infarmed, não se conformando, interpôs também recurso jurisdicional do citado acórdão.
* Formula a Contrainteressada, aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem, depois de sintetizadas: “A.
Ao proferir tal acórdão, o Tribunal a quo fez um incorrecto julgamento da matéria de direito, impondo-se uma decisão distinta daquela que agora se põe em crise.
B.
Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, a transferência de farmácia para município limítrofe - como aquela que se discute nos presentes autos - não está dependente do cumprimento da distância mínima de 100 m, contados em linha recta, entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012.
C.
É o que resulta expressamente, quer do artigo 2.º, n.º 3 da Portaria n.º 352/2012, quando conjugada a sua leitura com o n.º 2 daquele mesmo artigo, quer quando analisadas as demais normas aplicáveis ao regime da transferência de farmácias.
D.
É isto também que resulta da análise da evolução do regime legal das transferências para munícipe limítrofe, das circunstâncias em que a Lei n.º 26/2011 foi elaborada e das condições específicas do tempo em que é aplicada: contrariamente ao que sucede nas transferências dentro do mesmo município, em que não há qualquer alteração da capitação (relação n.º de habitantes/n.º de farmácias), nas transferências para município limítrofe o que se procura promover – em prol de um reconhecido interesse público – é que nos municípios em que há um excesso de farmácias face ao número de habitantes, as farmácias se transfiram para municípios onde há manifestamente falta de farmácias e deficiente acesso dos utentes ao medicamento.
E. A acolher-se a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, chegaríamos ao resultado absurdo de a transferência para concelho limítrofe - que como se viu, o legislador quis promover por razões de interesse público - implicar o cumprimento de mais requisitos do que aqueles que estão previstos para as transferências dentro do mesmo município (cfr. o artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007 e artigo 2.º da Lei n.º 26/2011), interpretação esta que é absolutamente inadmissível e contrária à ratio legis.
F.
O legislador não é minimamente "avesso" a excepções ao cumprimento das distâncias mínimas que genericamente previu, como também o demonstram o artigo 26.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 307/2007 e a parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 352/2012.
G.
É assim inequívoco que a distância prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012 não se aplica às transferências para município limítrofe, devendo como tal o acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão superior que mantenha na ordem jurídica o acto administrativo em causa nos presentes autos.
H.
Ainda que assim não se entenda - o que se equaciona por mera cautela de patrocínio e sem conceder -, o Tribunal a quo errou também flagrantemente na interpretação que fez do conceito de "limites exteriores", porquanto tal interpretação contraria flagrantemente o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
I.
Contrariamente ao que consta do decisório proferido pelo Tribunal a quo, foram precisamente razões de acessibilidade que nortearam o legislador na elaboração do diploma legal aqui relevante, pelo que a leitura e interpretação das normas constantes do mesmo têm necessariamente que ter esse objectivo em mente.
J.
Se o que importa para o legislador é a acessibilidade dos utentes ao medicamento, então temos naturalmente que tomar em conta os pontos concretos através dos quais estes acedem aos estabelecimentos e ao medicamento, pontos estes que são, nem mais, nem menos, do que as respectivas entradas, como defende a aqui Recorrente.
k.
Não pode, por isso, proceder a tese defendida pelo Tribunal a quo de que o que releva na medição das distâncias são os pontos mais próximos dos estabelecimentos, pois se os utentes não acedem aos estabelecimentos transpondo paredes, não pode ser obviamente esse o ponto que o legislador quis prever para a medição das distâncias mínimas que estabeleceu com o objectivo de promover a acessibilidade dos utentes ao medicamento.
L.
Aliás - e contrariamente ao que é defendido no acórdão recorrido - o que a evolução histórica da legislação nos mostra precisamente é que, nos últimos cerca de 30 anos, na única vez que o legislador adaptou um critério certo e determinado para a medição das distâncias - e precisamente no que se refere à medição das distâncias entre as farmácias e os centros de saúde e estabelecimentos hospitalares - mandou efectuar a medição das correspondentes entradas (cfr. artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 1379/2002).
M.
Assim, e tal como expressamente resulta das certidões camarárias juntas à contestação como Documentos n.ºs 2 e 3, não resta a mais pequena dúvida de que a distância prevista no artigo 2.º, n.º 1 da Portaria n.º 352/2012 se encontra no presente caso cumprida e por excesso, pois entre a entrada das novas instalações da farmácia da Recorrente (Largo F.........................., n.º 1-B, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras) distam mais de 100 metros, contados em linha recta da entrada do Hospital de Santa Cruz, pelo que não padecendo o acto administrativo em causa nos presentes autos de qualquer invalidade, deve o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por decisão superior que mantenha o referido acto administrativo na ordem jurídica.
N. No mais, verifica-se, ainda, outro vício de julgamento: contrariamente ao iu1zo decisório proferido pelo Tribunal a quo (expresso na pág. 15 e ss. do acórdão recorrido), (i) a força probatória dos documentos autênticos - como é o caso da certidão de distâncias oportunamente emitida pela Câmara Municipal de Oeiras, no respectivo procedimento administrativo - é a que decorre do artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil (os documentos autênticos detêm valor probatório pleno) e tal força (ii) só pode ser afastada com base na respectiva falsidade, como resulta do artigo 372.º da mesma codificação.
O.
O Tribunal a quo errou, de modo flagrante, ao não aplicar, no seu verdadeiro sentido, o disposto no artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil (desde logo porque os factos aí constantes foram “atestados com base nas percepções da entidade documentadora”) e ainda ao afastar, em absoluto, do seu escopo analítico, o artigo 372.º do Código Civil, apelando, diferentemente, ao conceito de acto administrativo (que a certidão em alusão também encerraria) e aos alegados vícios que o inquinariam.
P.
Por impossibilidade objectiva, o documento autêntico em alusão não podia ser declarado falso, mas, no seu juízo decisório, o Tribunal a quo não podia, pura e simplesmente, desconsiderar, rectius, violar o regime jurídico consagrado no artigo 372.º do Código Civil.
Q.
Dito de modo claro, se o Tribunal a quo pretendia afastar a força probatória do documento em alusão tinha que conter o seu julgamento nos limites impostos pelo artigo 372.º do Código Civil, sendo que, a final, iria seguramente concluir que o documento em apreço não é falso e, nessa exacta medida, não poderia proceder à respectiva declaração de falsidade.
R.
Ao ter decidido de modo diferente, ou seja, ao ter colocado de lado o regime efectivamente resultante dos artigos 371.º, n.º 1 e 372.º, ambos do Código Civil, o Tribunal a quo errou de modo bem vincado, encontrando-se o acórdão recorrido juridicamente inquinado, devendo, em consequência, tal como supra referido, ser revogado e substituído por um novo aresto, proferido pela presente instância jurisdicional, que mantenha na ordem jurídica o acto administrativo impugnado nos presentes autos.”.
Pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que mantenha na ordem jurídica o ato administrativo impugnado.
* A Entidade Demandada, Infarmed, ora Recorrente, notificada veio interpor recurso, para o que formulou as seguintes conclusões: “1.
O douto Tribunal a quo errou ao considerar que no âmbito do procedimento ora em análise se aplica o limite constante do artigo 2.º/1/c) da Portaria 352/2012.
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Isto porque, não obstante do regime de transferências de farmácias para um concelho limítrofe constar expressamente que a localização pretendida deverá respeitar o limite de pelo menos 350 metros para a farmácia mais próxima, no artigo 2.º da Lei 26/2011 não consta que uma farmácia que se transfira para um concelho limítrofe tenha que se localizar a mais de 100 metros de distância da unidade de saúde mais próxima.
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Acresce que, fazendo-se uma interpretação literal, histórica e sistemática do artigo 2.º da Lei 26/2011 não resulta, de qualquer forma, que o legislador tenha pretendido que fosse aplicável o limite constante no artigo 2.º/1/c) da Portaria 352/2012 aos procedimentos de transferência de farmácias para concelhos limítrofes.
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Todavia, se assim não fosse – e da interpretação...
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